EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA

PRIVATIVA DE LIBERDADE

Uma nova forma de execução da pena privativa começa a ganhar vulto em nosso meio na área criminal, forma esta aceita inclusive por alguns Tribunais, que mesmo ainda divergentes, vem preconizando a possibilidade da sua aplicação. Há bem pouco tempo a Corregedoria Geral de Justiça editou o Provimento de número 653/99, que em seu artigo 1o., assim dispõe: "A guia de recolhimento provisória será expedida quando do recebimento de recurso da sentença condenatória, desde que o condenado esteja preso em decorrência de prisão processual, devendo ser remetida ao Juízo de Execução Criminal".

Inicialmente, quanto a esse tema, surgiram seus defensores, com a argumentação no sentido de que não se justifica, que o condenado, mesmo com sentença recorrível, deva aguardar decisão de recurso interposto perante os Tribunais, podendo ele de pronto iniciar o resgate da "pena" imposta.

Alguns estudiosos querem buscar a sedimentação da probabilidade da existência de tal execução, no parágrafo único, do art. 2o. da Lei de Execução Penal, que diz o seguinte: "Esta lei aplicar-se-á igualmente ao preso provisório e ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária". Neste particular, não vinga a tese da provisoriedade da execução, pois outra foi a intenção do legislador. Basta para tanto uma leitura atenta ao que se propunha a lei com a edição do parágrafo único o art. 2o.. Na Mensagem 242 de 1. 983, quando se referia ao objeto e a aplicação da LEP , mais precisamente nos n.º 15 e 17, assim deixou assentado o legislador: n.º 15. A autonomia do Direito de Execução penal corresponde o exercício de uma jurisdição especializada, razão pela qual, no art. 2o., se estabelece que a "jurisdição penal dos juízes ou tribunais da justiça ordinária, em todo o território nacional, será exercida, no processo de execução, na conformidade desta lei e do Código de Processo Penal". Por lado consta no 17: "A igualdade da aplicação da lei ao preso provisório e ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária, assegurado no parágrafo único do art. 2o., visa impedir o tratamento discriminatório de presos ou internados submetidos a jurisdição diversas". Ressalve-se, que os negritos são nossos. Ora, não se pode extrair do texto retro mencionado, que o parágrafo único do art. 2o. da Lei de Execução Penal, admite a execução provisória. Nele se nota explicitamente que a expressão "igualdade da aplicação da lei ", esta direcionada apenas e tão somente para evitar-se a discriminação de forma genérica. Mesmo porque quanto a execução da pena, a lei se mostra bem clara.

Sobre a matéria, pelo menos três entendimentos começaram a digladiarem-se. Um, o mais conservador deles, ao qual rendo minhas homenagens, é totalmente contra a execução provisória. Outro, preconiza um meio termo, ou seja, só é favorável à execução provisória, nos casos que não hajam recurso da acusação. Já a terceiro, totalmente benevolente, admiti a execução provisória, em qualquer situação, bastando que se tenha a sentença, não interessando se recorrível ou não .

Com a condenação que impõe a pena privativa de liberdade, podem surgir quatro situações a saber: a - ) sentenciado o feito, as partes não recorrem e a sentença transita em julgado; b- ) Sentenciado o feito, apenas recorre o Representante do Ministério Público; c - ) Sentenciado o feito, apenas recorre o réu ou d - ) Sentenciado o feito recorrem ambas as partes. Pois bem, no caso da letra "a", inicia-se a execução da pena, não havendo, em tal situação, como falar-se em execução provisória, mas tão somente em execução definitiva. Todavia, nos demais casos, data vênia, não há como entender ser possível a execução provisória.

Embora respeitáveis sejam os pontos de vista contrários, temos para nós, que a execução provisória, além de não trazer benefícios, praticidade etc., conturba e até fere o espirito da lei.

Não traz benefícios, porque toda pena cumprida na fase processual, pode ser abatida da pena final, em obediência ao princípio da detração penal, art. 42, do Código Penal. Ora, se a lei assegura, tal possibilidade, nenhum prejuízo, decorrerá da espera do trânsito em julgado, da sentença condenatória, não havendo motivos para se apressar a execução, sob o título da provisoriedade.

Por outro lado, fere a Constituição Federal, porque viola o princípio inserto no art. 5°, LVII, da Constituição Federal e outras disposições da Lei Federal n° 7.210/84, dentre as quais as regras contidas nos arts. 105, e 106, III, desse estatuto.

Quanto a Lei de Execução Penal, a execução em comento, afronta literalmente seu espirito, tal como se constata em sua exposição de motivos. Nesse particular disse legislador na Mensagem 242/ 1983, nos tópicos de números 26 e seguintes:

"26. A classificação dos condenados é requisição fundamental para demarcar o início da execução científica das penas privativas da liberdade e da medida de segurança detentiva. Além de construir a efetivação de antiga norma geral do regime penitenciário, a classificação é o desdobramento lógico do princípio da personalidade da pena, inserido entre os direitos e garantias constitucionais. A exigência dogmática da proporcionalidade da pena está igualmente atendida no processo de classificação, de modo que a cada sentenciado, conhecida a sua personalidade e analisado o fato cometido, corresponda ao tratamento penitenciário adequado.

27. Reduzir-se-á a mera falácia o princípio da individualização da pena, com todas as proclamações otimistas sobre a recuperação social, se não for efetuado o exame de personalidade no início da execução, como fator determinante do tipo de tratamento penal, e se não forem registradas as mutações de comportamento ocorridas no itinerário da execução.

....... 

30. Em homenagem ao princípio da presunção de inocência, o exame criminológico, pelas suas peculiaridades de investigação, somente é admissível após declarada a culpa ou a periculosidade do sujeito. O exame é obrigatório para os condenados a pena privativa de liberdade em regime fechado.

31. a gravidade do fato delituoso ou as condições pessoais do agente, determinante da execução em regime fechado, aconselham o exame criminológico, que se orientará no sentido de conhecer a inteligência, a vida afetiva e os princípios morais do preso, para determinar a sua inserção no grupo com o qual conviverá no curso da execução da pena.

32.A ausência de tal exame e de outras cautela tem permitido a transferência de reclusos para o regime de semiliberdade ou de prisão-albergue, bem como a concessão de livramento condicional, sem que eles estivessem para tanto preparados, em flagrante desatenção aos interesses da segurança social".

Em princípio, pela leitura de tais argumentos ( 31 e 32), expendidos pelo legislador, ficaria a dúvida no sentido de que se fosse o semi-aberto o regime inicial imposto, teria o legislador desaconselhado o exame criminológico de classificação, todavia, tal não é verdade, pois, se verificarmos os artigos 34 e 35 do Código Penal, veremos que iguais são as exigências. O artigo 34, ao dispor sobre as regras do regime fechado assim diz: "O condenado será submetido, no início do cumprimento da pena, ao exame criminológico de classificação para individualização da execução". Por seu turno, o art. 35, ao dispor sobre as regras para o regime semi-aberto assim preconiza: " Aplica-se a norma do art. 34 deste código, caput, ao condenado que inicie o cumprimento da pena em regime semi-aberto.

Some-se a tudo isso, que até pela falta de praticidade, não se haverá de executar provisoriamente a pena. Justifico. Suponhamos que um indivíduo é condenado inicialmente no regime semi-aberto. Inconformado, o Representante do Ministério Público recorre, enquanto tramita o recurso, o mesmo ingressa provisoriamente no regime semi-aberto. Cumprido um sexto da pena, galga o regime aberto, neste regime vem a ser o recurso do Ministério Público provido e o regime alterado, de inicialmente em semi-aberto, tal como constou da r. decisão, para inicialmente fechado. Diante de tal fato pergunta-se, regride ao fechado? Ao semi-aberto? Permanece onde está? Conta em seu favor, de acordo com o que dispõe o art. 112, da Lei de Execução Penal, o tempo que esteve no regime mais brando, para que esse valha como se fosse no regime mais rigoroso? Se assim for, não precisará haver a regresso? Nesse caso, de que adiantou o recurso do Ministério Público, isso na prática forense, seria ganhar mas não poder levar ? E o efeito suspensivo segundo se depreende do art. 597, do Código de Processo Penal, seria desconsiderado? Como entender a corrente jurisprudencial que não admitia a execução da sentença recorrida, tal como se colhe, à guisa de exemplo do seguinte julgado:

"Homicídio. Réu condenado por homicídio privilegiado (art. 121, § 1°, do CP), havendo apelação do Ministério Público. Hipótese que não se equipara à da absolvição (art. 596 do CPP). Sentença que não pode ser, de logo, executada, no regime semi-aberto. Recurso improvido" (RHC-65618/SP - Rel. Min. Djaci Falcão - j. em 16.10.87 -DJU 30.10.87, p. 23811).?

Determinada sua remoção, diante da tão decantada falta de vagas, entraria ele na fila de espera? Concorreria a uma vaga, com os mesmos direitos que aqueles que já foram definitivamente condenados? Neste caso, como ficaria a teoria sempre vigente na fase de execução, no sentido de que só se transfere ao regime seguinte quem está com situação processual definida? O que dizer da execução provisória , neste particular, sabendo-se que a indefinição já se tornou sólida, a ponto de não se permitir a progressão de quem mesmo já tendo uma condenação definitiva e responde a um ou mais feitos, a exemplo do que se vê, no trecho colhido do seguinte julgado:

"O agravante tem que cumprir ainda mais de cinco anos de reclusão, como se pode observar pela liqüidação de sua pena. Responde a dois processos por roubo qualificado. Condenados nestes a pena mínima, terá que cumprir mais de dez anos de reclusão, tempo este que somado ao restante da pena que tem a cumprir torna inviável sua permanência no regime prisional semi-aberto.

SE não for condenado nos dois processos, mas somente em um deles, a pena será superior a cinco anos, os quais somados aos que tem ainda que cumprir também torna inviável a sua permanência no regime prisional semi-aberto.

O condenado tem o direito de pleitear a progressão do cumprimento de sua pena para um regime prisional mais brando. O direito do condenado existe quando ele possui a situação processual definida. Se está ainda respondendo a processos, cujo resultado irá refletir no regime prisional no qual terá que permanecer para cumprir suas penas, não há como lhe deferir a progressão para regime mais brando.

A concessão resultaria em uma congruência. Ela seria concedida e sobrevindo nova condenação, teria que ser revogada, para que se determinasse a regressão para regime prisional mais rigoroso. O prejuízo para a adaptação do condenado, nessa hipótese, seria imprevisível.

O condenado, por esses motivos, tem que esperar que sua situação penal fique definida para depois requerer a progressão para regime prisional mais brando"(RAgExec. 719.221/6 - São Paulo - 6a. C. do TACRIM-SP., Rel. Juiz Almeida Braga - j. em 11.03.92). No mesmo sentido o RAgExec. N.º 683.821/2, da 7a. C. do TACRIM-SP - SP - Rel. o MM. Juiz. Corrêa de Moraes, j. em 10.10.91 e RAgExec. N.º 663.825/9, da 1a. C. do TACRIM-SP _ SP _ Rel. o MM. Juiz Silva Rico, j. em 25.04.91. Neste passo, é fácil concluir que se a situação processual em um feito já estava definida, porém, respondia o agravante a outros feitos, e ainda assim, tornou-se desaconselhável sua progressão, com maior razão, quem ainda não foi condenado, não poderá iniciar o cumprimento da pena, em presídio especialmente dotado para o regime, semi-aberto ou fechado, porque também indefinida sua situação processual.

Como a situação é provisória, poderá ocorrer que estando ele em uma Cadeia Pública ou Distrito Policial, na sua cidade, onde o contato com seus familiares e até mesmo seu defensor se torna mais fácil, por isso, sendo de seu interesse ficar onde está, porque ali se vê processado, se recusasse a ser transferido, poderia o mesmo ser forçado a transferir-se? E as disposições legais dos artigos 102 e 103, da Lei de Execução Penal, como ficam? E a sustentação legal que sempre se conheceu, no sentido de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei? Qual lei? Se transferido, já no regime provisório, vier sofrer um acidente, morte em rebelião, praticar falta grave etc., não poderia ser indenizado, face o desvio de execução a que foi submetido, uma vez que extemporânea a "execução forçada", que só é justificável após o trânsito em julgado da sentença? Creio ser irrespondíveis tais questões.

Seria de se perguntar mais, se o regime imposto fosse o fechado, estando ele durante a fase "processual" em uma Cadeia Pública ou Distrito Policial, determinar-se-ia sua remoção para um grande Presídio da COESPE? Em caso positivo, poder-se-ia fazer os mesmos questionamentos já expendidos quanto ao semi-aberto diante da recusa etc. Pode-se acrescer mais. Qual o sentido prático ou até legal, da remoção provisória, do preso provisório, quando se diz que Cadeia Pública - art. 102 da Lei de Execução Penal - é o único local para preso dessa categoria? E os presos que já foram definitivamente condenados e ainda encontram-se nos distritos e nas cadeias, seriam removidos com prioridades? Nota-se que transportando-se da teoria para a prática, um número muito grandes de questões torna-se irrespondível.

Por outro lado, muito embora o Provimento afirme em seu art. 1o. " ... desde que o condenado esteja preso em decorrência de prisão processual, ..." se ao órgão da acusação não se dá o direito de exigir a execução provisória da pena, como entender ser executável a pena privativa, para atender interesses do sentenciado? E o princípio da igualdade das partes? Se apenas o réu recorrer, não querendo ele recolher-se provisoriamente, demorando seu recurso para ser apreciado, levando-se em conta o que dispõe o art. 112, I, c. c. o 117, IV, do Código Penal, poderia o recurso interposto, além dos efeitos normais, buscar ainda a prescrição. Nestas condições, para evitar-se que tal prescrição viesse a ocorrer, poderia o órgão da acusação exigir a execução provisória? Alguns questionamentos, se analisados pelo lado da prática, não encontram respostas na teoria da provisoriedade da execução. A teoria só se torna válida, quando não afronta a praticidade, mesmo porque, para que haja justiça não se pode admitir o antagonismo entre a teoria e a prática .

Cremos, pois, que torna-se de todo inviável a aceitação da execução provisória, sob pena de se perder a finalidade precípua da execução penal, mesmo porque, antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, não se há de falar em execução.

Demais disso, se a lei está em vigor desde o início de 1.985, admitindo tal possibilidade, estaremos desconhecendo o saber jurídico inserto em uma infinidade de julgados, que sempre repudiaram tal expediente. Tal como se colhe, à guisa de exemplo, dos seguintes arestos:

"Habeas corpus. Regime prisional. Necessidade do trânsito em

julgado da decisão condenatória. Somente com o trânsito em julgado do acórdão e expedição de carta e guia para a execução da pena é que será possível a remoção do paciente para o regime semi-aberto"(HC nº 108.406-3, 1ª C. do TJESP, Rel. Des. Manoel Carlos, j. 03/06/91).

E:

"Pena - Execução - Regime semi-aberto - Condenação não transitada em julgado . Cumprimento em regime fechado - arts. 105 e 147 da Lei Federal 7.210/84 - Constrangimento ilegal inocorrente - Ordem denegada" (HC nº 97.162-3 - Marília - 4ª C. do TJESP - Rel. Des. Dante Busana - RJTJESP - 130/548).

E:

"Além do mais, enquanto não passa em julgado a decisão condenatória, a prisão é provisória e, conseqüentemente, não se pode pleitear a transferência para regime nela estabelecido (STJ, RHC nº 230/SP, rel. Min. Anselmo Santiago, e RHC nº 2.417-7/SP, rel. Min. José Cândido; RT 660/292, 671/335 e 685/324; RJDTACRIM 6/192; TACRIM/SP, HC nº 222.544/0, rel. Juiz Barbosa de Almeida, HC nºs 227.126/6, 231.972/0 e 243.554/8, desta relatoria) (RJDTACRIM 18/164-165).

E:

"É de se observar, desde logo, que, não tendo havido trânsito em julgado, - pressuposto de expedição de carta-de-guia, - não se pode cogitar de impertinência de regime prisional, menos ainda de possibilidade ou impossibilidade de regressão, ou de submissão a regime menos rigoroso, posto que o paciente se acha preso apenas processualmente, até porque ainda inexiste, em nosso Direito, a execução provisória de condenação. Aliás, se a situação prisional do paciente fosse definitiva, deveria ele ser recolhido a estabelecimento prisional comum, em cumprimento de condenação, como previsto no próprio no Estatuto do Advogado e no Diploma Adjetivo Penal." (RHC 216.497-3/8 - Fernandópolis - SP - Quarta Câmara Criminal do TJESP - Rel. Des. Bittencourt Rodrigues - j. em 1o /10/96).

Para concluir vale lembrar que já há precedentes jurisprudenciais contrários à execução provisória, tal como se infere, à guisa de exemplo do trecho colacionado do seguinte julgado:

"... Ressalte-se inicialmente a condição do paciente de preso provisório, mercê de recurso por ele interposto contra a sentença, na conformidade das informações da autoridade apontada como coatora. Em tal hipótese mesmo que o recurso seja exclusivamente defensivo, não há como negar-se a vigência ao disposto nos artigos 84 e 102 da Lei de Execução Penal: o primeiro, no sentido de que o preso provisório ficará separado do condenado definitivo; e, o segundo, dispondo que a Cadeia Pública destina-se ao recolhimento dos presos provisórios.

É certo que há divergência de entendimento no casos de recurso exclusivamente defensivo, sobre a possibilidade de execução provisória, com remessa de guia de recolhimento e remoção do réu ao regime semi-aberto pendente a sentença de recurso.

Contudo, sem embargo de respeitáveis entendimentos que admitem a execução provisória, não é a orientação mais consentânea da LEP.

Em primeiro lugar a distinção entre preso provisório e condenado definitivo constitui a pedra angular e a própria espinha dorsal do sistema penitenciário; pois, a rigor, o preso provisório se insere no contexto jurídico da custódia cautelar ou processual, vale dizer, passível de revogação ou alteração, inclusive absolvição, no juízo condenatório ou no juízo ad quem, conforme o caso, sem que se possa falar em execução de sentença, máxime no que diz respeito ao regime de pena; pois, como mencionado, pode ser absolvido.

Em segundo lugar, tem aplicação ao caso o julgamento desta Câmara, do qual foi relator o Juiz Corrêa de Moraes, trazido à colação na decisão do digno Juiz das execuções da Comarca da Capital, que indeferiu a inclusão do paciente na lista de remoção ao regime semi-aberto, si et in quantum não ocorra o trânsito em julgado da condenação do paciente, (fls. 43). Como ressaltado naquele aresto, (HC 336.234/6), o preso provisório que ingressa na lista de espera do regime semi-aberto, à evidência, culmina por preterir condenados definitivos; pois, estes têm sua situação processual não só definitiva, como também, muitas vezes, obtiveram a progressão ao regime semi-aberto após o cumprimento de parte da pena no regime fechado, quando então entraram na lista de espera do regime prisional intermediário.

Já os presos provisórios, eventualmente, podem até obter a absolvição. Daí a inatacabilidade da mens legis da LEP, ao não prever a execução provisória da sentença, cujas disposições dos artigos 84 e 102 até hoje não foram consideradas inconstitucionais.

Ressalte-se, por último, que a falta de vagas em estabelecimentos prisionais do regime semi-aberto só pode ser havida como constrangimento ilegal em relação aos condenados definitivo; não, relativamente aos presos provisórios, como é o caso do paciente.

Nesse sentido, pela letra e pelo espírito da Lei de Execução Penal, como mencionado, o preso provisório não só deverá permanecer na Cadeia Pública (art. 102), como deverá ficar separado do condenado definitivo (art. 84). Por conseguinte, sit in quantum não ocorrer o trânsito em julgado da sentença, pendente de recurso interposto pelo paciente, sua permanência na Cadeia Pública não constitui constrangimento ilegal: de um lado, porque não há previsão na LEP para a execução provisória; de outro, por eu poderá ele ser absolvido em sede de seu recurso em tramitação ; por fim, a execução provisória, nesse caso, acaba por preterir outros condenados definitivos, conforme já mencionado.

Isto posto, denega-se a ordem" ( RHC 349.552/8 - SP - 7a. C. TACRIM-SP - Rel. Juiz S. C. Garcia - j. 07.10.99)

É de se concluir, pois, que a Lei de Execução Penal não admite a execução provisória. Todavia, a nossa jurisprudência, tanto do STJ como do STF, tem admitido a execução provisório, em caso apenas e tão-somente de restar pendente o processamento de recurso especial ou extraordinário interposto contra o acórdão, por não possuírem tais recursos efeito suspensivo. Pretório Excelso:

"Habeas Corpus. Paciente condenado a três anos de reclusão, pelo crime do art. 213 do Código Penal. Pretendido cumprimento da pena em liberdade, por inexistência de casa do albergado ou estabelecimento da sentença, ou enquanto recorre da decisão.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que a inexistência de estabelecimento adequado ao regime aberto não autoriza a aplicação da prisão domiciliar. Prevalência do interesse público na efetivação da sanção penal, em detrimento do interesse individual do condenado.

Entendimento igual assentado nesta Corte de que os recursos extraordinários e especial, por não estarem revestidos de efeito suspensivo, não impedem a execução provisória da pena de prisão.

Habeas Corpus indeferido" (HC 71723/SP - Rel. Min. Ilmar Galvão - j. 14.3.95, DJU 16.6.95, p. 18.215).

E:

"Habeas-corpus. Crime de atentado violento ao pudor. Execução provisória de julgado do Tribunal de Justiça, em grau de apelação, na pendência de processamento dos recursos especial e extraordinário. Alegação de ofensa ao art. 5°, LVII, da Constituição: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

1. Esgotadas as instâncias ordinárias e pendente, apenas, decisão em agravo de instrumento interposto contra indeferimento de recurso extraordinário ou especial, é de ver-se que estes recursos extraordinários não têm o condão de sustar a execução provisória do ato condenatório, porque não possuem o efeito suspensivo, mas, exclusivamente, o devolutivo (art. 27, § 2°, da Lei n° 8.038/90).

2. Inexistência de ofensa ao inciso LVII do art. 5° da Constituição. Precedentes das duas Turmas.

3. Habeas-corpus conhecido, mas indeferido, ficando vencido o Ministro-Relator e cassada a liminar" (HC-74852/SP - Rel. Min. Maurício Correa, j. 1.4.97, DJU de 23.5.97, p. 21726).

Essa orientação é também adotada no Colendo Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL PENAL. "HABEAS CORPUS" SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. EXECUÇÃO PENAL. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL. EFEITO. REITERAÇÃO DE PEDIDO.

I - Contra decisão condenatória de segundo grau cabem, apenas, em princípio, recursos de natureza extraordinária - recurso especial e recurso extraordinário - sem efeito suspensivo (art. 27, § 2º da Lei nº 8.038/90), razão pela qual pode ser dado cumprimento ao mandado de prisão em forma de execução provisória.

II - Não se conhece de recurso ordinário cujo objeto é idêntico ao de "writ" já julgado.

Recurso não conhecido.

Por unanimidade, não conhecer do recurso"( RHC 7290/SP - Rel. Min Felix Fischer - j. em 7.4.98 - DJU de 19.10.98, p. 113).

Não bastasse isso, para arrematar já há no entender de Rogério Lauria Tucci, o provimento que instituiu a execução provisória esbarra na inconstitucionalidade. Assim escreveu o mestre processualista:

Inconstitucionalidade do Provimento nº 653/99 do

Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça

ROGÉRIO LAURIA TUCCI (IBCCRIM - n°86 - janeiro/2000 - pág. 006/7)

1. Provimento nº 653/99 e sua "regulamentação"

1.1. Na esteira de equivocado (e, por isso mesmo, inaceitável...) entendimento jurisprudencial, criativo da denominada execução provisória penal, inexistente no ordenamento jurídico nacional, o Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo editou Provimento, que tomou o nº 653/99 e foi publicado no Diário da Justiça de 14 de abril p. passado, na pág. 01.

1.2. Determinando, no art. 1º, a expedição de "guia de recolhimento provisória", ao ensejo do recebimento de recurso da sentença condenatória, estando o condenado "preso em decorrência de prisão processual"; aduziu, no art. 2º, a forma da providência no tocante aos "processos que já se encontram no Tribunal", e no art. 3º que a Corregedoria-Geral da Justiça deveria adaptar "suas Normas de Serviço às disposições deste Provimento".

1.3. Em atendimento à ordenação desse último dos referidos dispositivos, a Corregedoria-Geral da Justiça, por sua vez, expediu o Provimento nº 15/99, publicado no Diário da Justiça de 19 de abril, à pág. 08, "regulamentando", por assim dizer, a execução provisória e a conseqüente guia de recolhimento provisória.

2. Manifesta inconstitucionalidade dos Provimentos

2.1. Isso, necessariamente, posto, bem é de ver, num relance, à simples leitura dos respectivos termos, que esses indicados Provimentos revestem-se de manifesta inconstitucionalidade. Se não, vejamos:

2.2. Tem-se, com efeito, e à evidência, que a determinação de prisão "processual" do condenado, pelo simples fato da condenação, estabelecida em ato decisório recorrido, ou recorrível (decorrente, portanto, e meramente, de julgamento de mérito sujeito a recurso), a par de - como procuraremos demonstrar logo adiante - aberrar do sistema vigorante em nosso ordenamento jurídico, afronta a preceituação contida no inc. LVII do art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

2.3. Como já tivemos, várias vezes, a oportunidade de anotar, em diversificados escritos (v., por exemplo, "Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro", São Paulo, Saraiva, 1993, pp. 401 e segs.; com lastro nos magistérios, dentre outros, de Guglielmo Sabatini,"Principii di Diritto Processuale Penale", 3ª ed., Catânia, Casa del Libro ed., 1948, vol. I, pp. 38/39; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, "Constituição da República Portuguesa Anotada", 2ª ed., Coimbra, Coimbra ed., 1984, 1º vol., p. 215; e Danièlle Saint-Laurent, "Principes de Droit Constitucionnel et Pénal", Quebec, Modulo ed., 1986, p. 117), segundo o transcrito mandamento constitucional, tem o cidadão envolvido numa persecutio criminis o direito à não-consideração prévia de culpabilidade, isto é, o de não ser considerado culpado até o trânsito em julgado de decisum condenatório.

2.4. Clarifica Sabatini a essência desse direito, de cunho universal (cf., e.g., Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, art. 8, nº 2), enfatizando, com a habitual precisão (e em livre tradução nossa), que: "O imputado é sempre, e só, imputado, para o fim de desenvolvimento do processo. Então, não é considerado nem inocente, nem culpado. E se, todavia, no Direito moderno, se precisa o que significa, e o que deva significar, a expressão 'ser imputado', deve concluir-se que as normas processuais não são destinadas a tutelar uma apriorística presunção de inocência, mas a contemplar a complexidade de escopos a que tende a instauração e o desenvolvimento do processo, especialmente nas relações decorrentes da pessoal e concreta situação do imputado no curso do procedimento".

2.5. Ora, isso significa que o acusado, enquanto tal, somente poderá ter sua prisão provisória decretada, quando esta assuma natureza cautelar (casos, unicamente, no ius positum brasileiro, de prisão em flagrante, temporária ou preventiva); vale dizer, quando ela não se presente com caráter meramente processual, posto que resultante, simplesmente, de ato decisório recorrido, ou recorrível.

2.6. E, assim sendo, mesmo que este só possa ser impugnado mediante recurso especial ou extraordinário, recebíveis a processamento apenas no efeito devolutivo, impõe-se, para a segregação prévia do condenado, que o ato decisório proferido por órgão jurisdicional colegiado de segundo grau, simultaneamente com a condenação, decrete a prisão preventiva com supedâneo num dos requisitos estatuídos no art. 312 do Código de Processo Penal.

2.7. A não ser assim, a ordem de prisão, não cautelar, mas tipicamente processual, presentar-se-á, induvidosamente, equivocada, consistindo em constrangimento ilegal à liberdade de locomoção do condenado.

2.8. Ademais, e como, igualmente, cediço, é inadmissível "regulamentação" de lei por simples provimento, emanado de outro Poder que não o Legislativo, especialmente quando, como na situação ora analisada, ele afronta, não somente os dispositivos legais cuja aplicação pretende disciplinar, mas, também, e precipuamente, o sistema que estes integram: tal o despautério, que a verificação da respectiva inconstitucionalidade prescinde de mais extensas considerações!...

3. Breve verificação do sistema executivo penal

3.1. Nesse derradeiro enfoque, não constituirá, por certo, demasia a relembrança de que inexiste, em nosso sistema executivo penal, a denominada execução provisória: a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, ao regulamentar a execução de ato decisório condenatório, contempla, tão-somente, aquele que, preclusos os prazos para os respectivos recursos, tenha transitado em julgado.

3.2. Tanto isso é certo, que o parágrafo único do art. 2º, excogitando de execução provisória, alude, com exação, a preso provisório, ao qual são concedidos os mesmos direitos e determinados os mesmos deveres do preso definitivamente condenado (cf. item 17 da Exposição de Motivos do Projeto, expressando que a "igualdade da aplicação da lei ao preso provisório", assim como a condenados pela Justiça Eleitoral ou Militar, "visa a impedir o tratamento discriminatório de presos ou internados..."; e arts. 39, parágrafo único, 40, 41 e 42).

3.3. Além do que, mencionado diploma legal estabeleceu um, único, pressuposto (certamente, jurídico) da execução penal, qual seja o título executivo consubstanciado em sentença condenatória coberta pela coisa julgada; expressando o conjunto dos arts. 105, 107, 171 e 172 que ninguém poderá ser recolhido a estabelecimento prisional, ou internado em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, sem a respectiva guia, expedida pela autoridade judiciária competente, após o trânsito em julgado de sentença impositiva de pena privativa de liberdade ou de medida de segurança.

3.4. Ora, incumbe ao intérprete, na aplicação da lei, a par da verificação dos fins sociais aos quais ela se destina, observar detidamente o sistema em que se posta, buscando fazê-lo exegeticamente.

3.5. Como, a esse propósito, agudamente, intuiu a eminente desembargadora federal, do Tribunal Regional da 3ª Região, Suzana Camargo, em voto proferido no julgamento do Habeas-Corpus nº 97.03.038827-2, de São Paulo, e de todo ajustável a situações como a neste breve estudo objetivada, verbis: "O sistema jurídico é um conjunto uniforme e sincrônico de normas, pelo que não há como considerar umas normas e não outras, ou mesmo, sob o pretexto de estar a aplicar uma regra, procedendo a responsabilização penal do agente do crime, olvidar outras que representam garantias outorgadas a esse próprio agente".

3.6. E, de resto, para não nos alongarmos demasiada e desnecessariamente, fazemos nossas as observações de Fernando da Costa Tourinho Filho, "Processo Penal", cit., 4º vol, p. 374; e de Antônio Magalhães Gomes Filho, "Presunção de Inocência e Prisão Cautelar", São Paulo, Saraiva, 1991, p. 86, a saber:

3.6.1. Explicita Tourinho Filho que "não é pelo fato de a prisão resultante de sentença penal condenatória recorrível haver perdido o caráter de 'provisória execução da pena' que a Justiça deva justificá-la, sob outro fundamento..." e,

3.6.2. Ressalta Magalhães Gomes Filho, com a mesma exação, que: "... Essencialmente, em face dessas garantias, não é legítima a prisão anterior à condenação transitada em julgado, senão por exigências cautelares indeclináveis de natureza instrumental ou final, e depois de efetiva apreciação judicial, que deve vir expressa através de decisão motivada".

3.7. Em suma, e como, agudamente, preleciona Jorge de Figueiredo Dias, "Direito Processual Penal", Coimbra, Coimbra ed., 1974, 1º vol., p. 436, é fundamental, em matéria de encarceramento prévio do acusado, que "as medidas coactivas só devem ser utilizadas quando absolutamente necessárias (princípio da necessidade)".

4. Considerações finais e conclusivas

4.1. Qualquer o ângulo visualizado, enfim, verifica-se a flagrante inconstitucionalidade do analisado Provimento nº 563/99, e, por via de conseqüência, de sua "regulamentação", pelo de nº 15/99, da Corregedoria-Geral da Justiça; motivo pelo qual não deverá ser expedido mandado de prisão ou de internamento, que constitua, apenas, efeito de simples fato de condenação por ato decisório penal sujeito a recurso ou recorrido.

4.2. Isso porque, como esclarecido, diversificadamente até, na exposição ora procedida, nesse caso, ou seja, sem que determinada com base num dos requisitos estatuídos no art. 312 do Código de Processo Penal, a ordem de prisão consistirá, induvidosamente, em constrangimento ilegal à liberdade de locomoção do acusado não definitivamente condenado, a ser combatido, também pela via heróica do habeas-corpus.

4.3. Aliás, a solução do imaginário problema afigura-se-nos facílima, bastando ter-se na devida conta que: a) ao preso provisório são assegurados os mesmos direitos (v.g. à progressão na execução da pena privativa de liberdade) conferidos ao definitivamente condenado (v., a respeito, Júlio Fabbrini Mirabete, "Execução Penal", 8ª ed., São Paulo, Atlas, 1997, pp. 41/42); b) a prisão provisória de natureza cautelar, mesmo sendo decretada por ocasião do proferimento de ato decisório condenatório, ajusta-se, óbvia e perfeitamente, ao sistema penal brasileiro, considerado, em técnico e jurídico rigor, na sua integridade; e, c) por via de conseqüência, como visto, excogitável é, em seu âmbito, a denominada execução provisória.

4.4. Como anota Sidnei Agostinho Benetti, "Execução Penal", São Paulo, Saraiva, 1996, pp. 89/90 (cujo alvitre endossamos, todavia sem a restrição atinente às situações em que irrecorrido, pela acusação, o julgamento condenatório: cf., e.g., o julgamento do Habeas-Corpus nº 695, pelo Superior Tribunal de Justiça, relator ministro José Dantas, in DJU de 07.10.91), o impasse sistemático resolve-se com a antecipação cautelar de efeitos da sentença definitiva, mediante a aplicação, em favor do preso provisório, na "regra geral de cautelas e contracautelas processuais penais, à luz das garantias constitucionais da presunção de inocência, do devido processo legal e da exata medida da pena"; resolvendo-se, desse modo, "a indesejável situação de restrição a direitos materialmente incontestáveis do condenado, sem problemas processuais derivados da caracterização, como execução provisória, de atos puramente nutridos de cautela".

4.5. Em epítome, para obviar, num simples equacionamento, qualquer imaginária dificuldade posta à correta aplicação da Lei de Execução Penal, basta ter-se na devida conta que, não podendo ser iniciada a execução de sentença condenatória antes do respectivo trânsito em julgado, incumbirá, ao órgão jurisdicional pronunciante da condenação, se for o caso, decretar a prisão preventiva do acusado, que, então, como preso provisório, assumirá a titularidade de todos os direitos e deveres concedidos aos definitivamente condenados.

4.6. Bem a propósito, como, certamente, diria o emérito professor Hélio Tornaghi, legem habemus, e, destarte - complementamos -, não é dado ao intérprete, instado à sua aplicação, por dever funcional, ignorá-la. E, muito menos, à conspícua cúpula do Poder Judiciário paulista, pisoteá-la, fazendo tábula rasa de sua existência...

O autor é professor titular aposentado e regente da disciplina Direito Processual Penal no Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

III- A SÚMULA 40 DO STJ E A SAÍDA TEMPORÁRIA

De há muito se questiona a saída temporária para o condenado ao cumprimento da pena inicialmente no regime fechado, após a edição da Súmula 40, do STJ. Laborando nas Promotorias das Execuções Criminais da Capital, entendíamos que, para ter o direito às saídas temporárias, art. 122, da Lei 9210/84, o condenado teria que cumprir no regime semi-aberto, no mínimo um sexto da pena se primário ou um quarto se reincidente (art. 123, II), comprovados os demais requisitos .

Esse entendimento solidificava-se nas próprias exigências legais, pois, cada regime prisional tem suas características próprias. Aliás, não poderia ser de outra forma, sob pena de descaracterizá-los. Entendíamos e continuamos assim entendendo, que se o condenado é promovido do regime fechado para o semi-aberto, ao ingressar nesse, é como se ele, para todos os efeitos, começasse a cumprir outra pena, considerando-se o restante a cumprir. E, outro não pode ser o entendimento, pois, se quase tudo será considerado em razão da pena que resta para cumprir. É assim que se considera, para efeito de prescrição, em caso de fuga; para o efeito de progressão ao regime aberto etc. Com efeito, no regime semi-aberto há de se estabelecer uma situação de igualdade entre os direitos e os deveres, tanto para os oriundos do regime fechado, como para aqueles que ingressaram diretamente no semi-aberto. Não é demais lembrar que se o legislador tratou da saída temporária, somente no regime semi-aberto, não haveria como entender-se que o condenado que tivesse ingressado no regime fechado, trouxesse como crédito, o tempo anteriormente cumprido, para dele valer-se, em detrimento daquele que, até por razões obvias houvesse ingressado diretamente no regime semi-aberto.

Todavia, tal entendimento que era abraçado pela quase unanimidade dos Juízes e Promotores, deixou de existir em razão da edição da Súmula 40, do STJ, que assim dispôs: "Para a obtenção dos benefícios de saída temporária e trabalho externo, considera-se o tempo de cumprimento da pena no regime fechado."

Muito embora se respeite e se acate o entendimento sumulado, data vênia, na prática a mesma mostra-se injusta. Exemplifico com a prática: Dois condenados primários, um foi apenado a <30> anos de reclusão, pela pratica de vários roubos qualificados e outro condenado apenas por um roubo qualificado, cuja pena imposta foi de <05> anos e <04> meses de reclusão. O primeiro, em razão da pena imposta, iniciou o cumprimento das penas no regime fechado. Cumprido um sexto das mesmas - <05> anos - restando <25> anos, para cumprir, promovido, ingressa no regime semi-aberto e, já está em condições de visitar seus familiares. No mesmo dia que este ingressou no aludido regime, o segundo condenado, por coincidência no mesmo presídio, todavia, em razão do que dispõe o art. 123, II, da Lei de Execução Penal, para obter o benefício da saída temporária, terá de cumprir < 10> meses e <20> dias de pena. Ora, evidente que estamos diante de uma grande injustiça. A prática está a demonstrar, data vênia, que a referida Súmula, provocou uma situação de desconforto, face a desigualdade de tratamento, onde se confere o benefício a quem foi rigorosamente mais apenado, deixando ao relento indivíduos condenados uma única vez.

Outro fator que merece consideração é que no regime fechado, de acordo com o art. 120 da Lei de Execução Penal, pode o condenado obter a autorização para sair do presídio mediante escolta. Subentende-se, pois, que ocorrendo qualquer dos fatos enumerados nos incisos I e II, do citado artigo, poderá o condenado, que iniciou no regime semi-aberto, dele se beneficiar, desde que escoltado, mesmo estando no regime semi-aberto, porém, sem que ainda tenha cumprido o requisitos temporal. Tal fato, ao que nos parece, é inquestionável, pois, se no regime mais rigoroso pode, com maior razão poderá tal saída ocorrer no mais brando. Posto isso, mais uma vez, resta claro que para cumprir a lei, considerando-se a Sumula em comento, seria de se exigir mais do menos e menos do mais. Explico: para o condenado que ingressou diretamente no regime semi-aberto, no caso do disposto no art. 120, I e II, da Lei de Execução Penal, por não ter ainda cumprido o lapso temporal, seria exigível o acompanhamento de escolta, ao passo que do oriundo do regime fechado, nada haveria de ser exigido.

Se perguntássemos a qualquer cidadão, mesmo que sem formação jurídica, qual dos dois condenados teria o direito a ser beneficiado com a saída temporária, por certo ele indicaria aquele que foi condenado uma única vez.

Os mais variados argumentos poderiam ser usados, todavia, se a própria lei, genericamente falando, não pode promover injustiças, o que se pode afirmar da Súmula? A pergunta é facilmente respondível. Se a lei for injusta, cabe ao legislador revogá-la ou elaborar outra para evitar injustiças. Por conseguinte se a Súmula for injusta cabe ao órgão que a elaborou modificá-la ou suprimi-la.

Como a Súmula não pode mudar a lei, em razão até da hierarquia do sistema legal vigente em nosso país, face a injustiça por ela provocada, melhor seria que o Egrégio Superior Tribunal de Justiça revisse tal entendimento. A propósito, Miguel Reale "in " Lições Preliminares de Direito, Saraiva, ed. de 1991, páginas 174/5, ao tratar da jurisprudência assim se manifesta:

"Há uma diferença de grau entre as jurisprudências. A jurisprudência do Supremo Tribunal tem mais força, porquanto, aos poucos os juízes vão se ajustando aos julgados dos órgãos superiores. Não há, porém obrigatoriedade de fazê-lo. Pode um juiz de São Paulo, convicto de uma tese, nela se basear para proferir uma decisão, embora contra o seu entendimento se tenham manifestado reiterados julgados do Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.

O juiz é autônomo na interpretação e aplicação da lei, não sendo obrigado a respeitar, em suas sentenças, o que os tribunais inferiores ou superiores hajam consagrado como sendo de direito. Nem tampouco os advogados devem exercer a sua profissão com os olhos postos exclusivamente no que os tribunais decidem. Há advogados, cuja sabedoria consiste em fazer fichas de decisões dos tribunais, para seguirem, pari passu e passivamente, tudo aquilo que no foro se dite ou se declare como sendo Direito. Muitas vezes, entretanto, a grandeza de um advogado consiste exatamente em descobrir uma falha na jurisprudência tradicional, abrindo caminhos novos na interpretação e aplicação do direito. O verdadeiro advogado é aquele que, convencido do valor jurídico de uma tese, leva-a a debate perante o pretório e a sustenta contra a torrente de sentenças e dos acórdãos, procurando fazer prevalecer o seu ponto de vista, pela clareza do raciocínio e a dedicação à causa que aceitou. É nesse momento que se revela advogado por excelência, que se transforma em jurisconsulto.

Estão vendo como a tarefa de jurisprudência é árdua e complexa, oferecendo graduações que visam a atingir soluções unitárias, graças às quais o direito se aprimora, mas, às vezes, também sofrer a crise de exegeses irregulares, deturpadas, que só o tempo logra corrigir. Através de diferentes formas de prejulgados abre-se uma clareira à uniformização da jurisprudência. Os recurso ordinários e extraordinários ao Supremo Tribunal, por sua vez, vão estabelecendo a possível uniformização das decisões judiciais, tendo partido de nossa mais alta Corte de Justiça a iniciativa de coordenar ou sistematizar a sua jurisprudência mediante enunciados normativos que resumem as teses consagradas em reiteradas decisões. São as "súmula" do Supremo Tribunal, que periodicamente vêm sendo atualizadas, constituindo, não um simples repertório de emendas e acórdãos, mas sim um sistema de normas jurisprudenciais a que a Corte, em princípio, subordina os seus arestos.

Dizemos "em princípio", pois as "súmulas" são sempre suscetíveis de revisão pela própria Corte Suprema, e não tem força obrigatória sobre os demais juízes e tribunais, os quais conservam íntegro o poder-dever de julgar segundo suas convicções.

Podemos dizer que as súmulas são como que uma sistematização de prejulgados, ou, numa imagem talvez expressiva , "o horizonte da jurisprudência, que se afasta ou se alarga à medida que se aprimoram as contribuições da Ciência Jurídica, os valores da doutrina, sem falar, é claro, nas mudanças resultantes de novas elaborações do processo legislativo".

Cremos pois, que da forma com se aplicava a lei, antes da Súmula, não se observava tais injustiças. Voltemos ao exemplo inicialmente citado. O indivíduo condenado a cumprir trinta anos de prisão, ao ingressar no regime semi-aberto, para ter direito à saída temporária, teria de cumprir se primário um sexto do restante da pena, no caso, <04> anos e <02> meses. Por outro lado, aquele que foi condenado por um único crime, obteria tal direito após cumprir <10> meses e <20> dias. Esta posição nos afigura mais justa, porque exige-se menos de quem em tese é menos criminoso e mais de quem é mais criminoso, isso quanto ao lapso temporal, para obtenção do benefício.

Não caberia aqui a argumentação, que a Súmula seria mais benéfica, pois, levando-se em consideração, o que dispõe o artigo 112, da Lei de Execução Penal, o réu primário que estivesse no semi-aberto, mas fosse oriundo do regime fechado, só poderia obter o benefício da saída temporária, quando já estivesse em condições de ser promovido ao regime aberto. Essa argumentação traria como suporte o fato de que, tanto para esse regime como para o benefício em comento exige-se o cumprimento de 1/6 da pena. Essa tese não vingaria, pois, para obter-se a progressão ao regime aberto as exigências são maiores, a exemplo da elaboração do exame criminológico, folha de antecedentes, certidões, etc., ao passo que para a saída temporária poucas são as exigências. O mesmo poderia se dizer com relação ao reincidente, que encontra-se no regime semi-aberto, porém, oriundo do fechado. O fato de exigir-se 1/6 para a progressão ao aberto e 1/4 para a saída temporária, não implica em injustiças, pois, só é reincide quem assim desejar. A liberdade começa para todos em estado de igualdade, se assim não preferiu o delinqüente, torna-se muito justo exigir-se dele mais do que os primários. Aliás, à luz do que dispõe o art. 33, § 2o. do Código Penal, o reincidente, por ser assim considerado, não estaria autorizado a ingressar de imediato no regime semi-aberto. Este fato por si só, seria um impeditivo, contra qualquer outra argumentação

Parece-nos bastante claro, que em um sociedade de direito, a norma penal ou correlata, é feita para proteger o cidadão, cabendo aos delinqüentes, querendo, amoldarem-se as suas exigências. Não havendo como admitir-se posições adversas.

O presente trabalho foi modestamente elaborado pelo Dr. Rubens Rodrigues, Procurador de Justiça, com atribuições junta a 3a. Procuradoria de Justiça.

Criticas e sugestões serão sempre bem vindas pelo E-mail: [email protected].

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