Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 0093128/2015 (43.0444.0001579/2015-5)

Suscitante: 3º Promotor de Justiça de São Vicente (Consumidor)

Suscitado: 15º Promotor de Justiça de Santos (Consumidor)

 

 

Ementa:

 

1)      Conflito negativo de atribuições. 3º Promotor de Justiça de São Vicente (suscitante) e 15º Promotor de Justiça de Santos (suscitado). Procedimento instaurado para apurar eventual ocorrência de danos aos consumidores adquirentes de veículos da marca Ford em decorrência do encerramento das atividades da concessionária Costa Sul na cidade de São Vicente.

2)      Existência de inquérito civil já instaurado para apuração de fato idêntico em relação ao fechamento de concessionárias do mesmo grupo na cidade de Santos. Dano localizado. Dano local que pode compreender mais de uma comarca, ou algumas de determinada região do interior do Estado, fazendo prevalecer a competência de um dos foros do local do dano, por prevenção. Aplicação, por analogia, com relação à fixação de atribuições do MP.

3)      Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento do 15º Promotor de Justiça de Santos (suscitado).

 

 

1)  Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 3º Promotor de Justiça de São Vicente, e como suscitado o DD. 15º Promotor de Justiça de Santos, ambos com atuação na área do Consumidor.

O procedimento foi instaurado para apurar eventual ocorrência de danos aos consumidores que em virtude do repentino fechamento da Costa Azul, concessionária Ford, em São Vicente.

A representação, inicialmente, foi encaminhada ao 15º Promotor de Justiça de Santos (suscitado), que a remeteu à Promotoria de Justiça do Consumidor de São Vicente, por entender que se trata do foro do local do dano.

O suscitante, DD. 3º Promotor de Justiça de São Vicente, ao verificar existência de inquérito civil instaurado pelo 15º Promotor de Justiça de Santos (suscitado), para apuração do mesmo fato em relação às concessionárias instaladas na cidade de Santos, provocou a instauração do conflito (fls. 55/61), salientando, em suma, que “a empresa de nome fantasia ‘Costa Azul’ mantinha, com exclusividade, concessionárias da marca ‘Ford’ na Baixada Santista, tendo repentinamente encerrado suas atividades fechando todas suas lojas na região. Assim, considerando que as empresas investigadas localizadas nas cidades de São Vicente e Santos são as mesmas, sendo também idêntico o fato a ser investigado (encerramento das atividades sem aviso prévio aos consumidores), a solução a ser dada há de ser a mesma, sendo imperiosa a reunião de ambas as investigações, a fim de que sejam evitadas decisões conflitantes. Afirma caber a apuração ao 15º Promotor de Justiça de Santos em razão da prevenção.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado e deve ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço.

Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Na hipótese em análise, estando nitidamente evidenciado que o eventual dano ao consumidor está localizado em comarcas vizinhas, de cidades conturbadas, integrantes de região metropolitana, deve ser aplicada a regra de competência prevista no art. 2º da Lei da Ação Civil Pública e então a norma prevista no art. 93, I, do Código de Defesa do Consumidor.

A interpretação das regras de competência, nessa matéria, não pode ser, com a devida vênia com relação a entendimento diverso, meramente gramatical, mas sim teleológica.

Os critérios utilizados pelo legislador, definindo a competência do foro do local do dano ou da Capital do Estado, conforme a situação tenha dimensão local, regional ou nacional, consideram a probabilidade de maior eficiência do processo coletivo na coleta de provas e, consequentemente, o contato direto do órgão jurisdicional com os fatos.

Isso nos leva a propender no sentido de que nem mesmo o fato de estarem abrangidos, em casos concretos, alguns Municípios de certa região do interior do Estado ou de Estados diferentes, seria suficiente à configuração da dimensão estadual ou nacional do dano ou risco aferido, de sorte a deslocar a competência para o foro da Capital.

Não fosse assim, chegar-se-ia a um resultado que certamente não foi o desejado pelo legislador, qual seja estabelecer como juízo competente aquele que está dissociado, até mesmo fisicamente, do contexto da situação de dano ou risco e da coleta da prova em eventual ação judicial.

Embora a lei não tenha estabelecido, de modo objetivo, quantos municípios ou comarcas devem ser alcançados a fim de que seja possível afirmar que o dano ou risco é regional ou nacional, é possível aduzir que só nos casos em que a situação investigada tenha razoável potencial para efetivamente se espraiar por todo o Estado ou por amplas regiões do território nacional, é que deve ser aplicada a regra de competência do art. 93, II, do Código do Consumidor.

Nesse contexto, havendo possibilidade de dano apenas para algumas comarcas de determinada região do interior do Estado, ou mesmo algumas comarcas de Estados diferentes, mostra-se mais compatível com o sistema normativo, a interpretação segundo a qual qualquer uma das comarcas alcançadas caracteriza-se como foro competente, definindo-se concretamente qual delas será chamada a atuar pela aplicação da regra da prevenção, decorrente do art. 2º, parágrafo único da Lei da Ação Civil Pública.

E tal raciocínio deve ser aplicado, por analogia, para identificar o órgão ministerial encarregado de oficiar em certa investigação.

Em outras palavras, todos os órgãos de execução do Ministério Público situados em comarcas alcançadas por dano ou risco que se projeta sobre algumas cidades têm, em tese, atribuições para investigar a hipótese, mas deverá efetivamente prosseguir na apuração o que estiver prevento, em razão do anterior contato com a investigação, através de representação, procedimento preparatório ou inquérito civil.

Por todas essas razões a apuração do fato deverá ocorreu em conjunto com o inquérito civil já instaurado para apuração dos fatos ocorridos na cidade de Santos, pelo DD. 15º Promotor de Justiça de Santos (fls. 48/53)

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 15º Promotor de Justiça de Santos, a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

São Paulo, 17 de julho de 2015.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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