Conflito Negativo de Atribuição

Processo n. 0075717-67.2013.8.26.0000 – Egrégia Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Suscitante: Promotoria de Justiça da Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Região Sul 2 – Foro Regional II – Santo Amaro

Suscitada: Promotoria de Justiça Criminal de São Bernardo do Campo

Assunto: definição da competência para intervir em feito que versa sobre atentado violento ao pudor (praticado antes da Lei n. 12.015/09)

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CRIMES DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR (CP, ART. 214, ANTES DA EDIÇÃO DA LEI N. 12.015/09) PRATICADOS EM CONTINUIDADE DELITIVA (CP, ART. 71, CAPUT). INFRAÇÕES PERPETRADAS EM COMARCAS DISTINTAS (SÃO BERNARDO DO CAMPO E SÃO PAULO). INVESTIGAÇÃO ÚNICA QUE SE JUSTIFICA DIANTE DO VÍNCULO DA CONEXÃO INSTRUMENTAL, PROCESSUAL OU PROBATÓRIA (CPP, ART. 76, III), ATRAINDO A COMPETÊNCIA RATIONE LOCI AO JUÍZO DO LOCAL EM QUE SE DEU A PREVENÇÃO, NOS TERMOS DO ART. 71 DO CPP. ATRIBUIÇÃO DO DOUTO SUSCITADO.

1. Segundo apontam os elementos de informação colhidos, os supostos delitos foram cometidos pelo investigado em face de sua então enteada inicialmente quando residiam em São Paulo e, posteriormente, no imóvel para onde se mudaram, em São Bernardo do Campo.

2. As condutas pretensamente criminosas foram perpetradas pelo agente em face do mesmo sujeito passivo, em semelhantes condições de tempo, lugar e modo de execução, podendo-se dessumir que um ato representa continuação do anterior.

3. Em situações semelhantes, justifica-se a reunião de processos para julgamento conjunto, medida que propicia ao magistrado ampla visão do quadro probatório, gera economia processual e evita a prolação de decisões judiciais conflitantes.

4. De mais a ver, o vínculo motivador do simultaneus processus, a conexão instrumental, probatória ou processual, funda-se no art. 76, III, do CPP. Note-se, ainda, que diante da diversidade de locus commissi delicti, há de se aplicar a regra legal insculpida no art. 71 do CPP: “Tratando-se de infração continuada ou permanente, praticada em território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção”, que prevalece, no caso de continuidade delitiva, sobre aquela prevista no art. 78 do mesmo Estatuto.

5. O juízo prevento é, portanto, a Vara Criminal de São Bernardo do Campo, por ter sido aquele que se antecipou no conhecimento do expediente.

Solução: conhece-se do incidente para dirimi-lo, declarando que a atribuição de oficiar nos autos incumbe ao Ilustre Suscitado.

 

 

Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração da suposta prática do crime de atentado violento ao pudor (CP, art. 214, antes da edição da Lei n. 12.015/09) cometido, em tese, por (...), várias vezes e ao longo de anos, em face de sua então enteada (...).

Segundo consta do procedimento, o suspeito, quando a jovem tinha aproximadamente seis anos de idade, e moravam os envolvidos na Cidade Ademar, em São Paulo, passou a acariciar lascivamente sua região genital, sobre a roupa.

Quando ela se tornou adolescente, o sujeito ativo tocava seus seios, até que, mais tarde, compreendendo a ofendida o que ocorria, não mais permitiu tais atos.

No dia 15 de julho de 2010, já residindo em São Bernardo do Campo, a vítima, agora com dezessete anos, acompanhada de sua genitora, noticiou à autoridade policial suposta agressão perpetrada pelo indiciado em fevereiro do mesmo ano e, à ocasião, narrou seu comportamento anterior (fls. 05/07 e 20/21).

O Ilustre Promotor de Justiça oficiante em São Bernardo do Campo, recebendo os autos, requereu seu arquivamento com relação à lesão corporal; quanto ao delito contra a liberdade sexual, postulou o encaminhamento do feito para São Paulo, local de consumação da infração, nos termos do art. 70 do CPP (fls. 16/18), pleitos estes deferidos (fl. 19).

A Douta Representante Ministerial atuante na Vara de Violência Doméstica ponderou cuidar-se a espécie de crime continuado, devendo ser aplicado ao caso, portanto, o art. 71 do CPP; estando prevento, em consequência, o Juízo remetente, propugnou por seu retorno à origem (fls. 26/28).

A Digníssima Magistrada, então, suscitou conflito de jurisdição (fls. 02/03).

O Eminente Presidente da Egrégia Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu de plano a questão, deixando de conhecer do incidente e determinou o envio da causa a esta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 30/33).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que se encontra devidamente configurado o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça, conforme o entendimento da Augusta Corte Bandeirante.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal medida tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

A razão se encontra com a Douta Suscitante, data maxima venia da Ilustre Suscitada.

Na hipótese em testilha, os fatos supostamente cometidos se deram em São Paulo e em São Bernardo do Campo.

Cuida-se, com efeito, de condutas pretensamente delituosas praticadas pelo agente em face do mesmo sujeito passivo, em semelhantes condições de tempo, lugar e modo de execução, podendo-se dessumir que um ato representa continuação do anterior.

Verifica-se, em tese, portanto, a figura do crime continuado, prevista no art. 71, caput, do CP:

 

“Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.”

 

Em situações semelhantes, justifica-se a reunião de processos para julgamento conjunto, medida que propicia ao magistrado ampla visão do quadro probatório, gera economia processual e evita a prolação de decisões judiciais conflitantes.

De mais a ver, o vínculo motivador do simultaneus processus, qual seja, a conexão processual, instrumental ou probatória, funda-se no art. 76, III, do CPP:

 

“Art. 76.  A competência será determinada pela conexão:

(...)

III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.”

 

Note-se, ainda, que diante da diversidade de locus commissi delicti, há de se aplicar a regra legal insculpida no art. 71 do CPP:

                           

“Tratando-se de infração continuada ou permanente, praticada em território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção.”

 

O juízo prevento é a Vara Criminal de São Bernardo do Campo, por ter sido aquele que se antecipou no conhecimento da causa.

Em face do exposto, com a máxima vênia do competente Suscitado, cremos ser de sua responsabilidade a formação da opinião delitiva.

Deve-se destacar que a determinação da competência jurisdicional, mesmo em razão do lugar, não interfere na fixação da unidade policial dedicada à apuração do fato. Esta questão diz respeito aos trabalhos policiais e, portanto, refoge à esfera de cognição desta Procuradoria-Geral de Justiça, a qual se cinge à análise da atribuição ministerial.

 Assim sendo, conhece-se deste incidente para dirimi-lo, declarando que a atribuição de oficiar nos autos incumbe ao Ilustre Promotor de Justiça de São Bernardo do Campo.

A designação de outro Representante Ministerial, na hipótese vertente, afigura-se desnecessária, haja vista não se vislumbrar qualquer menoscabo ao princípio da independência funcional.

Como bem pondera PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN, examinando conflitos de atribuição:

 

“a exclusão de ambos (os Promotores de Justiça em litígio) só pode se dar em caráter excepcional, porque essa modalidade de controvérsia pressupõe, de ordinário, que a atuação caiba a uma das autoridades em dissídio. (...). É evidente que a livre convicção do promotor natural deve ser preservada, mas não ao custo de subtrair-lhe o caso em que lhe cabe atuar, pois o dever de agir, que porventura tenha, é irrenunciável, intransferível e insuscetível de ser eliminado por interpretação unilateral do órgão ao qual toca satisfazê-lo. (...). Somente há incompatibilidade com o desempenho funcional – e, portanto, inconveniência para a sociedade – se o pronunciamento anterior, na sua essência, traduz uma promoção de arquivamento ou envolve uma antecipada afirmação de que a demanda é inviável” (REGIME JURÍDICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO PENAL, São Paulo, Editora Verbatim, 2009, pág. 155); parêntese nosso.

 

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 15 de maio de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

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