MAIORIDADE
CIVIL E APLICAÇÃO DE MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS ÀS PESSOAS ENTRE 18 E 21 ANOS
Aplicação de
medidas sócio-educativas a menor infrator, que possua entre 18 e 21 anos de
idade – caráter ainda em formação - necessidade de proteção especial do Estado
- Ato infracional cometido antes de completar os 18 anos de idade –
Providências amparadas pelos arts. 2º, § único, 104, § único, 112/125, com
destaque para o art.121, § 5º, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA
(Lei nº 8.069/90) – Advento do Novo Código Civil (Lei nº 10.406/02), cujo
art.5º reduziu de 21 para 18 anos, a idade para aquisição da maioridade civil –
Artigo 2º, § 1º e § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil – Inocorrência de
revogação expressa ou tácita - Matérias substancialmente diversas – Fins
distintos a serem alcançados - Lei de caráter geral (Cód.Civil), que não pode
revogar lei de caráter especial (ECA) – O ECA também se aplica a
"pessoas" entre 18 e 21 anos, e não a "menores" entre 18 e
21 anos, conforme art.2º, § único, da Lei nº 8.069/90 – Ausência de vinculação
de um diploma legal a outro – Menor autor de ato infracional que não pode ficar
sem providências do Estado – Retorno ao convívio social ou cessação da medida
sócio-educativa, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente, respeitado
o limite máximo de 21 anos de idade (arts. 2º, § único, do ECA).
O
novo Código Civil (Lei nº 10.406/02), em seu art.5º, diminuiu a idade para
aquisição da maioridade civil, de 21 para 18 anos.
A
questão que se coloca, é saber se esta diminuição impede, ou não, a aplicação e
cumprimento de medidas sócio- educativas, previstas no Estatuto da Criança e do
Adolescente ( Lei nº 8.069/90 – ECA), às pessoas entre 18 e 21 anos, que tenham
cometido atos infracionais antes de completados os 18 anos de idade.
A
resposta deve ser com certeza negativa, posto que o art.5º do novo Código Civil
efetivamente não revogou as disposições do Estatuto da Criança e do
Adolescente, que estabelecem a aplicação de medidas sócio-educativas às pessoas
entre 18 e 21 anos (artigos 2º, § único, 104, § único, 112/125, com destaque
para o art.121, § 5º, da Lei nº 8.069/90 - ECA).
O
art.2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil, é expresso em determinar
que "a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare,
quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que
tratava a anterior."
Pois
bem. O Código Civil não revogou expressamente os artigos citados do Estatuto da
Criança e do Adolescente, nem se revela com eles incompatível, e nem regulou
inteiramente a matéria de que trata o Estatuto da Criança e do Adolescente.
A
falta de revogação expressa dispensa maiores comentários, podendo ser extraída
do art.2.045 do novo Código Civil que, dentre as normas expressamente
revogadas, não incluiu nenhum dispositivo da Lei nº 8.069/90, que é o Estatuto
da Criança e do Adolescente em vigor no País.
Por
outro lado, não há nenhuma incompatibilidade entre o art.5º do novo Código
Civil, e as referidas disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente.
E
isto porque tais diplomas legais tratam de matérias substancialmente diversas.
Assim
é que, enquanto o art.5º do novo Código Civil estabelece a idade em que o
indivíduo se torna habilitado para a prática de todos os atos da vida civil,
podendo celebrar contratos e contrair obrigações sem a presença de
representante ou assistente (art.5º, da Lei nº 10.406/02), os citados artigos
do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelecem que o menor de 18 anos, que
pratica ato infracional antes de completar esta idade, fica sujeito às normas
do Estatuto da Criança e do Adolescente, devendo cumprir a medida
sócio-educativa que lhe venha a ser imposta judicialmente, visando-se à sua
recuperação, obedecido o limite máximo de 21 anos (artigos 2º, § único, 104, §
único, 112/125, com destaque para o art.121, § 5º, da Lei nº 8.069/90 - ECA).
Assim,
enquanto o art.5º do novo Código Civil regula a aquisição da maioridade civil,
os artigos 2º, § único, 104, § único, 112/115, e especialmente o art.121, § 5º,
do ECA, estão a regular a aplicação de medidas sócio-educativas à pessoa que
tenha cometido ato infracional antes de adquirir 18 anos de idade, mas que
quando do cumprimento da medida, possua entre 18 e 21 anos.
Ora,
se o objeto tratado pelos dispositivos legais em apreço são diversos, se
afigura absurdo sustentar a modificação de um pelo outro, não havendo
incompatibilidade entre as normas que, assim, podem e devem continuar
coexistindo.
Deve-se
ter em vista também, o aspecto teleológico destas normas, a reforçar ainda mais
a diversidade de seus objetos.
Assim
é que, o objetivo visado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, ao prever a
possibilidade de sua aplicação às pessoas entre 18 e 21 anos, nas hipóteses
expressamente previstas pela lei (art.2º, § único da Lei nº 8.069/90), foi
impedir que os menores de 18 anos, autores de atos infracionais antes de
completada tal idade (art.104, § único, do ECA), ficassem sem nenhuma providência
do Estado, pelo só fato de virem a adquirir a maioridade durante o curso da
Sindicância, ou durante o curso de cumprimento da medida já anteriormente
imposta.
O
fim objetivado pelo ECA foi, assim, evitar a ausência do Estado, do Direito e da
Justiça, àqueles que cometeram atos infracionais antes de completar os 18 anos
de idade.
Imagine-se,
exemplificativamente, a hipótese de um adolescente vir a praticar um homicídio,
um seqüestro, um latrocínio, um estupro, ou qualquer outro ato infracional, com
16 ou 17 anos de idade, vindo a lhe ser imposta a medida da internação, por
prazo indeterminado, conforme estabelece o art.121, § 2º, do ECA.
Este
menor, caso não houvesse a norma do art.2º, § único, do ECA, determinando a sua
aplicação às pessoas entre 18 e 21 anos de idade, poderia ficar sem nenhuma
providência do Estado, caso tivesse cometido o ato infracional às vésperas da
aquisição dos 18 anos de idade, ou mesmo ter a medida interrompida antes de
atingida a sua finalidade pedagógica e educacional.
Tal
hipótese levaria a um verdadeiro absurdo social e jurídico, posto que não se
pode, em um Estado de Direito, admitir-se que alguém possa cometer atos tão
reprováveis, e permanecer parcial ou totalmente imune a qualquer providência do
Poder Público.
Contraria
o bom senso de qualquer cidadão comum, e o que é pior, se constituiria em forte
estímulo à prática de atrocidades às vésperas de se completar 18 anos de idade,
em flagrante desrespeito aos direitos maiores garantidos em nossa Constituição
Federal, relativos à inviolabilidade do direito à vida e à segurança (art.5º,
"caput", da CF).
Assim,
para se afastar a possibilidade da existência de um período dentro do qual o
Estado não pudesse agir, é que o ECA estabeleceu a sua aplicação às pessoas
entre 18 e 21 anos, nas hipóteses expressamente previstas pela lei (art.2º, §
único do ECA). Assim, em consonância com este limite máximo de 21 anos, é que
se fixou o limite máximo de internação em 3 anos (art. 121, § 3º, do ECA), de forma
a que aquele que comete ato infracional com 17 anos de idade, ainda possa
responder pelo seu ato, permanecendo internado até os 21 anos de idade.
Os
21 anos, portanto, estabelecido como limite máximo de cumprimento das medidas
sócio-educativas pelo art.2º, § único do ECA, teve em vista não o início da
maioridade civil que, antes do advento do novo Código Civil, se atingia
coincidentemente com 21 anos de idade, mas sim a necessidade social e jurídica
de o Estado poder agir sempre, diante de graves violações aos seres humanos,
evitando-se, assim, períodos de absurda anarquia.
O
Estatuto da Criança e do Adolescente teve em vista também - como muito bem
observado pelo recente acórdão proferido pela Colenda Câmara Especial do
Tribunal de Justiça de São Paulo, cuja ementa será mais abaixo transcrita – que
entre os 18 e os 21 anos de idade, a pessoa "ainda tem o caráter em
formação, necessitando de proteção especial do Estado, não obstante possam ser
consideradas aptas para a prática dos atos da vida civil" ( HC
101.288-0/0-00 – j.31.03.03-Relator Denser de Sá).
O
Código Civil, por sua vez, ao reduzir dos 21 para os 18 anos a idade para
aquisição da maioridade civil, teve em vista apenas permitir, aos que
completaram 18 anos de idade, a possibilidade de praticarem, autonomamente, os
atos da vida civil, sem necessidade de assistência ou representação.
O
art.5º do novo Código Civil, à evidência, não teve por fim modificar as regras
do Estatuto da Criança e do Adolescente, no tocante ao prazo de cumprimento das
medidas sócio-educativas, até porque esta matéria não é em absoluto regulada
pelo Código Civil, mas apenas pelo ECA.
Portanto,
não há dúvida de que cada um dos diplomas legais ora em análise, trata de
situações jurídicas diversas, sendo diversos os fins a que visam
respectivamente atingir, não havendo que se falar em incompatibilidade entre
tais normas, e nem conseqüentemente em revogação tácita de uma pela outra.
Analisando-se
agora a terceira hipótese de revogação de normas estabelecida pelo art. 2º, §
1º , da Lei de Introdução ao Código Civil, temos que ela também não se verifica
na espécie ora em foco, eis que o Código Civil, repita-se, não tratou nem
parcial, muito menos inteiramente, da matéria regulada pelo ECA, relativa à aplicação
de medidas sócio-educativas a menores infratores.
Acresça-se
ainda, como mais um motivo a demonstrar que o art.5º, do novo Código Civil não
revogou o art. 2º, § único do ECA, que o Estatuto da Criança e do Adolescente,
se constitui em um diploma de caráter especial, tal qual concebido pelo art.228
da Constituição Federal, destinado especificamente a regular os direitos da
criança e do adolescente, e das pessoas entre 18 e 21 anos, em hipóteses
expressamente previstas, diferentemente do Código Civil, que se consubstancia
em norma de caráter geral, destinada a regular todos os aspectos da vida civil
da pessoa humana.
Deve-se
aplicar aqui, portanto, o disposto no art.2º, § 2º, da Lei de Introdução ao
Código Civil, segundo o qual "a lei nova, que estabeleça disposições
gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei
anterior".
Portanto,
no que diz respeito à criança e ao adolescente, e às pessoas entre 18 e 21 anos
em hipóteses expressamente previstas, aplica-se o Estatuto respectivo, e,
apenas quando este não disponha sobre a matéria, pode-se aplicar as disposições
do Código Civil.
Nesse
sentido, ensina o eminente jurista PAULO AFONSO GARRIDO DE PAULA, em sua obra
"Direito da Criança e do Adolescente e Tutela Jurisdicional
Diferenciada", São Paulo, RT, 2002, pág.83: " como as principais
relações jurídicas entre o mundo infanto-juvenil e o mundo adulto encontram-se
disciplinadas no micro-sistema criado pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente, a elas são aplicáveis as normas nele previstas. Somente devem
incidir as normas do Código Civil, do Código de Processo Civil, etc., quando
houver lacuna no Estatuto da Criança e do Adolescente, e mesmo assim se não
forem incompatíveis com os seus princípios fundamentais".
Ressalte-se
ainda que, conforme acima exposto, o limite de idade para o cumprimento de
medidas sócio-educativas, foi fixado em 21 anos pelo ECA, tendo-se em vista
fatores outros, que não a anterior aquisição da maioridade civil com esta idade.
Isto significa que a mudança da idade para aquisição da maioridade civil não
pode produzir efeitos com relação ao ECA.
A
total desvinculação de ambos os diplomas legais ora em análise, fica ainda mais
evidente, quando se observa que o art.2º, § único, do ECA, se refere "às
pessoas" entre 18 e 21 anos, e não aos "menores"
entre 18 e 21 anos.
O
entendimento ora esposado foi recentemente acolhido pela Colenda Câmara
Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao julgar o HC nº 101.288-0/0-00,
em 31 de março de 2003, tendo como relator o Excelentíssimo Desembargador
Denser de Sá, com declaração de voto vencedor do Excelentíssimo Desembargador
Mohamed Amaro, cuja ementa segue a seguir transcrita:
"Menor –
Ato Infracional –Medida sócio-educativa de internação – Possibilidade de
aplicação desta até que o infrator complete 21 anos de idade (art.2º, § único,
do ECA) – Período de execução da ordem de custódia que não foi modificado com a
superveniência do novo Código Civil, que cessou a menoridade aos 18 anos de
idade (art.5º) – Objetivo ressocializante das medidas reeducativas do ECA
extensível, por conseqüência, a todas as pessoas entre 18 e 21 anos de idade –
Previsão legal que leva em consideração a circunstância de que se trata de pessoa
com caráter ainda em formação, necessitando de proteção especial do Estado, não
obstante possa ser considerada apta para a prática dos atos da vida civil –
Entendimento que encontra eco na jurisprudência criminal que não desvincula o
benefício de prazo prescricional reduzido (art.115 do CP), ou exige a nomeação
de curador a réu menor de 21 anos (art.262 do CPP), apesar deste já ter
alcançado anteriormente a maioridade por força de emancipação ou qualquer outra
forma prevista na lei civil (art.9º, § 1º do CC/16) – Impossibilidade, ademais,
de reexame de questões de fato no âmbito restrito do "writ" – Ordem
denegada".
Aliás,
um entendimento contrário ao ora esposado, levaria ao absurdo entendimento, de
que a emancipação, ou qualquer outra causa de aquisição da maioridade civil
antes dos 21 anos prevista na lei, como o casamento, o exercício de emprego
público efetivo, e outros (art.5º, § único do atual CC, e art.9º, § 1º, do CC
de 1916), poderiam funcionar como uma forma de livrar o menor da aplicação de medidas
sócio-educativas.
Assim,
por exemplo, bastaria ao menor de 16 anos vir a ser emancipado pelos seus pais
(art.5º, § único, I, do CC atual), ou bastaria ao menor de 15 anos vir a
contrair casamento (art. 5º, § único, do CC atual), para que pudessem ver de si
afastados os efeitos do ECA.
Grande
estímulo novamente se criaria ao cometimento de atrocidades, com a garantia de
futura impossibilidade de ação do Estado, o que se revela totalmente contrário,
conforme já ressaltado, ao Estado de Direito, ao bom senso e à Justiça,
permitindo-se ainda de forma ampla e irrestrita, a violação dos direitos
máximos à vida e à segurança, assegurados pela Constituição Federal a todas as
pessoas (art.5º, "caput", da CF).
Deve-se
lembrar ainda que, no campo penal, a desvinculação entre os seus dispositivos e
o Código Civil, pela natureza diversa das razões que os justificam, vem sendo
reconhecida pela jurisprudência, entendendo-se, assim, por exemplo, que a
aquisição da maioridade civil em nada afeta os benefícios da prescrição
reduzida estabelecido no art.115 do CP ( STF: RTJ 121/559, TACRIMSP: JTACRIM
46/209), e nem dispensa a nomeação de curador ao réu menor de 21 anos, conforme
estabelecido no art.262 do CPP ( TACRIM – HC 346.426/0 – 8ª Câm.-j.19.08.1999 –
Rel.Juiz René Nunes – RT nº 772/591-593).
Assim
sendo, pelas razões expostas, concluímos que todos aqueles que venham a cometer
atos infracionais antes dos 18 anos de idade, mesmo após o advento do novo
Código Civil, continuam sujeitos às normas do Estatuto da Criança e do
Adolescentes, devendo cumprir as medidas sócio-educativas que tenham ou venham
a lhe ser aplicadas, até o limite máximo de 21 anos de idade.
São
Paulo, 07.05.03
DORA BUSSAB CASTELO
FÁBIO ANTONIO PINESCHI
HERMANN HERSCHANDER
JOÃO ANTONIO MARCHI
MARCO ANTONIO GARCIA BAZ