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Wednesday, 19 de august de 2015

Édis Milaré: 'ACP valorizou MP, mas precisa ser modernizada'

Jurista diz que faltam regras claras para execução de ações e mais influência em políticas públicas
Jurista diz que faltam regras claras para execução de ações e mais influência em políticas públicas

O instrumento processual da Ação Civil Pública é poderosíssimo e valorizou o Ministério Público diante da sociedade, mas precisa ser modernizado para garantir uma execução adequada e atender novos interesses coletivos.

Procurador de Justiça aposentado e advogado Édis Milaré autografrando o livro Ação Civil Pública - Após 30 Anos

A opinião é do Procurador de Justiça aposentado e advogado Édis Milaré, um dos autores do anteprojeto da Lei da Ação Civil Pública, de 1985, e organizador do livro “Ação Civil Pública – Após 30 Anos”, lançado na sexta-feira (14) durante o seminário que celebrou a efeméride no auditório do CEAF (Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público).

Milaré foi o primeiro Promotor de Justiça da área ambiental do Estado de São Paulo e coordenou o setor no Ministério Público ao longo de quase uma década, na qual acompanhou na prática a implementação da Ação Civil Pública. Desde 1996, atua como advogado e é uma referência do direito ambiental para todo o país.

Veja abaixo a íntegra da entrevista concedida pelo jurista no evento de lançamento do livro.

***

Os interesses coletivos e os problemas da sociedade a serem tutelados hoje pelo Ministério Público são os mesmos da época da Lei da Ação Civil Pública?

Embora se falasse na época em direitos e interesses supraindividuais, a ênfase era patrimônio público social, o consumidor e o meio ambiente --não somente natural, mas o ambiente cultural e artificial. Hoje, a gente sente a necessidade de uma modernização [na lei], por conta de novos interesses que surgem. Discute-se a efetividade da ACP para tutelar esses novos interesses. Fundamentalmente, falo da possibilidade de se implementar via ACP as chamadas políticas públicas que muitas vezes não conseguimos implementar simplesmente com a vontade espontânea do governante. A gente sente a necessidade de a lei ser mais incisiva nesse ponto.

Outro ponto a ser revisado é a forma de execução. Porque, efetivamente, a Lei da Ação Civil Pública não tratou de execução. A não ser aquela previsão genérica de que, se o autor da ação não promover a execução, o Ministério Público se incumbe de fazê-lo num prazo de 60 dias. Mas a lei não traçou regras claras a respeito de execução, de sorte a criar um vazio, um vácuo, que precisa ser discutido.

 

O senhor pode dar um exemplo desse vácuo que existe sobre a execução da Ação Civil Pública?

Eu acompanho hoje uma ACP de grande repercussão social. Trata-se de uma ação promovida na comarca de Mauá (Grande São Paulo) para exigir-se a limpeza do condomínio Barão de Mauá. O terreno foi contaminado por mais de 40 substâncias altamente tóxicas previamente à construção de 1.897 apartamentos. São 58 blocos, com cerca de 7.200 pessoas vivendo em cima de uma verdadeira bomba química.

O Ministério Público promoveu a ação para obrigar os réus a fazer a limpeza da área —algo que interessa a todos nós— e também pediu a indenização por danos materiais e morais às famílias afetadas pela poluição. Ou seja, o chamado dano reflexo. O Ministério Público pediu que as pessoas fossem retiradas de lá, tivessem um apartamento idêntico e ainda fossem indenizadas por dano moral, por terem suportado aquele dissabor de estar habitando um terreno contaminado, pela agonia de ver o sonho da casa própria se esvair.

Quando se pede para limpar o terreno, é até fácil de executar, ao engendrar esforços para retirar gases, remover o solo contaminado, etc. Enfim, quando se trata da tutela coletiva de um bem do interesse de todos é de fácil execução. Mas, quando vem o interesse de cada família, começa a complicar. Como faz para executar cada caso? Há famílias com pessoas inválidas, senis, e peculiaridades que dificultam a execução. Então, a Lei da Ação Civil Pública, na maneira como se encontra hoje, ainda não traz regras claras para efetivar a execução. Esse é um ponto que representa um vazio que precisa ser preenchido por lei adequada.

Hoje, o Ministério Público tem até certa facilidade de promover as ações, mas de repente a ação é exitosa, o Judiciário dá o veredito favorável, e para por aí.

 

Como o senhor relaciona a criação do instrumento da Ação Civil Pública e a evolução do Ministério Público brasileiro?

Tradicionalmente, o Ministério Público vivia enclausurado numa atividade de defensor da sociedade contra o delinquente. Historicamente, o promotor atuava na esfera criminal. No momento [1985] em que se possibilita que ele, por meio de uma única ação, tutele uma gama muito extensa de interesses, ele se valoriza socialmente.

Vou exemplificar com um caso antigo que ilustra bem isso. Pouco antes de a Lei da Ação Civil Pública entrar em vigor, houve um episódio no Rio Grande do Sul em que se chegou à conclusão de que toda a safra de morangos estava contaminada com substâncias cancerígenas. Havia uma recomendação de que as pessoas não consumissem. O governador gaúcho da época, Jair Soares, conclamou em rede de TV para que todos tomassem cuidado com o consumo da safra de morangos. Mas ele, nada podia fazer a não ser recomendar.  Ficava a cargo de cada um tomar os cuidados que entendesse por bem. Por quê? Porque não havia um instrumento com essa abrangência.

​Podemos comparar com outra situação, pouco depois, em que houve a proposição de uma Ação Civil Pública, para evitar a distribuição de leite em pó vindo da Europa e que estava contaminado com radioatividade do acidente de Chernobil [em 1986, na Ucrânia]. Uma única ação do Ministério Público conseguiu evitar a comercialização de todo aquele leite. Se nós tivéssemos na época do morango contaminado uma mera Ação Civil Pública, impediríamos a comercialização da safra.

O Ministério Público hoje, através da ACP, se valoriza socialmente. Pois, através de uma única medida, ele consegue salvaguardar interesses de milhares ou milhões de pessoas. É a Justiça não do varejo, mas do atacado.

 

Édis Milaré fala na abertura do seminário sobre os 30 anos da Ação Civil Pública, ao lado do Procurador-Geral de Justiça, Márcio Elias Rosa, e do direito do CEAF, Marcelo Goulart

Quais foram os principais obstáculos encontrados nos últimos 30 anos para que a Ação Civil Pública tivesse o efeito esperado?

A ACP é muito abrangente e utilizada inclusive para as questões de improbidade administrativa, de tutela do patrimônio público e social. Então, o poderoso de plantão, via de regra, não gosta da ACP. Porque sabe que ela pode ser um instrumento que vai atingi-lo. Então, sempre houve por parte, principalmente, dos maus políticos, uma vontade de torpedear e minar o poder do Ministério Público, porque a ACP é um instrumento poderosíssimo.

Houve uma época, inclusive, que vigorou uma lei —depois revogada— que evitava que a ACP tivesse esse caráter que a gente chama de erga omnes, ou seja, de se aplicar a todos, em qualquer parte do país. Essa lei dizia que a ACP só tinha abrangência territorial. Então, se ela fosse proferida por um juiz de Presidente Prudente, ela só valeria para a competência territorial daquele juiz. Mas isso não pode acontecer. A coisa julgada não pode se cingir ao território da competência de um juiz. Ela tem que ter validade para o país inteiro.

 

A falta de transparência dos órgãos governamentais não é um problema para o Ministério Público propor uma Ação Civil Pública?

Hoje, não tanto. Quando eu era Promotor de Justiça, propus em 1985, juntamente com outros três colegas e uma entidade da sociedade civil, a Ação Civil Pública contra as 24 empresas do polo químico-siderúrgico de Cubatão, que poluíam a Serra do Mar. Na época, as encostas, açoitadas pela poluição, começaram a ter escorregamentos. Havia um grande risco de aquilo cair em Cubatão e romper dutos, inclusive de amônia, coisas perigosas.

Tivemos dificuldades. Era fim do regime militar e o órgão ambiental do Estado, que já se chamava Cetesb, alegava sigilo para negar informações e elementos que nos permitiriam entrar com a ação. Sigilo ao Ministério Público para tutelar a saúde, segurança e meio ambiente da cidade? Hoje é impensável, mas na época infelizmente acontecia.

Nós conseguimos os elementos sabe como? Furtando. Um funcionário da Cetesb procurado por nós, decidiu vazar tudo. E entregou as informações por debaixo dos panos, porque não nos davam oficialmente. As dificuldades sempre existiram. Sempre que puderem, os poderosos vão torpedear a ACP, mas o que importa é o apoio popular. Daí a importância do apoio da comunidade e das associações ambientalistas ao Ministério Público.

 

Na área ambiental, por exemplo, na qual o senhor é especialista, o instrumento da ACP tem sido efetivo e usado de forma satisfatória?

Muito. Se não fosse essa dificuldade de execução, eu diria que é 100%. Eu vejo dificuldade ainda na execução. Por isso, esse ponto requer formulação legislativa urgente, para que tenhamos um instrumento por inteiro na mão. Mas, se tivesse de fazer um balanço de custo-benefício, diria que é um excelente instrumento na área ambiental.

Édis Milaré autografa livro Ação Civil Pública - Após 30 Anos

 

O senhor pode citar um caso simbólico de ACP na tutela dos interesses sociais?

Essa ACP de Cubatão foi simbólica por ter sido uma das primeiras e também pelo impacto que teve. Na época, divulgava-se que, em dois anos, haviam sido detectados 8.855 casos de anencefalia na cidade. Um professor da USP dizia que boa parte desses casos decorria da poluição.

A ação, que após 30 anos ainda não terminou, representou um símbolo da mudança de paradigma, de mentalidade e de um regime de irresponsabilidade até então existente. Por quê? Embora a ação não tenha terminado até hoje, Cubatão mudou completamente. A população ficou reduzida a 10% do que era na época. Tudo por conta dessa ação, que representou uma espada de Dâmocles em cima de todos os integrantes do polo, que somava uma capacidade de produção de quase 5% do PIB brasileiro da época.

No momento em que se mete uma espada de Dâmocles na cabeça —que era a ACP exigindo a limpeza de tudo aquilo e indenização de em torno de US$ 500 milhões— [as empresas] começaram a se coçar: “Opa, a coisa já não é brincadeira”. E começaram realmente a tomar medidas de controle de poluição.

Hoje, a maioria das fontes de poluição está controlada e as empresas já estão costurando um acordo para por fim a esta ação. O rio Cubatão, que já não tinha peixe, agora recuperou sua fauna. Isso mostra que aquilo mudou. Então, a ACP de Cubatão cumpriu o seu papel.

 

Em que áreas os interesses difusos ou coletivos ainda estão relegados e merecem uma atenção maior de agentes políticos do Ministério Público?

A área de políticas públicas, de forma geral. Ainda sinto que a parte de saúde, educação e patrimônio público são áreas que precisam de um reforço.


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