Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n. 69.542/13

Autos n. 1.030/13 – MM. Juízo do DIPO 4 (Comarca da Capital)

Suscitante: 1.ª Promotoria de Justiça Criminal do Foro Central da Capital

Suscitados: GECAP - Grupo de Atuação Especial de Combate aos Crimes Ambientais e de Parcelamento Irregular do Solo Urbano e Promotoria de Justiça Criminal do Foro Regional da Lapa

Assunto: correto enquadramento dos fatos com reflexo na atribuição funcional

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CONTROVÉRSIA ACERCA DO ENQUADRAMENTO LEGAL DA CONDUTA PERPETRADA PELO AGENTE. VENDA DE PIPA COM LINHA CORTANTE A CRIANÇA, QUE COM O OBJETO SE FERIU GRAVEMENTE. INCIDÊNCIA DO ART. 56 DA LEI N. 9.605/98 OU DO ART. 132 DO CP. BEM JURÍDICO VIOLADO: INTEGRIDADE CORPORAL DE PESSOAS DETERMINADAS. ATO QUE SE SUBSUME AO TIPO PENAL DE PERIGO À VIDA OU SAÚDE DE OUTREM. REMESSA PROMOTOR DE JUSTIÇA EM EXERCÍCIO PERANTE O JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL COMPETENTE.

1. Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração do comportamento praticado pelo suspeito, quando vendeu a criança com oito anos de idade pipa com linha cortante e o menino, brincando com o objeto, se feriu gravemente.

2. O Douto Suscitante busca atribuir ao agente o delito descrito no art. 56 da Lei Ambiental: “Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:”.

3. Para o Ilustre Suscitado, porém, trata-se de crime contra a pessoa (lesão corporal ou periclitação da vida ou saúde de outrem). Assiste-lhe razão.

4. Com efeito, o bem jurídico violado não foi o meio ambiente, mas a integridade corporal de pessoas determinadas, em especial do menor que se cortou com a linha na qual aplicado cerol.

5. Parece-nos que não se pode imputar ao sujeito o delito de lesão corporal, sob pena de indevida ampliação da relação de causalidade material. Resultado, ademais, que não se ajusta ao elemento subjetivo do injusto. Afigura-se possível, todavia, enquadrar sua conduta na infração subsidiária descrita no art. 132 do CP, pois, em verdade, é disso que se trata o ato de permitir que crianças empinem pipas com fios cortantes.

Solução: conhece-se desta remessa para, reconhecendo presente infração de menor potencial ofensivo, determinar a remessa do caso ao Promotor de Justiça atuante perante o MM. Juizado Especial Criminal.

 

Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração da conduta praticada por (...), quando vendeu à (...), à época com oito anos de idade, pipa com linha cortante.

No dia 25 de dezembro de 2011, quando o menino brincava com o objeto, a linha ficou presa em um automóvel e, sendo puxada, cortou sua perna, lesão esta de natureza grave, consoante o laudo pericial encartado a fls. 34.

(...) (alcunhado de “(...)”), ao ser ouvido, aduziu ser mecânico e, para aumentar sua renda, resolveu alienar pipas sem cerol para crianças, uma delas comprada pela vítima.

Acrescentou ter adquirido de um ambulante “linha chilena”, a qual possui alto poder de corte, pois composta também por pó de alumínio, vendendo-a em um festival na cidade de Osasco (fl. 18).

Foram apreendidos dois carretéis, os quais foram periciados, constatando-se a eficácia dos fios como instrumentos cortantes, podendo até levar à morte (fls. 26/28 e 29/32).

O feito aportou inicialmente no Foro Regional da Lapa, onde a Douta Promotora de Justiça, vislumbrando cometido o delito descrito no art. 56 da Lei n. 9.605/98, punido com reclusão, postulou sua remessa ao Foro Central da Capital (fl. 43).

O Ilustre Representante Ministerial oficiante junto ao Grupo de Atuação Especial de Combate aos Crimes Ambientais e de Parcelamento Irregular do Solo Urbano (GECAP), por sua vez, entendendo configurada lesão corporal grave, ou culposa, ou mesmo a infração tipificada no art. 132 do CP (perigo para a vida ou saúde de outrem), propugnou pelo encaminhamento do caso ao MM. Juízo Comum (fl. 48).

O Insigne Órgão do Parquet que o recebeu, discordando de seus antecessores, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 51/52).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento da causa a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

A razão se encontra com o Douto Suscitado, com a máxima vênia do Ilustre Suscitante.

A controvérsia reside em determinar o enquadramento típico do ato praticado pelo investigado, consistente em vender linha de pipa altamente cortante a uma criança, a qual se feriu gravemente com ela.

O Douto Suscitante busca atribuir-lhe o delito descrito no art. 56 da Lei Ambiental:

 

“Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos.”

 

Para o Ilustre Suscitado, porém, trata-se de crime contra a pessoa (lesão corporal ou periclitação da vida ou saúde de outrem). Assiste-lhe razão.

Com efeito, o bem jurídico violado não foi o meio ambiente, mas a integridade corporal de pessoas determinadas, em especial do menor que se cortou com a linha na qual aplicado cerol.

Parece-nos que não se pode imputar ao averiguado o delito de lesão corporal, sob pena de indevida ampliação da relação de causalidade material, atribuindo-lhe resultado que não se ajusta ao elemento subjetivo do injusto.

Afigura-se possível, todavia, enquadrar sua conduta na infração subsidiária descrita no art. 132 do CP, pois, em verdade, é disso que se trata o ato de permitir que crianças empinem pipas com fios cortantes.

Diante do exposto, conhece-se desta remessa para dirimir o conflito surgido, reconhecendo que, por se cuidar de infração de menor potencial ofensivo, a atribuição para oficiar compete Promotor de Justiça atuante perante o MM. Juizado Especial Criminal da Capital.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 15 de maio de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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