Conflito Negativo de Atribuição

Processo n.º 0159749-05.2013.8.26.0000

Autos n.º 1.169/13 – MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal da Comarca de Praia Grande

Suscitante: Promotoria de Justiça Criminal de Praia Grande

Suscitado: Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal de Praia Grande

Assunto: divergência quanto ao enquadramento dos fatos (ameaça ou coação no curso do processo)

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. PROMOTORES DE JUSTIÇA CRIMINAL E DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO (CP, ART. 344) OU AMEAÇA (CP, ART. 147). FATO OCORRIDO AO TÉRMINO DE AUDIÊNCIA DE TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO, APARENTEMENTE DESVINCULADO AO FAVORECIMENTO DE INTERESSE PRÓPRIO OU ALHEIO. AUSÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECÍFICO RELATIVO AO DELITO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA. ATRIBUIÇÃO DO MEMBRO DO PARQUET RESPONSÁVEL PELO EXAME DO CRIME SUBSIDIÁRIO.

1. A divergência reside em definir se houve crime de coação no curso do processo (CP, art. 344) ou ameaça (CP, art. 147), infração de menor potencial ofensivo. O delito contra a administração da Justiça é apenado com reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência, motivo por que não se insere na estrita competência do Juizado Especial Criminal. Tal infração visa à tutela da integridade física e psíquica da autoridade, parte ou pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo ou em juízo arbitral. A conduta típica consiste em usar violência ou grave ameaça, visando favorecer interesse próprio ou de terceiro, contra autoridade, parte ou qualquer pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral. São meios executórios: a) violência contra a pessoa (vias de fato, lesão corporal ou morte); b) grave ameaça (promessa séria de inflição de mal grave, justo ou injusto). O elemento subjetivo é o dolo (elemento genérico) e abarca a vontade e a consciência de usar de violência ou grave ameaça contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral. Há, ainda, elemento subjetivo específico, consistente no escopo de favorecer interesse pessoal ou de outrem. Pouco importa, deve-se frisar, a natureza do interesse que se busca privilegiar.

2. No tocante à ameaça, a sanção cominada é de detenção, de um a seis meses, ou multa; consubstancia, portanto, delito de pequeno potencial ofensivo. Esta infração não foge à característica fundamental dos crimes contra a liberdade pessoal, ou seja, são eminentemente subsidários. Com efeito, há diversas infrações penais que contêm a ameaça como um dos meios executórios possíveis, dentre as quais a coação no curso do processo. O discrimen se dá pelo exame da finalidade especial a que se dirige a conduta do agente.

3. No caso em tela, como bem asseverou o Douto Suscitante, não se vislumbrou na atitude do sujeito qualquer escopo de favorecer interesse próprio ou alheio em processo judicial (policial, administrativo ou juízo arbitral). Isto porque os fatos se deram após audiência de conciliação realizada perante o Juizado Especial Cível, extinta pelo não comparecimento do autor.

Conclusão: conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição para oficiar no feito compete à Douta Suscitada.

 

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado visando à apuração da prática, em tese, do crime de ameaça (CP, art. 147) cometido, em tese, por (...) em face de (...).

A Douta Promotora de Justiça oficiante junto ao Juizado Especial, entendendo configurado o delito de coação no curso do processo (CP, art. 344), postulou o encaminhamento do feito ao MM. Juízo Comum (fl. 48).

O Ilustre Representante Ministerial que o recebeu, discordando do posicionamento de sua antecessora, por não vislumbrar presente o elemento subjetivo específico da infração contra a administração da Justiça, requereu fosse suscitado conflito de competência (fls. 57/58), pleito este deferido (fls. 59/60).

A Colenda Câmara Especial do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão relatado pelo Eminente Desembargador CAMARGO ARANHA FILHO, não conheceu do incidente, remetendo a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 74/80).

É a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que se encontra devidamente configurado o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça, como explanado pela Augusta Corte Bandeirante.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

Em que pesem as ponderações da Ilustre Suscitada, a razão se encontra com o Douto Suscitante.

Segundo se apurou, no dia 31 de maio de 2011, durante audiência de tentativa de conciliação realizada perante o MM. Juizado Especial Cível da Comarca de Praia Grande, (...) se alterou, abandonando o ato e dizendo à vítima: “você vai se ver comigo de qualquer jeito”.

No dia seguinte, se dirigiu à pessoa jurídica onde ela se encontrava, gritando, descontrolado, que ali entraria de qualquer maneira, quebrando o interfone, mas (...), sozinha no local, não o atendeu.

Posteriormente, o sujeito passivo se retratou da representação inicialmente ofertada, acreditando que o investigado, na verdade, queria receber determinado valor, entendendo ter direito ao montante (fl. 33).

A demanda ajuizada por (...), em face de seu abandono, foi julgada extinta (fl. 46).

A divergência surgida neste procedimento, consoante se antecipou, reside em definir se houve crime de coação no curso do processo (CP, art. 344) ou ameaça (CP, art. 147), infração de menor potencial ofensivo.

O delito contra a administração da Justiça consiste em:

 

“Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral”

 

O fato é apenado com reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência, motivo por que não se insere na estrita competência do Juizado Especial Criminal.

Tal infração visa à tutela da integridade física e psíquica da autoridade, parte ou pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo ou em juízo arbitral.

A conduta típica consiste em usar (utilizar-se de) violência ou grave ameaça, visando favorecer interesse (moral ou material) próprio ou de terceiro, contra autoridade (magistrado, membro do Ministério Público, delegado de polícia, etc.), parte (p. ex., autor, réu, reclamante, reclamado, querelante, querelado, assistente de acusação) ou qualquer pessoa que funciona ou é chamada a intervir (p. ex., jurado, perito, testemunha, vítima, etc.) em processo judicial (de qualquer natureza: civil, trabalhista ou penal), policial ou administrativo, ou em juízo arbitral.

Pode-se citar como exemplo o ato do acusado que profere ameaças e promessas de vingança contra juiz durante audiência ou, ainda, o parente do réu que intimida as testemunhas convocadas a depor pela acusação, com o fim de se retratarem.

São meios executórios: a) violência contra a pessoa (vias de fato, lesão corporal ou morte); b) grave ameaça (promessa séria de inflição de mal grave, justo ou injusto).

O elemento subjetivo é o dolo (elemento genérico) e abarca a vontade e a consciência de usar de violência ou grave ameaça contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral.

Há, ainda, elemento subjetivo específico, consistente no escopo de favorecer interesse pessoal ou de outrem. Pouco importa, deve-se frisar, a natureza do interesse que se busca privilegiar.

No tocante à ameaça, dá-se tal crimen quando o agente:

 

“Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave”

 

A sanção cominada é de detenção, de um a seis meses, ou multa; consubstancia, portanto, delito de pequeno potencial ofensivo.

A ameaça não foge à característica fundamental dos crimes contra a liberdade pessoal, ou seja, são eminentemente subsidários. Com efeito, há diversas infrações penais que contêm a ameaça como um dos meios executórios possíveis, dentre as quais a coação no curso do processo.

O discrimen se dá pelo exame da finalidade especial a que se dirige a conduta do agente.

No caso em tela, como bem asseverou o Douto Suscitante, o feito cível, aliás ajuizado por ele, estava fadado à extinção, que efetivamente se concretizou no dia seguinte.

Não buscava o averiguado, destarte, favorecer interesse próprio ou alheio em processo judicial, policial, administrativo ou juízo arbitral.

Não se pode, ademais, presumir esta intenção, sobretudo quando sequer o próprio sujeito passivo a indicou.

Em nosso modo de ver, desta feita, subsiste apenas o delito subsidiário ou famulativo.

 

Conclusão

Diante do exposto, conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, declarando-se que a responsabilidade para oficiar no feito incumbe à Douta Suscitada.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designo outro representante ministerial para atuar no procedimento, caso a digna subscritora da manifestação de fl. 48 ainda se encontre no exercício do cargo.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático, se necessário.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 06 de fevereiro de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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