Conflito Negativo de Atribuição

 

Protocolado n.º 96.987/09

Inquérito Policial n.º 594/07 – MM. Juízo da 2.ª Vara Distrital de Ferraz de Vasconcelos

Suscitante: Promotoria de Justiça Ferraz de Vasconcelos

Suscitada: 4.ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital

Assunto: foro competente para apuração de crime de receptação (CP, art. 180)

 

 

EMENTA: Conflito negativo de atribuição. Crime de receptação (CP, art. 180, caput). Divergência entre Promotores de Justiça acerca da competência ratione loci. Agente que adquiriu o veículo num território e o conduziu a outro, onde fora preso em flagrante. Modalidade de crime permanente, cuja consumação atingiu mais de um foro. CPP, art. 71. Critério da prevenção. Atribuição ministerial vinculada ao local em que o feito foi instaurado.

1.      Na hipótese vertente, o indiciado foi surpreendido por policiais militares ao volante de automóvel produto de estelionato. Ao ser ouvido no auto de prisão em flagrante, admitiu que adquirira o bem, duas semanas antes, na Capital.

2.      O crime de receptação em tese praticado consumou-se na Comarca da Capital, persistindo sua fase consumativa durante todo o período em que o agente o conduziu e o ocultou. Significa dizer que se trata de delito permanente, motivo por que tem aplicação à espécie o disposto no art. 71 do CPP: “Tratando-se de infração continuada ou permanente, praticada em território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção”. Precedentes jurisprudenciais.

3.      O juízo prevento é aquele que se antecipou aos demais na prática de algum ato ou medida relativa ao processo, ou seja, a Vara Judicial de Ferraz de Vasconcelos.

Solução: conflito dirimido para declarar que a atribuição de oficiar nos autos incumbe ao Ilustre Suscitante.

 

Cuida-se o presente feito de conflito negativo de atribuição entre os Promotores de Justiça em exercício em Ferraz de Vasconcelos e na Capital, que divergem acerca do foro competente para apuração de crime patrimonial.

É o relatório.

O inquérito policial foi instaurado a partir de auto de prisão em flagrante, visando apurar delito de receptação (CP, art. 180), que teria sido perpetrado por (...).

Conforme consta dos autos, no dia 27 de novembro de 2007, por volta das 19 horas, o increpado foi surpreendido na condução de veículo automotor, o qual era produto de estelionato, conforme verificaram os milicianos responsáveis pela abordagem.

Segundo se nota, ademais, o automóvel fora adquirido pelo agente, duas semanas antes, no centro de São Paulo.

Pois bem. Os elementos de prova acima sintetizados indicam a ocorrência, pelo menos, do crime de receptação dolosa simples, cuja consumação perpassou os territórios da Capital (lugar da aquisição da res) e de Ferraz de Vasconcelos (local da condução do objeto).

De aplicar-se à espécie, portanto, o disposto no art. 71 do CPP, vez que se trata de crime permanente.

De acordo com o dispositivo legal indicado, em matéria de delitos permanentes, cuja consumação atingiu mais de um foro, firma-se a competência territorial pela prevenção.

In casu, o juízo prevento, nos termos do art. 83 do CPP, é, sem dúvida, aquele em que atua o Douto Suscitante, ou seja, Ferraz de Vasconcelos. Nesse sentido:                 

 

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL. RECEPTAÇÃO, NA MODALIDADE CONDUZIR OU TRANSPORTAR (CAMINHÃO), E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. CRIMES PERMANENTES COMETIDOS EM MAIS DE UM ESTADO DA FEDERAÇÃO. FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA PELA PREVENÇÃO. ART. 78, II, C, C/C 83 DO CPP. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO.

1.   Na hipótese, o crime de receptação, praticado na modalidade de conduzir ou transportar o bem subtraído do seu proprietário, no caso, um caminhão, adquirindo assim a qualidade de permanente, e o de quadrilha (que já detém essa característica) ocorreram em mais de um Estado da Federação. Nesses casos, havendo Magistrados de igual jurisdição e não sendo possível escolher pela gravidade do crime ou pelo número de infrações, a competência deve ser fixada pela prevenção. Precedentes do STJ.

2.   Conhece-se do conflito, para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara Criminal de Inquéritos Policiais de Belo Horizonte/MG, o suscitado”.

(STJ, CC 88617, rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJU de 10.03.2008, p. 1).

 

De ver, ainda, o seguinte julgado, sufragando a mesma tese:

 

CONFLITO NEGATIVO - Formação de quadrilha: roubos e recepção de carga - Crimes ocorridos em diversas Comarcas - Interceptação telefônica que culminou na identificação e prisão de alguns dos acusados – Ordem emanada pelo Juízo de São Pedro - Prisão ocorrida em Piracicaba - Crime permanente - Hipótese em que deve ser reconhecia a prevenção do Juízo que primeiro atuou no processo - Aplicação dos artigos 71 e 83 do Código de Processo Penal - Conflito procedente - Competência do Juízo suscitante.

(TJSP, Câmara Especial, CONFLITO DE JURISDIÇÃO n. 151.925-0/9-00, da Comarca de SÃO PEDRO, rel. Des. Maria Olivia Alves, j. em 29/10/2007).

 

Diante do exposto, dirimo o presente conflito para declarar que a atribuição de oficiar nos autos incumbe ao Ilustre Promotor de Justiça de Ferraz da Vasconcelos.

A designação de outro Representante Ministerial, na hipótese vertente, afigura-se desnecessária, haja vista não se vislumbrar qualquer menoscabo ao princípio da independência funcional.

Como bem pondera PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN, examinando conflitos de atribuição:

“a exclusão de ambos (os Promotores de Justiça em litígio) só pode se dar em caráter excepcional, porque essa modalidade de controvérsia pressupõe, de ordinário, que a atuação caiba a uma das autoridades em dissídio. (...). É evidente que a livre convicção do promotor natural deve ser preservada, mas não ao custo de subtrair-lhe o caso em que lhe cabe atuar, pois o dever de agir, que porventura tenha, é irrenunciável, intransferível e insuscetível de ser eliminado por interpretação unilateral do órgão ao qual toca satisfazê-lo. (...). Somente há incompatibilidade com o desempenho funcional – e, portanto, inconveniência para a sociedade – se o pronunciamento anterior, na sua essência, traduz uma promoção de arquivamento ou envolve uma antecipada afirmação de que a demanda é inviável” (REGIME JURÍDICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO PENAL. São Paulo: Editora Verbatim, 2009. pág. 155); parêntese nosso.

 

Publique-se a ementa. Cumpra-se.

 

São Paulo, 12 de agosto de 2009.

 

 

 

                        Fernando Grella Vieira

                        Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

/aeal