Aviso n. 109/2018-PGJ, de 19 de março de 2018. O Procurador-Geral de Justiça, em exercício, AVISA aos membros do Ministério Público do Estado de São Paulo, o teor da nota técnica nº 38 elaborada pelo Centro de Apoio Operacional Cível do Ministério Público do Estado de São Paulo relativa ao Projeto de Lei nº 394/2017 : Nota Técnica n. 38/2018 : Projeto de Lei do Senado Federal nº 394, de 2017. Proposta de criação do “Estatuto da Adoção”, com o escopo de aperfeiçoar o sistema no ordenamento jurídico nacional. 1. Trata-se de expediente instaurado no âmbito do Centro de Apoio Cível, subárea da Infância e Juventude, para analisar a minuta de projeto de lei que tem por escopo alterar a sistemática da adoção no ordenamento jurídico pátrio. É dos autos que o nobre Senador Randolfe Rodrigues, do partido “Rede” de Amapá, esgrimou sugestões de aperfeiçoamento das regras versando sobre a adoção no país. Nesse contexto é que o Dr. Luís Roberto Jordão Wakim, Promotor de Justiça de Barueri, solicitou a este subscritor um posicionamento formal acerca da proposição em testilha, o que gerou a presente análise. Estes são os breves apontamentos que, a título de apertada síntese, são necessários para os fins da presente manifestação. 2. Inicialmente, já adentrando na questão de fundo submetida a estudo, deve ser destacada a louvável iniciativa do nobre Senador em buscar o aperfeiçoamento do processo de adoção. Realmente há fragilidades dos mais variados tons, porém elas, em grande parte, não guardam relação direta com eventual déficit legislativo, mas sim executivo. Com efeito, o volume de processos envolvendo crianças e adolescentes nos Juízos da Infância e Juventude em todo o país é gigante. Além disso, em questões dessa natureza, é por demais árdua a definição da prioridade: não se pode, por exemplo, concluir que uma ação de adoção mereça trâmite mais célere do que uma ação em que uma criança requer do Poder Público o fornecimento de um medicamento vital à sua sobrevivência. A previsão de um tempo limite para a realização de perícias, estudos e até para o encerramento do processo, portanto, como tem acontecido em várias propostas legislativas, é vazia de conteúdo prático concretizável na exata medida em que não supera a falta de destinação de verbas para a criação e para a correta adequação das Varas e Promotorias. A estipulação de preferência de uma ação em relação a outras, igualmente, deixa à margem do debate os pontos de estrangulamento fáticos que realmente obstaculizam o trabalho eficaz. São vários os artigos do projeto em comento que assim se posicionam. “Art. 25. Apresentando-se algum integrante da família extensa com interesse em assumir a guarda da criança ou de adolescente, a equipe interdisciplinar da Justiça da Criança e Adolescente ou do serviço de acolhimento institucional realizará estudo psicológico e social, no prazo de 15 (quinze) dias” (grifo não constante do original). “Art. 26. Reconhecida a impossibilidade de retorno ao núcleo familiar ou encaminhamento à família extensa, em prazo não superior a 30 (trinta) dias, a equipe interdisciplinar da Justiça da Criança e Adolescente ou do serviço de acolhimento institucional deve enviar relatório fundamentado à autoridade judicial, que suspenderá a autoridade parental, encaminhando a criança ou o adolescente a quem esteja habilitado a adotar aquele perfil”. Parágrafo único. Dentro do prazo de 15 (quinze) dias, o Ministério Público ou quem tenha legítimo interesse promoverá ação de destituição da autoridade parental, que pode ser cumulada com pedido de adoção” (grifo não constante do original). “Art. 52. Quando a mãe indicar o nome e o endereço do genitor, será ele intimado para, em 5 (cinco) dias, reconhecer a paternidade ou concordar com a entrega do filho à adoção. § 1º Reconhecida a paternidade e manifestando o genitor o desejo de assumir a guarda do filho, equipe interdisciplinar da Justiça da Criança e Adolescente ou das casas de acolhimento familiar ou institucional, em até quinze dias, apresentará relatório indicando se o genitor tem condições de exercer a autoridade parental ou a guarda. § 2º Entregue o filho ao genitor, haverá acompanhamento familiar, pelo prazo de noventa dias, pela equipe interdisciplinar da Justiça da Criança e do Adolescente ou do serviço de acolhimento institucional ou dos Grupos de Apoio à Adoção. § 3º Indicando a mãe a pessoa a quem deseja entregar o filho em adoção, equipe interdisciplinar Justiça da Criança e Adolescente ou dos programas de acolhimento familiar ou institucional, em até 15 (quinze) dias, apresentará relatório comprovando a presença ou não das condições necessárias à adoção. §4º Concedida a guarda, mediante termo de responsabilidade, haverá acompanhamento familiar, pelo prazo de noventa dias, pela equipe interdisciplinar da Justiça da Criança e Adolescente ou do serviço de acolhimento institucional ou dos Grupos de Apoio à Adoção. § 5º Não havendo a indicação do genitor ou de pessoa a quem deseje a genitora que o filho seja entregue à adoção, a autoridade jurisdicional decreta a perda da autoridade parental, nos termos do art. 1.638, inciso V, do Código Civil, determinando a colocação da criança ou do adolescente sob a guarda provisória de quem estiver habilitado a adotar aquele perfil. § 6º Decorrido o período de convivência estabelecido pela autoridade judiciária, apresentado laudo favorável pela equipe interdisciplinar, os adotantes deverão propor a ação de adoção, no prazo de 15 (quinze) dias”. “Art. 99. O prazo para a conclusão da habilitação de pretendentes à adoção é de, no máximo, seis meses (grifo não constante do original). “Art. 110. O prazo máximo para a conclusão da habilitação do pretendente residente no exterior para adoção de criança brasileira será de 120 (cento e vinte) dias, prorrogáveis por mais 60 (sessenta dias), mediante decisão fundamentada pela autoridade judiciária. Parágrafo único. Terão prioridade de tramitação os processos de habilitação à adoção em que os pretendentes residentes no exterior se disponham a adotar: I - criança ou adolescente com deficiência, doença crônica, ou com necessidades específicas de saúde; II - criança com mais de 8 anos de idade, ou adolescente; III - grupo de irmãos” (grifo não constante do original). “Art. 150. É assegurada, sob pena de responsabilidade, prioridade absoluta na tramitação das demandas previstas nesta Lei, bem como na execução dos atos e diligências judiciais e extrajudiciais a elas referentes” (grifo não constante do original). “Art. 160. Nos procedimentos de adoção e de destituição de autoridade parental, os recursos serão processados com prioridade absoluta, devendo ser imediatamente distribuídos” (grifo não constante do original). “Art. 161. O relator deverá pautar o julgamento no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contado da conclusão. Parágrafo único. O Ministério Público, se entender necessário, pode apresentar oralmente seu parecer” (grifo não constante do original). “Art. 175. Proposta a ação de adoção, a autoridade judiciária determinará a realização de estudo psicológico e social pela equipe interdisciplinar da Justiça da Criança e do Adolescente ou do serviço de acolhimento institucional. § 1º O laudo deve ser apresentado no prazo de 30 (trinta) dias” (grifo não constante do original). “Art. 176. Têm prioridade de tramitação os processos de adoção em que o adotando for criança ou adolescente com deficiência, doença crônica ou necessidades específicas de saúde” (grifo não constante do original). “Art. 178. O prazo máximo para conclusão do processo de adoção é de 120 (cento e vinte) dias, prorrogáveis por igual período e uma única vez, mediante justificativa fundamentada da autoridade judiciária” (grifo não constante do original). “Art. 179. Havendo a concordância dos pais de entregarem o filho a uma família específica e determinada, a ação de adoção será cumulada com a ação desconstitutiva da parentalidade. § 1º A autoridade judiciária designará audiência, no prazo máximo de 15 (quinze) dias, oportunidade em que colherá o depoimento de todos, na presença do Ministério Público, dos advogados das partes ou, em caso de hipossuficiência, da Defensoria Pública” (grifo não constante do original). Não se deve deslembrar que muitas varas no Brasil – a maioria – são cumulativas e, por isso, há prioridade no andamento de ações que envolvam réus presos, pessoas idosas, mandados de segurança, habeas corpus, pessoas com deficiência. Nesse panorama, em que cada lei atribui uma nova prioridade, nem mesmo os juízes sabem exatamente a qual expediente devem conferir maior celeridade. Abstraindo-se as ações de adoção e refletindo especificamente sobre as ações de destituição do poder familiar, o volume também não é reduzido. Embora tal não seja uma regra absoluta, pode-se estabelecer que, para cada criança acolhida, há uma ação de destituição respectiva. Considerando que o número de crianças em entidades de acolhimento é superior a trinta mil, há, portanto, mais de trinta mil ações propostas no Brasil. Nestes processos há grande dificuldade para completar o ciclo citatório, tendo em vista que muitas vezes os pais estão em local incerto e não sabido. O tempo necessário para se obter o trânsito em julgado é enorme (chegando, por vezes, a uma década), uma vez que a sistemática recursal brasileira contempla reclamações até os Tribunais Superiores. Essas são apenas as fragilidades processuais: talvez a mais grave falha seja a limitação de pessoal. Não há equipe técnica suficiente para realizar todos os exames psicossociais, imprescindíveis para que o juiz conclua se o caso é de recolocação na família natural, de inserção em família extensa ou de acionamento dos casais inscritos no cadastro de adotantes. É comum que processos dessa espécie aguardem por meses a elaboração de um relatório conclusivo. Esse período é extremamente prejudicial aos acolhidos. A estrutura é deficitária. Não menos relevante é a falta de preparo dos profissionais já existentes. No dia a dia forense é comum perceber que uma gama enorme de técnicos elabora seus relatórios com base em concepções preconcebidas sobre o que seria uma “família funcional” ou “uma educação adequada”. A falta de capacitação inicial e de aprimoramento contínuo pelos Tribunais impede a abstração dos preconceitos por estes funcionários e, ao final, têm-se pareceres propondo a colocação em família substituta simplesmente porque o subscritor da nota não concorda com a educação dispensada pelos genitores ao filho/filha. Tudo isso sem mencionar a falta de Juízes e, consequentemente, de Promotores de Justiça para dar conta de todo o espectro de atribuições. Com essa breve exposição, pretende-se apenas demonstrar que há grandes desafios a serem enfrentados. É de rigor que a nova legislação que vier a ser aprovada contemple meios para assegurar a superação também dos vícios de ordem executiva, e não apenas aqueles legislativos. E, para tanto, não basta prever que haja a destinação orçamentária para um determinado fim, sendo imperioso conceber um mecanismo em que essa prática seja cogente, não meramente facultativa. 3. Em outra vertente interpretativa, a proposta, data maxima venia, peca por atentar contra princípios da infância e juventude há longa data consolidados. Tanto é assim que o projeto desvincula a adoção do Estatuto da Criança e do Adolescente, propondo uma nova legislação “autônoma”, submetida a princípios e regras próprias que, apenas aparentemente, repetiriam as disposições da Lei nº 8069/90. Há uma separação de toda a sistemática da garantia da convivência familiar e comunitária e uma nítida redução de direitos. De fato, crianças e adolescentes, por décadas, foram vistos como objetos do Direito, não detentores das mesmas garantias outorgadas aos adultos. Considerados, tanto pela legislação de 1927 como pela de 1979, apenas pela característica do desvio, eram tidos como abandonados, expostos, vadios e delinquentes e, assim, em “situação irregular”. A identificação dessa condição, descrita no artigo 2º do “Código de Menores”, impunha o afastamento da família e a institucionalização do “menor” em locais próprios para o acolhimento e a criação. O Código de 1979 (Lei n° 6697/79) também admitia a delegação do poder familiar dos pais a terceiros ou a uma instituição para que o menor não ficasse em “situação irregular” (artigo 21). Uma dessas situações era o “desvio de conduta em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária” (art. 2, V). Ao admitir o abrigamento em casos tais, o Estado reconhecia que o seu papel não era o de conferir ferramentas para a reorganização da situação de vulnerabilidade e de rompimento de vínculos familiares. De forma simplista, a saída era retirar o menor do seu núcleo familiar e inseri-lo em entidades de acolhimento, ainda que a vulnerabilidade decorresse apenas de carência de recursos financeiros. O Código de 1927 (Decreto n. 17.943-A/1927) chegava ao absurdo de conceituar como “menores vadios” aqueles que “vivem na casa dos pais ou tutor ou guarda, porém se mostram refratários a receber instrução ou entregar-se a trabalho sério e útil, vagando habitualmente pelas ruas e logradouros públicos” (artigo 28), caso em que se sujeitariam ao “depósito em local conveniente”. Essa visão jurídica coincidiu com a situação social da época. A família sempre foi vista como o centro humanizador e socializador da criança e do adolescente, mas a dificuldade de concretização dos seus interesses mais básicos, seja pela falta de recursos financeiros, seja pela ausência de ferramentas sociais de suporte adequados, fez com que ela perdesse parte de sua reputação, passando a ser apresentada como um núcleo incapaz de formar as crianças e adolescentes. Por isso é que o Estado passou a desenvolver uma visão paternalista, de substituição do núcleo familiar, o que culminou com a política primária de abrigamento em instituições próprias. Foi nesse contexto que surgiram os Códigos de Menores. Felizmente, uma nova visão social emergiu. O aprofundamento das desigualdades sociais, com todas as suas conseqüências, levou à revisão dos paradigmas assistenciais cristalizados na sociedade. O movimento legislativo acompanhou essa transformação. A Constituição de 1988 outorgou às crianças e adolescentes a qualidade de “pessoas em desenvolvimento”, assegurando-lhes a proteção integral e a absoluta prioridade ao gozo de seus direitos fundamentais. O Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, apoiado na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, consolidou o entendimento: com sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, como emissária da herança cultural e social de seu povo, da sua família e da espécie humana, as crianças e adolescentes tiveram o reconhecimento de necessidades específicas, contando com a proteção integral da família, da sociedade e do Estado, com absoluta prioridade. Sem dúvida, a mudança mais importante operada pelo Estatuto foi a substituição da premissa do tratamento de crianças e adolescentes: passaram de objeto para sujeitos plenos de direito. A qualificação de “sujeitos” traduz o reconhecimento de que são pessoas autônomas e íntegras, dotadas de personalidade e vontade próprias. Na relação com os adultos, não podem ser tratados como seres passivos, subalternos ou mero objeto, devendo participar ativamente das decisões que lhes dizem respeito, sendo ouvidos e considerados em conformidade com suas capacidades e grau de desenvolvimento. Houve a passagem de uma concepção tutelar para outra, fundada na garantia universal de direitos, tanto individuais como sociais, econômicos e culturais. Essa transformação de paradigma foi fundamental porque o desenvolvimento da criança e do adolescente caracteriza-se por intrincados processos biológicos, psicoafetivos, cognitivos e sociais que exigem, do ambiente que os cerca, do ponto de vista material e humano, uma série de condições, respostas e contrapartidas para realizar-se a contento. Em que pesem essas conquistas, o projeto de lei, em vários momentos, resgata a visão de “Objetos de Direito” das crianças e adolescentes. No artigo 21, por exemplo, há a disposição de que a criança vítima de violência ou abuso sexual deve ser afastada do convívio familiar e submetida ao acolhimento institucional. Note-se que ela perderá a convivência com a família, com a comunidade e com todas as suas raízes por ter sido vítima de um crime sexual. Vale dizer, ela será apenada duas vezes. In verbis: “Art. 21. Sem prejuízo das medidas emergenciais para a proteção de vítimas de violência ou abuso sexual, e das providências a que alude o art. 130 do ECA, comprovados negligência, maus tratos ou qualquer tipo de abuso, proceder-se-á ao imediato afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar e seu encaminhamento a acolhimento familiar ou institucional”. Embora queira transparecer a ideia de que a criança será protegida, na verdade ela será mais uma violentada, agora psicologicamente. Nesse caso, a medida mais salutar é o afastamento do agressor do lar comum, e não a criança. Ao preservar os interesses do maior em prejuízo daquela, a qualidade de “sujeito” de direitos perde expressão. O artigo 23, § 1º, expressa outro caso explícito de desrespeito aos direitos da criança e do adolescente. “Art. 23. Crianças e adolescentes recolhidos sem pais conhecidos serão encaminhados a acolhimento familiar ou institucional. §1º Caso a criança ou o adolescente recolhido não seja reclamado pelo núcleo familiar ou pela família extensa, no prazo de 15 (quinze) dias, será entregue à guarda de quem está habilitado à adoção daquele perfil. § 2º Decorrido o período de convivência, e após o laudo favorável da equipe interdisciplinar, os guardiões dispõem do prazo de 15 (quinze) dias para propor a ação de adoção”. Uma criança, quando acolhida, será inserida em família substituta se a família natural ou extensa “não a reclamar” em quinze dias. Mais uma vez, fica nítida a proteção ao interesse da família em detrimento ao da criança. Ela – a família - é quem pode “reclamar” a pessoa acolhida. O direito é seu. Caso tal não ocorra, haverá a inserção da criança em outro núcleo familiar, sob a forma de guarda. As condições psíquicas da criança não são consideradas. Em nenhum momento se avalia se há vínculos fortes com a família extensa que, às vezes por ignorância, outras por mera dificuldade financeira, opta por não procurá-la. Não se luta para reconstruir a criticidade do núcleo familiar e para trazê-la à consciência da relevância do seu papel de pais/parentes. A intenção legal é clara: basta que a criança saia da entidade de acolhimento e deixe de fazer parte das estatísticas de “crianças em condições de adoção”, pouco importando se a medida é a melhor para ela, se haverá traumas psíquicos irreversíveis, ou se as deficiências da família natural/extensa podem ser facilmente superadas. O parágrafo 2º do artigo 24 segue a mesma linha interpretativa. “Art. 24. Verificada a possibilidade de reintegração familiar, o responsável pelo programa de acolhimento familiar ou institucional imediatamente comunicará à autoridade judiciária. § 1º Entregue o filho aos pais biológicos, a família receberá acompanhamento, pelo prazo de 90 (noventa) dias, pela equipe interdisciplinar da Justiça da Criança e Adolescente, do serviço de acolhimento institucional, da equipe técnica da municipalidade ou dos Grupos de Apoio à Adoção. § 2º Se a família não aderir aos serviços e programas oficiais de proteção, apoio e promoção, a autoridade judiciária suspenderá a autoridade parental e encaminhará o filho à guarda provisória de quem esteja habilitado a adotar aquele perfil. § 3º Decorrido o período de convivência, os guardiões devem promover ação desconstitutiva da parentalidade, cumulada com pedido de ação de adoção”. A prática forense revela que a adesão imediata aos serviços disponibilizados pela rede é rara. A família está, em regra, em situação de grande vulnerabilidade – tanto é assim que parte de sua prole foi acolhida. O trabalho de reconstruir os vínculos e a consciência das responsabilidades dos detentores do poder familiar é árduo e, em prol da criança, não deve ser abandonado – salvo situações excepcionais. Tal como redigido, o texto mais uma vez gera a impressão de que estará responsabilizando a família pelas suas carências, quando na verdade estará imputando à criança o peso de uma decisão açodada de retirá-la de suas origens e raízes. A centralidade do trabalho nas famílias, uma das máximas da assistência social, deixa de existir. 4. Ainda em sede de desrespeito aos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas abordando aspecto diverso do acima exposto, os artigos 26, parágrafo único, e 162, pecam ao impor a obrigatoriedade de propositura da ação de destituição do poder familiar. Essas previsões, com o devido respeito, apontam o desconhecimento da realidade social nas entidades de acolhimento. “Art. 26. Reconhecida a impossibilidade de retorno ao núcleo familiar ou encaminhamento à família extensa, em prazo não superior a 30 (trinta) dias, a equipe interdisciplinar da Justiça da Criança e Adolescente ou do serviço de acolhimento institucional deve enviar relatório fundamentado à autoridade judicial, que suspenderá a autoridade parental, encaminhando a criança ou o adolescente a quem esteja habilitado a adotar aquele perfil. Parágrafo único. Dentro do prazo de 15 (quinze) dias, o Ministério Público ou quem tenha legítimo interesse promoverá ação de destituição da autoridade parental, que pode ser cumulada com pedido de adoção”. “Art. 162. A ação de perda, suspensão ou extinção da autoridade parental deve ser promovida tão logo constatada a impossibilidade de permanência da criança ou do adolescente junto ao núcleo familiar e desde que não tenha se apresentado alguém da família extensa pleiteando sua guarda”. Destes dispositivos vertem duas obrigações ao Ministério Público: a obrigatoriedade da propositura da ação de destituição e o respeito ao prazo de quinze dias. A propositura da ação, entretanto, não deveria ser obrigatória. Para elucidar o porquê dessa conclusão, traz-se à tona, a essa manifestação, trechos de parecer anteriormente elaborado pelo Centro de Apoio Cível do Ministério Público do Estado de São Paulo, tecido diante da determinação do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo de que os juízes encaminhassem os autos ao dd. Procurador-Geral de Justiça todas as vezes em que o Promotor de Justiça não propusesse a ação de destituição. Os destaques em negrito não pertencem ao original, sendo apenas lançados para destacar aspectos fundamentais concernentes à conclusão acima. O art. 227 da Constituição Federal assegurou, expressamente, a toda criança e adolescente o direito à convivência familiar e esta garantia constitucional foi reproduzida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº 8.069/90) que, no art. 19, “caput”, estabeleceu o direito das crianças e dos adolescentes de serem criados e educados no seio da sua família de origem (natural ou extensa – art. 25 do ECA) e, excepcionalmente, em família substituta. A Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 99.710/90, em seu art. 9º, inciso I, dispõe que “Os Estados-partes deverão zelar para que a criança não seja separada dos pais contra a vontade dos mesmos, exceto quando, sujeita à revisão judicial, as autoridades competentes determinarem, em conformidade com a lei e com os procedimentos legais cabíveis, que tal separação é necessária ao interesse maior da criança”. Aliás, um dos princípios que regem a aplicação das medidas de proteção às crianças e adolescentes, segundo art. 100, parágrafo único, inciso X, do ECA, é o da prevalência da família, ou seja, “na promoção de direitos e na proteção da criança e do adolescente deve ser dada prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem na sua família natural ou extensa ou, se isto não for possível, que promovam a sua integração em família substituta” (destaquei). “Destarte, podemos conceituar a convivência familiar como o direito fundamental de toda pessoa humana de viver junto à família de origem, em ambiente de afeto e de cuidado mútuos, configurando-se como um direito vital quando se tratar de pessoa em formação (criança e adolescente). (...) conviver em família e na comunidade é sinônimo de segurança e estabilidade para o desenvolvimento de um ser em formação. O afastamento do núcleo familiar representa grave violação do dieito à vida de um infante. Desta sorte, a convivência em família é, sem dúvida, um porto seguro para a integridade física e emocional de toda criança e todo adolescente. Ser criado e educado junto aos pais biológicos ou adotivos deve representar para o menor de 18 anos estar integrado a um núcleo de amor, respeito e proteção”1. Logo, é inegável que a Lei Federal nº 8.069/90 prima pela manutenção, sempre que possível, da criança e do adolescente junto a sua família de origem, e para que o Ministério Público possa zelar pela aplicação desse direito à convivência familiar e do princípio norteador da aplicação das medidas de proteção acima mencionados, constatando situação de vulnerabilidade por parte da família natural ou extensa, providências visando à melhoria das condições dos responsáveis legais e/ou familiares da criança e/ou adolescente devem ser buscadas e devidamente cobradas da rede protetiva, na qual se insere a entidade de acolhimento. O art. 19, § 3º, do ECA estabelece, por sua vez, que “a manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será esta incluída em programas de orientação e auxílio, nos termos do parágrafo único do art. 23, dos incisos Ia I a IV do caput do art. 101 e dos incisos I a IV do caput do art. 129 desta Lei”. Desta forma, entendo que o(a) Promotor(a) de Justiça deve acompanhar detidamente os relatórios técnicos da entidade de acolhimento, dos órgãos do sistema de garantia de direitos eventualmente acionados (CRAS, CREAS, Conselho Tutelar, CAPS, UBS, escola etc.) e dos técnidos do Juízo, a fim de verificar as providências adotadas para melhoria das condições de vida e pessoal dos responsáveis legais e/ou familiares extensos da criança e/ou adolescente acolhidos, possibilitando formar a sua convicção sobre a necessidade e o momento adequado da propositura da ação de destituição do poder familiar. Nessa análise do material técnico, o(a) Promotor(a) de Justiça pode e deve fazer suas considerações a respeito dos encaminhamentos efetivados pela rede protetiva, sempre com vistas a agilizar o trabalho de proteção à família e à criança e ao adolescente (arts. 101, inciso IV e art. 129, incisos I a IV, ambos do ECA). Ademais, as audiências concentradas, que pela interpretação do art. 19, § 1º, do ECA e pelo Provimento nº 32/13 do CNJ, devem acontecer, pelo menos, uma vez a a cada semestre, são boas oportunidades para que o(a) representante do Ministério Público possa tirar suas dúvidas a respeito dos encaminhamentos efetivados pela rede protetiva e da possibilidade ou não de reintegração familiar. Isso contribui para formar sua convicção sobre a conveniência e oportunidade da propositura da ação de destituição do poder familiar. Não pode o(a) Promotor(a) de Justiça da Infância e Juventude perder de vista que o art. 101, § 1º, do ECA dispõe que o acolhimento institucional da criança e/ou do adolescente, a despeito de ser uma medida de proteção (art. 101, “caput”, inciso VII), é dotada de excepcionalidade e provisoriedade e não se prolongará por mais de 02 (dois) anos, SALVO comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária (art. 19, § 2º - destaquei). Logo, a cada oportunidade de manifestação nos processos de acolhimento institucional, deve o(a) Promotor(a) de Justiça da Infância e Juventude observar o tempo de duração dessa medida de proteção. Deve avaliar esse tempo em conjunto com os relatórios técnicos anexados aos autos e a idade do(a) acolhido(a), a fim de que tenha condições de averiguar se se mostra ou não recomendável a propositura da ação de destituição do poder familiar, uma vez que o direito à convivência familiar, como acima apontado, revela a prevalência da criança e/ou adolescente junto à família de origem, mas, na impossibilidade disso acontecer, tem ela(e) o direito de crescer e ser educado(a) no seio de uma família substituta. Ressalta-se que para a colocação em família substituta por meio da adoção, mostra-se imperioso que os genitores ou responsáveis legais da criança e/ou adolescente tenham, em audiência, perante a autoridade judiciária e na presença do(a) representante do Ministério Público, manifestado expressamente sua concordância (art. 45, § 1º, do ECA). No mesmo sentido, o art. 166, §§ 1º, 2º e 3º, do ECA), que também se aplica à colocação em família substituta por meio da tutela, que também exige a perda ou suspensão do poder familiar, conforme art. 36, parágrafo único, do ECA. Se não houver o consentimento expresso dos pais ou responsáveis legais e não sendo estes falecidos – hipótese em que o poder familiar se extingue automaticamente (art. 1635, inciso I, do Código Civil) - para que as crianças e/ou adolescentes sejam colocados em família substituta por meio da adoção, mostra-se imperiosa a propositura da ação de destituição do poder familiar, com garantia do direito de ampla defesa e contraditório, em face do disposto nos arts. 158 e 159 ambos do ECA. Nessa linha de raciocínio, não podemos deixar de consignar o disposto no art. 101, § 10, do Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo o qual “em sendo constatada a impossibilidade de reintegração da criança ou do adolescente à família de origem, após seu encaminhamento a programas oficiais ou comunitários de orientação, apoio e promoção social, será enviado relatório fundamentado ao Ministério Público, no qual conste a descrição pormenorizada das providências tomadas e a expressa recomendação, subscrita pelos técnicos da entidade ou responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar, para a destituição do poder familiar, ou destituição de tutela ou guarda” (destaquei). Feitas essas considerações preliminares, passemos à análise do Comunicado da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo acima identificado: (...) É importante apontar que o Comunicado nº 1131/14 da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo não impõe a obrigatoriedade da propositura da ação de destituição do poder familiar pelo(a) Promotor(a) de Justiça e nem poderia fazê-lo, porque a legitimidade para tanto é do Ministério Público, que tem independência funcional para posicionar-se, fundamentadamente, sobre a conveniência e oportunidade para propositura da ação judicial referida, zelando, sempre, pelo interesse da criança e do adolescente acima do interesse dos próprios pais, responsáveis legais e/ou familiares extensos. A respeito, mostra-se pertinente fazer as seguintes considerações: a) Conforme já exposto acima, a prioridade sempre deve ser a manutenção da criança e/ou adolescente na família natural ou extensa. Nesse sentido, as entidades de acolhimento têm o dever de diligenciar visando ao restabelecimento e à preservação dos vínculos familiares (art. 97, inciso V, ECA), acionando os programas de apoio à família e aos acolhidos. Dessa forma, havendo possibilidade da criança e/ou adolescente ser(em) reintegrado(s) à família natural ou extensa, de imediato, as entidades e a rede protetiva devem fazer tal comunicação à autoridade judiciária para que as providências sejam tomadas no sentido de acelerar o desacolhimento institucional e a garantia da convivência familiar. “O acolhimento é excepcional e provisório, devendo se reger pelo princípio da brevidade. Por isso, havendo a possibilidade de reintegração familiar, o programa de atendimento, sob pena de responsabilidade (art. 97, § 1º, do ECA), deverá comunicar imediatamente a autoridade judiciária para apreciação, após manifestação pelo Ministéiro Público em cinco dias e decisão em igual prazo. Esta comunicação, portanto, não deve observar a periodicidade de apresentação de relatórios à autoridade judiciária, tal como regulamentado no art. 19, § 1º, do ECA. A lei é clara. A comunicação é imediata e a qualquer tempo”2. b) Não havendo possibilidade de reintegração da criança e/ou adolescente à família natural ou extensa, nos termos do art. 101, § 9º, do ECA, o relatório fundamentado da equipe da rede protetiva que atua no caso, na qual se insere também a entidade de acolhimento, deve ser encaminhado ao MINISTÉRIO PÚBLICO. Com base nele o Parquet irá propor a ação de destituição do poder familiar, de guarda ou de tutela, no prazo de 30 (trinta) dias, de acordo com o art. 101, § 10, do ECA. Aliás, esse mesmo dispositivo legal possibilita ao(à) Promotor(a) de Justiça solicitar estudos complementares ou outras providências que entender indispensáveis ao ajuizamento da demanda, devendo assim se posicionar, como dito acima, de maneira expressa e fundamentada. A legitimidade ativa para a propositura da ação de destituição do poder familiar é concorrente, a exemplo do que dispõe o art. 155 do ECA: “O procedimento para a perda ou a suspensão poder familiar terá início por provocação do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse”. A leitura do art. 206 do ECA aponta a legitimidade concorrente para a propositura da ação de destituição do poder familiar, ao estabelecer que “A criança ou o adolescente, seus pais ou responsável, e qualquer pessoa que tenha legítimo interesse na solução da lide poderão intervir nos procedimentos de que trata esta Lei, através de advogado, o qual será intimado para todos os atos, pessoalmente ou por publicação oficial, respeitado o segredo de justiça” (destaquei). Todavia, embora a legitimidade ativa para a ação de destituição do poder familiar seja concorrente, o(a) Promotor(a) de Justiça é o destinatário do relatório da entidade de acolhimento e/ou da equipe técnica do juízo ou dos demais órgãos do sistema de garantia de direitos, de modo que ele não deve se omitir na avaliação da eventual recomendação de colocação em família substituta da criança acolhida há, no mínimo, 06 (seis) meses, tomando as medidas judiciais que possibilitarão tal medida de proteção. O Manual de Atuação Funcional dos Promotores de Justiça de São Paulo supra mencionado impõe como incumbência “zelar pela efetiva intervenção do Ministério Público nas hipóteses legais”, de modo que não é porque a legitimidade para a propositura da ação de destituição do poder familiar é concorrente, que o disposto no art. 101, § 10, do ECA não deve ser observado. (...) 5) Algumas reflexões sobre a Ação de Destituição do Poder Familiar a) Como dito acima, a ação de destituição do poder familiar é um requisito essencial para a colocação da criança e/ou adolescente em família substituta. Todavia, não podemos perder de vista que, no Brasil, há uma determinada faixa etária de crianças e/ou adolescentes que encontram grande resistência daqueles que pretendem a adoção. Assim, entendemos que a análise da propositura da ação de destituição do poder familiar por parte do(a) Promotor(a) de Justiça deve levar em conta isso também, pois destituir o poder familiar dos genitores sem a menor possibilidade de inserção da criança e/ou adolescente em uma família substituta, será, apenas, contribuir para a tramitação de mais um processo sem que ele venha a ter qualquer utilidade. b) Por outro lado, se porventura a destituição do poder familiar acontecer e não vier acompanhada da colocação da criança e/ou adolescente em família substituta, caso os motivos que desencadearam a perda do poder familiar desaparecerem com o passar do tempo, o direito dos genitores poderá ser restabelecido, segundo alguns doutrinadores. “O restabelecimento do poder familiar, entretanto, deve ser examinado sob duas vertentes: a primeira concretiza-se na perda da autoridade parental com a transferência do poder familiar aos pais adotivos, hipótese na qual a lei expressamente estabelece o término definitivo do vínculo com os pais biológicos, porque extinto também o parentesco; na segunda circunstância, entre os pais destituídos e o filho permanece o parentesco consanguíneo em 1º grau e linha reta, apesar da perda do poder familiar. Desta forma, sendo a relação jurídica entre pais/filho de natureza continuativa, poderá a decisão ser alterada se sobrevier modificação no estado de fato e de direito (art. 471, I, do CPC). Por evidente, se a decisão foi prolatada no sentido da perda do poder familiar, somente por meio de outro pronunciamento judicial de natureza revisional será possível restabelecê-lo. Para tanto, é fundamental que os motivos determinantes da destituição tenham findado e que o filho expresse inequívoca aceitação ao retorno para o convívio dos pais biológicos”3. C) Por fim, consideramos que a propositura da Ação de Destituição do Poder Familiar não significa a perda imediata desse poder familiar. O processo se instala com a garantia da ampla defesa e do contraditório em favor de ambos ou de um dos genitores e, paralelamente, o acolhimento institucional permanece sendo acompanhado em outro processo pelo Juízo, bem como pela rede protetiva e pela entidade em que se encontra(m) o(s) acolhidos(s). Esse acompanhamento poderá indicar melhorias na família natural e/ou extensa, criando espectativas positivas em favor da permanência da criança e/ou adolescente junto aos familiares. Se isso acontecer, nada impede que o(a) Promotor(a) de Justiça peça a suspensão da ação de destituição do poder familiar, com base no art. 265, inciso IV, letra “b”, do Código de Processo Civil, justificando o pedido no fato de haver indícios, baseados nos estudos técnicos apresentados nos autos da ação de acolhimento, de que o poder familiar poderá ser mantido nas mãos dos genitores, de modo que a análise do mérito não poderá ser proferida enquanto não se concluir, na ação de acolhimento ou nos autos de seu acompanhamento, a real condição da família natural ou extensa em permanecer com a criança e/ou adolescente acolhido. Caso a suspensão da ação de destituição do poder familiar seja decretada pelo Juízo, na hipótese da criança e/ou adolescente acolhido ser(em) reintegrado(s) à família natural ou extensa, pode-se, inclusive, solicitar a manutenção da suspensão daquela ação até que se tenha a certeza de que o reacolhimento institucional não acontecerá, observando-se, por óbvio, que a suspensão do processo, nos termos do art. 313, § 4º, do CPC, não pode exceder 01 (um) ano. Tal providência evitará a necessidade de se ingressar com nova ação de destituição do poder familiar, caso a reintegração na família de origem não seja positiva. Aponta-se, também, que a qualquer momento, a ação de destituição do poder familiar poderá ser extinta sem julgamento do mérito, nos moldes do art. 313 do CPC, atentando-se pela regra do § 4º desse dispositivo legal, caso o prazo para resposta dos genitores já tenha decorrido. (...) Por tais razões, conclui-se que a propositura da ação de destituição do poder familiar exige uma profunda reflexão por parte do(a) Promotor(a) de Justiça, que não pode se intimidar com o art. 28 do CPP, lembrando, sempre, que ela deve ser útil para a criança e/ou adolescente e pode, também, representar uma grande aliada para a execução do direito fundamental à convivência familiar da criança e/ou adolescente”. É comum que certas crianças não sejam mais adotadas: pela idade, pela existência de deficiência física ou mental ou mesmo em razão de fragilidades psicológicas. Não se trata de uma falha legislativa ou executiva, mas de uma realidade social identificada na quase totalidade das entidades de acolhimento nacionais. É muito raro existir casais interessados em uma adoção tardia. Em casos tais, a destituição do poder familiar deporá inevitavelmente contra a criança. Caso julgada procedente, ela ficará destituída do poder familiar e sem perspectiva de adoção por terceiros. Vale dizer, a situação, que já era grave – o que inclusive levou ao acolhimento institucional – tornou-se ainda pior quando a criança perdeu os únicos lações de filiação que possuía. É usual, ademais, que algumas das causas que levam à destituição do poder familiar cessem depois de alguns anos. Por isso, por vezes vale a pena deixar de propor a ação de destituição (quando não há perspectiva de adoção por terceiros), aguardando-se que eventual mudança futura venha a ocorrer com relação aos pais negligentes e que, por conseguinte, a criança ou adolescente possa retomar os vínculos rompidos e permanecer com seus familiares. O engessamento da atuação do Ministério Público, impondo um modo objetivo de agir, naturalmente não atende a todas as situações concretas de crianças e adolescentes, justamente porque não é possível elencar, de modo objetivo, as causas das situações de risco. Não há, nessa área, qualquer fórmula matemática apta a solucionar os problemas do dia a dia. Mantendo-se esse raciocínio, destarte, e em última análise, os dispositivos legais ora em análise prejudicarão as crianças e adolescentes sem condições de adoção. 5. Em continuação, o “Estatuto da Adoção” praticamente fulmina o Cadastro de Adotantes ao conferir preferência de adoção aos acolhedores familiares (artigo 36 e 45, § 5º) e aos padrinhos afetivos (artigo 45, §§ 6 e 7º). “Art. 36. Ainda que haja no Cadastro Nacional de Adoção candidato a adotar criança ou adolescente inserido em família acolhedora, reconhecida a vontade da criança ou adolescente de ser adotado por quem a acolheu, comprovada por estudo psicológico e social a constituição de vínculo de afetividade, atendidos os demais requisitos desta Lei, os acolhedores familiares terão preferência para adotá-lo, sendo submetidos aos procedimentos aplicáveis à habilitação para a adoção, nos termos do § 3º deste artigo”. “Art. 45. Crianças e adolescentes que se encontrem em acolhimento familiar ou institucional poderão participar de programas de apadrinhamento afetivo. § 1º O programa de apadrinhamento afetivo é gerenciado pelos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), podendo ser executado pelo Poder Judiciário, por organizações da sociedade civil ou órgãos do Poder Executivo. § 2º Terão prioridade no apadrinhamento a crianças e adolescentes com remota chance de reinserção familiar ou colocação em família adotiva, grupos de irmãos, crianças e adolescentes com deficiência, doença crônica ou necessidades específicas de saúde. § 3º Podem ser padrinhos afetivos pessoas maiores de dezoito anos inscritos ou não nos cadastros de adoção. § 4º O apadrinhamento independe do estado civil do padrinho ou de parentesco com o afilhado. § 5º Ainda que haja no Cadastro Nacional de Adoção candidato a adotar criança ou adolescente inserido na modalidade de apadrinhamento afetivo, reconhecida a vontade da criança ou adolescente de ser adotado por quem a apadrinhou, comprovada por estudo psicológico e social a constituição de vínculo de afetividade, atendidos os demais requisitos desta Lei, os acolhedores familiares terão preferência para adotá-lo, sendo submetidos aos procedimentos aplicáveis à habilitação para a adoção, nos termos do § 8º deste artigo. § 6º Concedida ao padrinho a guarda provisória para fim de adoção, é dispensado o período de convivência, se do início do apadrinhamento já houver decorrido mais de 180 (cento e oitenta) dias. § 7º A partir do pedido de adoção, o padrinho dispõe de legitimidade para participar da ação desconstitutiva da parentalidade que será cumulada com a ação de adoção do seu afilhado. § 8º No curso do procedimento de adoção, o padrinho será submetido a estudo psicológico e social pela equipe interdisciplinar da Justiça da Criança e Adolescente, do serviço de acolhimento institucional, da equipe técnica da municipalidade ou dos Grupos de Apoio à Adoção”. O artigo 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente, modificado pela Lei 12010/09, prevê a obrigatoriedade dos pretendentes à adoção serem devidamente habilitados e cadastrados no cadastro de adoção do foro de seu domicílio. Esse cadastro, fundamentalmente, garante que os pretendentes à adoção possam fazê-lo em igualdade de condições, com respeito a uma ordem de inscrição, protegendo também o adotando, já que os pretendentes apresentam documentos, são avaliados por assistentes sociais e psicólogos e devem frequentar o curso de preparação psicossocial e jurídica promovido pela Vara da Infância e Juventude, nos termos do art. 50, parágrafo 3º. do ECA. Somente após, ouvidos os órgãos técnicos do juizado e o Ministério Público, pode ser deferida a inscrição. Sua observância é cogente e apenas pode ser desconsiderada quando a obediência causar situação tão maléfica ao adotando que a tornaria contrária à finalidade pela qual foi concebida. Ademais, a Resolução nº 08 do Conselho Nacional de Justiça, em seu artigo 1º, recomenda aos juízes, com jurisdição na infância e juventude, que somente concedam a guarda de criança menor de três anos a pessoas ou casais previamente habilitados nos cadastros de adoção, destacando a seriedade do cadastro prévio. Há exceções expressas a autorizar o desrespeito à ordem, consignadas no art. 50, § 13, do ECA: 1. Tratar-se de pedido de adoção unilateral; 2. Pedido formulado entre pessoas com vínculos de parentesco, desde que mantenham com o adotando liame de afinidade e afetividade; 3. Pedido oriundo de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de três anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé. Há inúmeros arestos oriundos dos Tribunais de Justiça dos Estados que reiteram o imprescindível respeito a tal: “Agravo de instrumento. Ação de guarda. Revogação da liminar de guarda provisória de recém-nascida concedida a terceiros. Criança entregue a eles pela mãe biológica, logo após o nascimento, por não ter condições de criá-la. Irregularidade que levou a instauração de medida de proteção da infante. Suspensão do poder familiar e determinação de busca e apreensão da infante. Guarda de fato exercida de forma irregular. Ausência de autorização judicial. Menor em situação de indefinição civil. Inexistência de vínculo afetivo definitivo entre o bebê e o casal. Circunstâncias fáticas que impõe a manutenção da decisão. Agravo desprovido” (TJPR. 11ª C. Cível. A.I. nº 0548300-9, de Londrina. Rel. Des. Augusto Lopes Cortes. Unânime. J. em 02/09/2009). “Agravo de instrumento. Ação de adoção. Recém-nascido entregue pela genitora aos autores. Despacho que determina o abrigamento do menor. Finalidade de obstar a criação de vínculo afetivo com os requerentes. Adequação. Pleito de manutenção do infante sob a guarda dos agravantes. Impossibilidade. Ausência de situação excepcional que autorize o deferimento da tutela requerida. Recurso desprovido” (TJPR. 12ª C. Cív. A.I. nº 478.931-1, de Ipiranga. Rel. Des. Clayton Camargo. J. em 10/09/2008). Nos termos em que posto na legislação em questão, a fase de avaliação dos interessados à adoção ainda permanecerá. Impedirá, porém, que haja igualdade de condições entre os participantes. De fato, poucas pessoas se interessarão em participar do cadastro. Com a preferência conferida aos padrinhos afetivos e aos acolhedores familiares, melhor será ter uma criança sob os seus cuidados, desenvolver os vínculos afetivos e, a partir de então, pleitear a adoção em Juízo. O Cadastro, como dito, deixa de ter qualquer relevância prática - justamente ele que foi uma conquista em prol da moralidade e da igualdade de direitos entre os participantes do processo de adoção. Esse mesmo cadastro, demais disso, é fulminado pela permissão da “Adoção Intuito Personae”, conforme artigo 179. “Art. 179. Havendo a concordância dos pais de entregarem o filho a uma família específica e determinada, a ação de adoção será cumulada com a ação desconstitutiva da parentalidade. § 1º A autoridade judiciária designará audiência, no prazo máximo de 15 (quinze) dias, oportunidade em que colherá o depoimento de todos, na presença do Ministério Público, dos advogados das partes ou, em caso de hipossuficiência, da Defensoria Pública. § 2º As declarações serão tomadas a termo, garantida a livre manifestação de vontade. § 3º Comprovada a preservação do superior interesse da criança ou adolescente, será deferida a guarda provisória aos adotantes, durante a tramitação da ação. § 4º Se os pretendentes à adoção não estiverem habilitados, deverão se submeter a estudo psicológico e social elaborado pela equipe interdisciplinar da Justiça da Criança e Adolescente ou do serviço de acolhimento institucional”. Aqui, mais do que em qualquer outro ponto da lei, a criança adotanda estará em gravíssima situação de risco. É por meio das habilitações nos Procedimentos de Registro de Cadastro de Adotantes que se reconhecem as reais potencialidades dos futuros adotantes. O trabalho da equipe técnica do juízo é, justamente, possibilitar a adequação entre os casais já constantes da lista e as crianças em situação de adotabilidade. O sistema de adoção está compromissado com a criança e, para tanto, se vincula àquela individualmente, bem como ao modelo criado e mantido para que se dê a garantia mínima de que os selecionados a receber os infantes estejam aptos a tanto. A adoção para casais determinados rompe com esse viés e desloca o interesse da criança e do adolescente para a família que irá recebê-los. O superior interesse da parte vulnerável é desconsiderado e, colocada à condição de “objeto de adoção”: passam a verdadeiramente importar os interesses superiores da família que recebeu a parte menor. Essa praxe é longa e duramente combatida na Justiça da Infância e Juventude para evitar as “adoções à brasileira”, situação erigida à condição de crime e que, agora, passa a ser contemplada e autorizada pelo ordenamento jurídico pátrio. Serão procuradas, a partir da eventual sanção da lei, as famílias com melhores condições financeiras para receber as crianças. Vínculos serão então formados entre a criança e esta família. A partir daí, ainda que se entenda que essa família não tem a menor condição de manter a criança sob sua guarda para fins de adoção, os estragos psíquicos para a criança serão irreversíveis. A prática já comprovou que adoções circunstanciais e efetuada por pessoas despreparadas, via de regra, não são bem sucedidas e acarretam prejuízos irreparáveis ao adotando. A manifestação de vontade dos genitores não pode jamais permitir que qualquer casal tenha prioridade sobre a adoção da criança, subjugando os interesses superiores desta. 6. Prosseguindo na análise da pretendida alteração legislativa, importa observar que há uma aparente contradição entre os papéis conferidos ao Ministério Público no que toca à relação com as entidades de acolhimento. No artigo 40, § 2º, exige-se como condição para a renovação da autorização de funcionamento a emissão de atestado de “qualidade e eficiência do trabalho desenvolvido” pelo Parquet, conforme inciso II. No artigo 145, porém, é imposta à Instituição a inspeção das “entidades públicas e particulares de acolhimento de crianças e adolescentes” (inciso III). Sempre com o devido respeito, não é conveniente que o órgão fiscalizador dê atestado de eficiência e qualidade do trabalho da entidade que será fiscalizada. Esse proceder poderá limitar o trabalho fiscalizatório, de modo a prejudicar a plena defesa dos interesses das crianças e adolescentes acolhidos. “Art. 40. As entidades, públicas ou privadas, que abriguem ou recepcionem crianças e adolescentes, ainda que em caráter temporário, devem ter, em seus quadros, profissionais capacitados a reconhecer e a reportar ao Conselho Tutelar suspeitas ou ocorrências de maus-tratos. § 1º As entidades governamentais e não-governamentais deverão proceder à inscrição de seus programas, especificando os regimes de atendimento, no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), o qual manterá registro das inscrições e de suas alterações, do que fará comunicação ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária. § 2º Os programas em execução serão reavaliados pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, no máximo, a cada dois (2) anos, constituindo-se critérios para renovação da autorização de funcionamento: I – o efetivo respeito a regras e princípios desta Lei, bem como a resoluções relativas à modalidade de atendimento prestado, expedidas pelos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), em todos os níveis; II – a qualidade e eficiência do trabalho desenvolvido, atestadas pelo Conselho Tutelar, pelo Ministério Público e pela Justiça da Criança e Adolescente”. “Art. 145. Compete ao Ministério Público: I - promover e acompanhar as ações de suspensão e de destituição da autoridade parental, os procedimentos de adoção, bem como oficiar em todas as demais demandas da competência da Justiça da Criança e do Adolescente; II – em caráter liminar ou incidental, requerer a perda, suspensão ou extinção da autoridade parental e a concessão a guarda provisória a quem se encontre com a guarda de fato, ou esteja habilitado à adoção com o perfil correspondente; III - inspecionar as entidades públicas e particulares de acolhimento de crianças e adolescentes, adotando de pronto as medidas administrativas ou judiciais necessárias à remoção de irregularidades porventura verificadas; IV - fazer recomendações visando à melhoria dos serviços públicos ou privados voltados à criança e ao adolescente, fixando prazo razoável para sua adequação”. 7. Mais. Os artigos 48 a 51 do projeto em questão versam sobre matéria – gestantes que decidem entregar o filho para adoção – que foi recentemente regulamentada pela Lei nº 13509/17. “Art. 48. A entrega voluntária do filho à adoção perante a autoridade judicial autoriza a extinção liminar da autoridade parental, nos termos do art. 1.635, inc. VI, do Código Civil. Parágrafo único. O consentimento prestado por escrito não tem validade se não for ratificado em audiência”. “Art. 49. As gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente encaminhadas, sem constrangimento, à Justiça da Infância e da Adolescência. § 1º Equipe interdisciplinar realizará estudo psicológico social e, a depender da concordância da gestante, a encaminhará à rede pública de saúde para atendimento psicoterápico. § 2º Apresentado relatório pela equipe interdisciplinar, será designada audiência, a ser realizada em até dez dias após o nascimento”. “Art. 50. Desistindo a mãe, após o nascimento, de entregar o filho, na audiência ou perante a equipe interdisciplinar, a criança será mantida junto ao núcleo familiar, determinando-se a realização de acompanhamento familiar, pelo prazo de noventa dias, pela equipe interdisciplinar da Justiça da Criança e do Adolescente ou do serviço de acolhimento institucional”. “Art. 51. Manifestando a genitora, perante o Juiz, o Ministério Público, seu advogado ou, em caso de hipossuficiência, um o Defensor Público, a vontade de encaminhar o filho à adoção, mantendo o anonimato da gestação, será garantido o direito de não registrar o filho, bem como o sigilo sobre o nascimento, respeitado o disposto no art. 48 do ECA. § 1º A autoridade judiciária decretará a extinção da autoridade parental nos termos do art. 1.638, inciso V, do Código Civil, determinando o cancelamento do registro de nascimento, caso o mesmo tenha ocorrido. § 2º Imediatamente a criança ou o adolescente serão colocados sob a guarda provisória para fins de adoção de quem estiver habilitado a adotar aquele perfil”. “Art. 52. Quando a mãe indicar o nome e o endereço do genitor, será ele intimado para, em 5 (cinco) dias, reconhecer a paternidade ou concordar com a entrega do filho à adoção. § 1º Reconhecida a paternidade e manifestando o genitor o desejo de assumir a guarda do filho, equipe interdisciplinar da Justiça da Criança e Adolescente ou das casas de acolhimento familiar ou institucional, em até quinze dias, apresentará relatório indicando se o genitor tem condições de exercer a autoridade parental ou a guarda. § 2º Entregue o filho ao genitor, haverá acompanhamento familiar, pelo prazo de noventa dias, pela equipe interdisciplinar da Justiça da Criança e do Adolescente ou do serviço de acolhimento institucional ou dos Grupos de Apoio à Adoção. § 3º Indicando a mãe a pessoa a quem deseja entregar o filho em adoção, equipe interdisciplinar Justiça da Criança e Adolescente ou dos programas de acolhimento familiar ou institucional, em até 15 (quinze) dias, apresentará relatório comprovando a presença ou não das condições necessárias à adoção. §4º Concedida a guarda, mediante termo de responsabilidade, haverá acompanhamento familiar, pelo prazo de noventa dias, pela equipe interdisciplinar da Justiça da Criança e Adolescente ou do serviço de acolhimento institucional ou dos Grupos de Apoio à Adoção. § 5º Não havendo a indicação do genitor ou de pessoa a quem deseje a genitora que o filho seja entregue à adoção, a autoridade jurisdicional decreta a perda da autoridade parental, nos termos do art. 1.638, inciso V, do Código Civil, determinando a colocação da criança ou do adolescente sob a guarda provisória de quem estiver habilitado a adotar aquele perfil. § 6º Decorrido o período de convivência estabelecido pela autoridade judiciária, apresentado laudo favorável pela equipe interdisciplinar, os adotantes deverão propor a ação de adoção, no prazo de 15 (quinze) dias”. As alterações determinadas pela lei 13509/2017 ao Estatuto da Criança e do Adolescente, já aprovada e sancionada, seguem abaixo copiadas. “Art. 19-A.  A gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento, será encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude.              § 1º A gestante ou mãe será ouvida pela equipe interprofissional da Justiça da Infância e da Juventude, que apresentará relatório à autoridade judiciária, considerando inclusive os eventuais efeitos do estado gestacional e puerperal.              § 2º De posse do relatório, a autoridade judiciária poderá determinar o encaminhamento da gestante ou mãe, mediante sua expressa concordância, à rede pública de saúde e assistência social para atendimento especializado.      § 3º A busca à família extensa, conforme definida nos termos do parágrafo único do art. 25 desta Lei, respeitará o prazo máximo de 90 (noventa) dias, prorrogável por igual período.              § 4º Na hipótese de não haver a indicação do genitor e de não existir outro representante da família extensa apto a receber a guarda, a autoridade judiciária competente deverá decretar a extinção do poder familiar e determinar a colocação da criança sob a guarda provisória de quem estiver habilitado a adotá-la ou de entidade que desenvolva programa de acolhimento familiar ou institucional.              § 5º Após o nascimento da criança, a vontade da mãe ou de ambos os genitores, se houver pai registral ou pai indicado, deve ser manifestada na audiência a que se refere o § 1o do art. 166 desta Lei, garantido o sigilo sobre a entrega.              § 6º (VETADO).              § 7º Os detentores da guarda possuem o prazo de 15 (quinze) dias para propor a ação de adoção, contado do dia seguinte à data do término do estágio de convivência.              § 8º Na hipótese de desistência pelos genitores - manifestada em audiência ou perante a equipe interprofissional - da entrega da criança após o nascimento, a criança será mantida com os genitores, e será determinado pela Justiça da Infância e da Juventude o acompanhamento familiar pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias.        § 9º É garantido à mãe o direito ao sigilo sobre o nascimento, respeitado o disposto no art. 48 desta Lei.      § 10. (VETADO)”. A Lei 13509 é de 22 de novembro de 2017: ou seja, tem menos de três meses. Pretende-se, agora, uma nova alteração legislativa que contempla exatamente o mesmo assunto. A insegurança jurídica expressada nessa realidade é imensa. Uma lei recente, que mal teve condições de demonstrar a sua efetividade ou não, está em vias de ser alterada. 8. O artigo 164 do projeto, prosseguindo na análise, desestrutura a lógica da atuação em rede. “Art. 164. É do Ministério Público a legitimidade para propor a ação de perda ou extinção da autoridade parental, dispondo de legitimidade concorrente os dirigentes das instituições de abrigo, a família acolhedora, o padrinho afetivo, bem como quem detém a guarda legal ou de fato da criança ou adolescente”. A rede protetiva da infância e juventude atua em uma ótica articulada, onde todos os seus integrantes unem esforços para, cada um em sua área específica de atuação, compartilhar ações e projetos em prol das crianças e adolescentes. À entidade de acolhimento compete a disponibilização de todos os instrumentos necessários para minimizar as consequências psíquicas do acolhimento, provendo seus cuidados básicos, assegurando o acesso aos direitos constitucionais e legais, promovendo ações de integração à sociedade e à convivência comunitária, dentre outros. De outro lado, cabe ao Ministério Público o braço judicial de atuação (dentre outros aspectos), propondo a ação de destituição do poder familiar. Delegar este papel judicial também aos dirigentes das instituições de abrigo rompe, com o devido respeito, a lógica de rede. Além disso, aqui também se ajustam os argumentos retro esgrimados sobre a desnecessidade de propositura da ação de destituição do poder familiar em absolutamente todos os casos. A disposição do artigo 166, por oportuno, conferindo legitimidade extraordinária para que qualquer do povo proponha ação de destituição do poder familiar quando o acolhimento se prolongar por mais de um ano, além de esbarrar nos mesmos inconvenientes do parágrafo acima (desnecessidade de, em todos os casos, ser proposta ação de destituição), do mesmo modo ignora todas as ações adotadas para garantir a reintegração da criança à família natural ou sua inserção em família extensa. Também aqui, portanto, o interesse da família adotante se sobrepõe ao da criança acolhida. “Art. 166. Encontrando-se a criança ou o adolescente em acolhimento familiar ou institucional, há mais de 1 (ano) ano, a ação pode ser proposta por qualquer pessoa, na condição de legitimado extraordinário. § 1º A autoridade judiciária determinará a realização de estudo psicológico e social pela equipe interdisciplinar da Justiça da Criança e do Adolescente ou do serviço de acolhimento institucional. § 2º Proposta a ação por qualquer dos legitimados, quem tiver interesse em adotar a criança ou o adolescente pode requerer que lhe seja concedida a guarda provisória para fins de adoção. § 3º Reconhecido o atendimento dos requisitos à concessão da adoção, será concedida a guarda provisória ao adotante, mediante termo de responsabilidade. § 4º Decorrido o período de convivência, o candidato à adoção pode requerer que seja admitido no processo na condição de assistente litisconsorcial (CPC, art. 124). § 5º Nesta hipótese a autoridade judiciária, ao acolher a ação desconstitutiva da parentalidade pode conceder-lhe a adoção, caso reconheça a conveniência da medida”. 9. O artigo 31, caput, do projeto, por sua vez, merece reflexão. “Art. 31. As entidades que desenvolvem programas de acolhimento familiar ou institucional, com o auxílio do Conselho Tutelar e dos órgãos de assistência social estimularão o contato da criança ou adolescente com os candidatos habilitados à adoção, nos locais em que se encontram abrigados. § 1º As entidades que desenvolvem programas de acolhimento familiar ou institucional somente poderão receber recursos públicos se comprovado o atendimento dos princípios, exigências e finalidades desta Lei. § 2º O descumprimento das disposições desta Lei pelo dirigente de entidade que desenvolva programas de acolhimento familiar ou institucional é causa de sua destituição, sem prejuízo da apuração de suas responsabilidades administrativa, civil e criminal. § 3º Quando se tratar de criança de até três (3) anos em acolhimento institucional, deverá ser dada especial atenção às necessidades básicas, incluindo, como prioritárias, as de afeto, por educadores de referência estáveis e qualificados. § 4º Os recursos destinados à implementação e manutenção das entidades de acolhimento familiar ou institucional serão previstos nas dotações orçamentárias dos órgãos públicos encarregados das áreas de Educação, Saúde e Assistência Social Inúmeros estudos demonstram que a criança depende de um vínculo subjetivo afetivo para desenvolver todas as suas potencialidades. A ausência de laços afetivos de referência pode levá-las a um desarranjo neuropsicológico apto a gerar comportamentos disfuncionais e perigosos, como a prática de atos infracionais, ad exemplum. Acolhidas, em regra, essas crianças não contam com a referência da família natural ou extensa para esse desenvolvimento. Poderiam alcançá-lo por meio da adoção, mas a experiência prática revela que muitas estão em situação de grande dificuldade para colocação em família substituta. Em tal contexto, o estímulo à convivência familiar e comunitária é salutar e importante para o desenvolvimento psicossocial das crianças e adolescentes acolhidos. Entretanto, há que se ter algumas cautelas no que diz respeito ao contato do acolhido com candidatos habilitados à adoção, não podendo tal ser estimulado de forma indiscriminada pelas entidades que desenvolvem programas de acolhimento familiar ou institucional. A adoção conta com dois pontos principais que convergem: os adotantes e a criança. Quando se fala em adotantes, imediatamente se pensa em habilitação e cadastro. Uma vez cadastrado, o pretendente à adoção entra em compasso de espera pela criança, a qual precisa estar apta para tanto, emocional e juridicamente. Há inúmeros critérios que devem nortear tal aproximação, desde a adequação do casal às necessidades da criança, a situação jurídica que possibilite a adoção, até a obediência à ordem cronológica de habilitação, o que deve ser observado pela equipe técnica do juízo e pelo próprio magistrado, com a fiscalização do Ministério Público. Como já ponderado acima, o respeito ao cadastro é uma medida de legalidade e ética, e esse respeito deve ser perseguido. Por ouro lado, o sistema de adoção está compromissado com a criança, de modo que o modelo legal propicia que se dê a garantia mínima de que o casal escolhido, dentre os habilitados, respeitada a ordem de habilitação, seja o mais adequado a recebê-la. O contato indiscriminado entre casais habilitados e acolhidos, nos termos preconizados pelo artigo em análise, impediria a verificação dos requisitos mínimos já apontados, além de provocar a exposição indevida do acolhido, gerando falsas expectativas tanto nos casais habilitados - que podem passar a nutrir o desejo de adotar uma criança específica, quando a lei lhes veda a escolha, já que a criança não é um objeto a ser adquirido - quanto nas crianças acolhidas, as podem estabelecer vínculo com um casal específico, que por motivos técnicos não estaria apto a adotá-la, provocando grande frustração e prejuízo de difícil reparação. O contato e a aproximação entre o casal habilitado e a criança acolhida, portanto, deve ser efetuado de forma cuidadosa, por determinação judicial, mediante a prévia intervenção da equipe técnica do juízo e fiscalização do Ministério Público. 10. Estas são as ponderações que incumbia a este Centro de Apoio da Infância e Juventude tecer.