Recusa de Intervenção

 

Processo n. 1005501-80.2014.8.26.0533

Interessado: Juízo de Direito da 3ª Vara Cível do Foro de Santa Bárbara d’Oeste

Objeto: recusa de intervenção ministerial em ação de rescisão de contrato administrativo e cobrança proposta em face do Município de Santa Bárbara d’Oeste

 

 

Processo Civil. Recusa de intervenção. Ação de rescisão de contrato administrativo e cobrança proposta em face de pessoa política. Pedido incidental de tutela provisória de urgência cautelar. Reconvenção. Intervenção do Ministério Público. Desnecessidade. Inexistência de interesse público primário.

Ainda que a demanda verse sobre contrato administrativo não há obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público se limitada ao interesse público secundário (patrimonial ou financeiro do ente público) e ausente o interesse público primário.

 

 

1)    Relatório

Ação de rescisão de contrato administrativo e cobrança proposta por (...) em face do Município de Santa Bárbara d’Oeste em que se aduziu que celebrado contrato administrativo de execução de obra pública (construção de cobertura, arquibancada e vestiário em uma escola municipal), após ter concluído quase a totalidade da obra e faltando um mês para o término do contrato, o requerido, “arbitrariamente e de forma unilateral”, suspendeu o contrato em vigência, impedindo a retirada dos materiais comprados para o término da construção e apropriando-se deles, que foram entregues para finalizar a obra.

Relatou a requerente que, antes do ajuizamento da presente ação, o Município ingressou com ação de obrigação de fazer com pedido de conversão em perdas e danos em face da ora autora e o feito foi julgado extinto sem resolução de mérito, não tendo transitado em julgado.

Pretende a requerente seja declarada judicialmente a rescisão do contrato administrativo, por culpa do requerido, pleiteando sua condenação ao pagamento dos serviços prestados e materiais fornecidos, dos serviços extraordinários e da multa contratual, acrescida de juros e correção monetária (fls. 01/10).

A contestação alega, além da improcedência do pedido, inépcia da inicial, prescrição e ausência de interesse de agir, e a Municipalidade ofertou reconvenção para condenação da autora ao pagamento de quantia devida por consumo de água durante a obra, acrescida de juros e correção monetária. (fls. 126/151).

A requerente, incidentalmente, pleiteou tutela provisória de urgência cautelar, consistente na suspensão do procedimento administrativo de aplicação de multa e declaração de inidoneidade proposto pela requerida em face dela (fls. 436/439).

Após réplica (fls. 446/453) e manifestação de produção de prova documental, pericial e testemunhal (fls. 454/455), o Ministério Público manifestou-se pelo indeferimento do pedido cautelar formulado pela requerente, requerendo, ainda, o afastamento das preliminares (fls. 456/458).

A respeitável decisão (fl. 459) indeferiu o pedido de tutela provisória de urgência formulado pela autora, houve nova contestação ao pedido incidental (fls. 462/468) e especificação de provas (fl. 489).

Determinada a abertura de vista ao Ministério Público (fl. 491), o ilustre Promotor de Justiça oficiante consignou que o feito envolvia partes maiores e capazes, sendo a demanda disponível, razão pela qual deixava de intervir (fl. 495).

A digna Juíza de Direito, discordando desse entendimento, determinou provocação da Procuradoria-Geral de Justiça, aplicando por analogia o disposto no artigo 28 do Código de Processo Penal, entendendo “necessária a atuação do representante do Ministério Público nos presentes autos, ante o evidente interesse público existente” (fl. 504).

É o relato do essencial.

2)    Fundamentação

A questão controvertida neste processo diz com a necessidade ou não de intervenção do Parquet, na condição de custos iuris, em ação de rescisão de contrato administrativo e cobrança, cumulada com pedido incidental de tutela provisória de urgência, proposta em face de pessoa jurídica de direito público, que ofereceu reconvenção.

O Código de Processo Civil disciplina em linhas gerais a intervenção processual do Ministério Público da seguinte maneira:

Art. 178. O Ministério Público será intimado para, no prazo de 30 (trinta) dias, intervir como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou na Constituição Federal e nos processos que envolvam:

I - interesse público ou social;

II - interesse de incapaz;

III - litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana.

No que interessa ao deslinde do caso, sobre o inciso I do artigo 178 do Código de Processo Civil, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery esclarecem que:

“O CPC 178 I contém norma de encerramento, no sentido de deixar aberta a possiblidade de o MP intervir nas demais causas em que há interesse público ou social. Quando a lei expressamente determina a intervenção, não se pode discutir ou questionar a necessidade de ela ocorrer. A norma ora comentada somente incide nas hipóteses concretas onde a participação do MP não se encontra expressamente prevista na lei” (Código de Processo Civil Comentado, 16ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, pp. 728).

A Resolução n. 1167/2019-PGJ/CGMP, elaborada conjuntamente pela Procuradoria-Geral de Justiça e pela Corregedoria-Geral do Ministério Público, disciplina de maneira mais minudente a normativa legal.

Para saber se em determinado caso concreto está presente o interesse público que justifique a intervenção do Parquet, é imprescindível identificar os contornos da lide deduzida em juízo, ou seja, pela identificação do pedido, iluminado pela causa de pedir.  É o que afirma Hugo Nigro Mazzilli, esclarecendo que a decisão favorável à intervenção está diretamente associada ao interesse jurídico subjacente que aflora do caso concreto (Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1991, pp. 214-215).

Analisados os autos do processo, conquanto figure o Município no polo passivo de ação de rescisão de contrato administrativo cumulada com pedido de cobrança, não há a obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público, porquanto ausente o interesse público primário, que legitimaria a atuação do Parquet. Idêntico raciocínio se aplica à reconvenção proposta pelo ente municipal e ao pedido de tutela provisória de urgência cautelar incidental pleiteado contra o Município.

No ponto, chamo a atenção ao quanto contido no parágrafo único do mencionado art. 178 do Código Fux:

A participação da Fazenda Pública não configura, por si só, hipótese de intervenção do Ministério Público.

 

É preciso verificar se há algo para além do interesse patrimonial ou financeiro do poder público na demanda que justifique a excepcionalidade da intervenção do Ministério Público.

O Município está legalmente representado nos autos, tutelando o interesse secundário do qual se incumbe, e o fato de a discussão da ação envolver a vigência de um contrato administrativo, celebrado após procedimento licitatório, que tenha por objeto a realização de obra pública, não enseja a intervenção do Ministério Público.

A contextura apresentada reflete apenas questão de interesse público secundário, o que, por si só, não enseja a intervenção do Parquet.

Cabe obtemperar que a Resolução n. 1.167/19 assim dispõe:

Art. 2º. Além dos casos que tenham previsão constitucional ou legal específica, conforme dispõe o artigo 5º da Recomendação nº 34/2016 do CNMP, o membro do Ministério Público deve priorizar a avaliação da relevância social dos temas e processos que lhe forem submetidos à análise, a fim de identificar o interesse público ou social que justifique sua intervenção, os quais são presumidos, notadamente, nas hipóteses de:

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III – licitações e contratos administrativos;

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§ 1º. A participação da Fazenda Pública ou de entidade da Administração Pública descentralizada no processo não configura, por si só, hipótese de intervenção do Ministério Público.

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Art. 4º. Nos processos civis em que seja obrigatória a intervenção do Ministério Público sua atuação será limitada ao motivo dela determinante, sendo dispensável quando se tratar de questão não ligada direta e essencialmente ao interesse respectivo.

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Art. 11. Sem prejuízo do disposto nesta Resolução, ainda que não exista diretamente interesse público ou social que justifique a intervenção do membro do Ministério Público no processo, cabe-lhe providenciar a remessa de cópia dos elementos necessários para as providências cabíveis se diagnosticada questão relacionada às funções institucionais, sendo autorizado a mera referência dessa medida no processo.

Esse desenho normativo reafirma que, em linha de princípio, se a temática processual envolver contrato administrativo, cabe ao Ministério Público avaliar a necessidade de sua intervenção balizando a existência de interesse público primário, de tal sorte que o membro oficiante poderá, inclusive, dosar sua participação processual se não constituir o elemento nuclear da demanda, podendo promover extração de peças para providências outras.

Além disso, se, no curso ou no final da ação, o Juízo, a partir de condutas perfeitamente delineadas por parte de quem quer seja, vislumbrar a ocorrência de improbidade administrativa, poderá determinar a extração de cópias para a Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social local, a fim de que investigue o ocorrido.

Logo, afasta-se a obrigatoriedade de intervenção radicada no inciso I do artigo 178 do Código Fux.

3)    Conclusão

Diante do exposto, e por analogia ao disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, nego provimento à remessa.

Publique-se a ementa. Comunique-se nos autos. Registre-se. Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 30 de abril de 2.020.

 

 

Mário Luiz Sarrubbo

Procurador-Geral de Justiça

 

psv