Uma breve exposição de motivos
1.
Solicita-me a douta Comissão do Órgão Especial do Colégio de
Procuradores, constituída para propor medidas de combate à criminalidade, a
elaboração de uma breve exposição de motivos pertinente às propostas que
formulei.
Em parcas linhas é o que segue.
Por primeiro, destaco que as propostas se centram no combate à
criminalidade violenta.
Elas são limitadas de sorte a poder conquistar consenso, ou maioria
expressiva de votos, ao menos no que toca a questões óbvias pertinentes à
necessidade de uma legislação mais séria, mais eficiente, por parâmetros
suscetíveis de comprovação objetiva e de comparação com a experiência dos
chamados países de primeiro mundo.
As propostas são todas elas inspiradas e, grosso modo, insculpidas em
preceitos semelhantes que estão em vigor nos referidos países, com resultados
objetivamente constatados e cientificamente verificáveis.
Não são fruto de idéias individuais, ou pretensiosamente originais,
mas sim, repito, de experiências bem sucedidas, hauridas de modelos de alto
grau de confiabilidade.
São ainda as propostas resultado de um exame de direito comparado
(legislação brasileira em cotejo com a legislação dos Estados Unidos da América
e dos países europeus) e de estudo de dezenas pesquisas levadas a efeito nos
E.E.U.U. concernentes à criminalidade violenta e às medidas que possam
objetiva e concretamente causar sua diminuição.
2.
O exame do sistema jurídico brasileiro em comparação com os sistemas
americano, em especial, e dos países da Europa ocidental, no que concerne à
forma de tratamento do problema da criminalidade violenta, leva à constatação
de 3 chocantes disparidades:
a) a forma de tratamento dos criminosos reincidentes (ou habituais ou
"de repetição");
b) a forma de tratamento dos menores de 18 anos que praticam crimes sérios
e violentos;
c) a quantidade de pena aplicada e efetivamente cumprida pelo cometimento
de crimes sérios violentos.
3.
No que se refere ao primeiro item, forma de tratamento dos criminosos
reincidentes (ou habituais ou "de repetição"), como seria de
intuitiva percepção, tanto a legislação federal americana como a de seus 50
Estados membros já possuíam normas especiais que contemplavam a situação
daqueles criminosos que, a despeito de já condenados anteriormente, insistiam
em novamente violar a ordem pública.
Todas estas normas, como o bom senso já seria capaz de sugerir,
destinavam-se a assegurar a aplicação ao reincidente de penas bem mais
rigorosas do que as destinadas aos criminosos primários.
É simplesmente ofensivo ao senso comum, aos padrões morais e éticos do
bonus paterfamilias, constatar que, no Brasil, a solução é inversa:
premia-se o criminoso habitual ou profissional, unificando-se todas as penas a
que foi condenado em uma só, seguida de pequeno acréscimo, através do
instituto do crime continuado, aqui desvirtuado de forma a se tornar garantia de
impunidade justamente para os criminosos mais temíveis e mais perigosos.
Apenas com enormes esforços é que, vez por outra, se consegue fazer
prevalecer, perante o Poder Judiciário, a idéia de que a consuetudo
delinquendi ou a perseveratio in crimine não são condutas compatíveis
com o favor legal do crime continuado, a despeito dos frouxíssimos termos da
previsão legal ora vigente (art. 71, caput e parágrafo único, do Código
Penal).
Tornando ao modelo americano, a partir de crimes de grande repercussão pública,
que ocorreram logo no início da década de 90 (Kimber Reynolds, de 18 anos,
filha de um fotógrafo, foi morta por um ladrão, porque se recusara a lhe
entregar sua bolsa, em 1992; e, em 1993, Polly Klaas, uma garota de 12 anos, que
foi seqüestrada em sua casa e encontrada morta poucos dias após; em ambos os
casos os autores dos delitos eram criminosos reincidentes), formou-se movimento
de opinião pública que levou à promulgação de leis especialmente rigorosas,
conhecidas como leis de 3 "strikes" (numa alusão à regra do jogo de
baseball americano, em que, ao errar a bola três vezes, o batedor é
eliminado).
A primeira lei de 3 "strikes" foi aprovada pelo Estado de
Washington em 1993. Logo a seguir, o Estado da Califórnia aprovou uma lei
semelhante, muito severa, em 1994, servindo de modelo para todo o país, por se
cuidar de Estado de grande projeção por sua importância nacional (é o Estado
mais populoso, muito rico e líder em vários setores, como, e.g., a indústria
de entretenimento, cinema, televisão, etc.).
A idéia das leis de 3 "strikes" é de que, ao ser condenado em
situação de reincidência pela terceira vez (3 crimes, segundo como
reincidente), o criminoso deve ser colocado para fora do jogo definitivamente.
Assim, a punição típica para a 3ª condenação é de prisão perpétua,
sem possibilidade de livramento condicional (a não ser, é claro, que cabível
seja no caso a imposição de pena de morte), desde que se trate de crime
"grave" (grosso modo, crime punível com reclusão).
Tal princípio foi de tamanha aceitação da opinião pública americana,
em seus vários segmentos, que tal sorte de leis logo foi promulgada também a nível
federal (já no ano 1994) e na grande maioria dos Estados membros americanos.
Alguns Estados, em lugar da sanção de prisão perpétua, sem
possibilidade de livramento condicional, prevêem penas que variam, e.g., de 25
a 40 anos de reclusão pelo terceiro "strike".
4.
A partir da constatação, em vários trabalhos de pesquisa, de que
grande parte dos crimes sérios ou violentos eram praticados por jovens menores
de 18 anos, e da óbvia necessidade de proteção da sociedade, que não pode
ficar à mercê de perigosos criminosos, sejam eles maiores ou menores de 18
anos, formou-se movimento, inclusive estimulado pelo governo federal americano,
de maneira que hoje, não só a legislação federal americana como a de todos
seus cinqüenta (50) Estados membros, determina a aplicação de sanções
de natureza penal a maiores de 14 anos de idade em determinadas circunstância
(em essência, conforme a gravidade do crime ou a personalidade do agente).
Alguns Estados também exigem a imposição de penas a autores menores de
14 anos.
A fórmula adotada na legislação federal americana (e na de todos seus
Estados) é, assim, semelhante àquela em vigor em França desde 1945 (!!), que
serviu de modelo para a proposta de redução da idade de imputabilidade penal,
que ora submeto à apreciação do E. Colégio de Procuradores.
Importante é realçar que os sistemas jurídicos de vários países
europeus permitem e determinam a imposição de medidas de caráter penal a
menores de 18 anos que praticam crimes graves.
Assim, apenas para exemplificar, a idade de imputabilidade penal é de 10
anos na Inglaterra e no país de Gales, de 12 anos na Holanda, de 16
anos na Espanha. A idade de responsabilidade penal relativa é de 13 anos
em França, de 14 na Alemanha e na Itália, etc.
5.
Outro aspecto interessante é o de que as pesquisas de investigação nos
Estados Unidos já há décadas vêm apontando que uma pequena proporção de
criminosos é responsável por um grande número de crimes sérios e/ou
violentos.
Ultimamente, várias pesquisas chegaram a um resultado comum aproximado,
alcançando-se a fórmula dos 6/50. Basicamente, indica tal fórmula que apenas
6% (seis por cento) dos criminosos é responsável pelo cometimento de 50% (cinqüenta
por cento) dos crimes sérios e/ou violentos.
A partir desta constatação, segue óbvia conclusão para os responsáveis
pela estipulação de sanções penais. Identificados os autores de crimes sérios
e/ou violentos, devem eles ser punidos com penas privativas de liberdade de
longa duração de modo que não venham ter a oportunidade de perpetrar novos
crimes, ao menos enquanto estiverem segregados.
De outro lado, segregados por longa duração, diminuirão os índices de
criminalidade, e, após o cumprimento de longas penas, até mesmo pelo
envelhecer natural, diminuirá também o ímpeto para comissão de crimes
violentos.
6.
Relevante é consignar que, a partir do endurecimento da legislação
penal, os índices de criminalidade nos Estados Unidos são hoje os menores
de todos os tempos, desde que se iniciou seu acompanhamento, com critérios
científicos e uniformes, em todo o País pelo FBI, em 1973!!
7.
Apenas a título exemplificativo, e porque pertinente à proposta em
exame, peço vênia para transcrever trecho de parecer que ofereci nos autos de
HC nº 333.705.3/2 (TJSP), em tema de progressão de regime de cumprimento de
pena, em que fiz uma análise da questão à luz do direito comparado, verbis:
"5.
Interessante para a análise do tema seria sua visão à luz do direito
comparado.
Por primeiro, é de se assentar, desde logo, que nos Estados Unidos da América,
a legislação penal e processual penal (assim como de outras matérias, que
agora não importa examinar) é de competência tanto da União como de cada um
dos Estados.
No que concerne ao benefício da progressão de regime de cumprimento de
pena, que lá se refere apenas à passagem do regime fechado para o de
livramento condicional (eis que ali inexistem os regimes intermediários do
semi-aberto e aberto, utilizados no Brasil), os vários Estados variam em
fornecer, ou não, critérios aos "Parole Boards" (órgãos incumbidos
da apreciação e decisão quanto a tais pedidos) quanto a tal questão.
Já no que concerne aos Estados cuja legislação indica critérios para
a progressão, há diferenças quanto a sua maior objetividade, ou
subjetividade.
Dentre os que indicam critérios, quase todos, sabiamente, exigem que se
afira que ¡ o sentenciado não
oferecerá perigo para a sociedade.
A Suprema Corte americana teve ocasião de examinar o estatuto do Estado
de Nebraska, que é vazado em termos que sugerem a interpretação de que o
sentenciado deverá ser beneficiado se certos critérios são preenchidos.
Trata-se do caso Greenholtz v. Inmates of Nebraska Penal &
Correctional Complex, 442 U.S. 1, decidido em 1979 e ainda hoje controlador
(recorde-se do princípio stare decisis, ali vigorante, por força do
sistema jurídico conhecido como de common law, assemelhável à idéia
de súmula vinculante, cuja adoção é proposta no Brasil, ou ao efeito
previsto no art. 102, §3º, da Constituição Federal, na redação da Emenda
Constitucional nº 3, de 1993).
Neste caso, decidiu a Suprema Corte, como ensinam WAYNE R. LaFAVE,
David C. Baum Professor of Law and Center for Advanced Study Professor of Law,
University of Illinois, & JEROLD H. ISRAEL, Alene and Allan F. Smith
Professor of Law, University of Michigan, in Criminal Procedure, 2nd ed.,
Hornbook Series, West Publishing Co., St. Paul, Minnesota, USA, 1992, p. 1094,
que não há, para o sentenciado, direito constitucional ou inerente a ser
libertado antes do integral cumprimento da pena!
Ou, consoante as próprias palavras do relator, Chief Justice Burger:
"(...) there
is no constitutional or inherent right of a convicted person to be released
before expiration of a valid sentence."
Ou seja, mesmo em tais circunstâncias (estatuto com previsão de critérios
objetivos de progressão para o benefício de livramento condicional), o
sentenciado não tem nada mais do que "uma mera esperança de que o
benefício será obtido".
Ou, novamente, conforme os termos do Ministro-Presidente e relator:
"(...) a
mere hope that the benefit will be obtained."
6.
Também muito mais sérios e severos são os Códigos dos países
europeus (a despeito de seus índices de criminalidade infinitamente
inferiores aos de Brasil) não só em também exigir um prognóstico de que ¡
o sentenciado não representará um perigo para a sociedade, como ainda, e em
especial, no que tange ao período mínimo de cumprimento de pena necessário
para que se lhe defira, por antecipação, o favor da prematura liberdade.
Assim, a título exemplificativo, em Suíça, para todos os crimes (e não
apenas para um pequeno e demasiadamente circunscrito grupo de crimes, chamados
hediondos, como aqui se faz), para se obter o benefício do livramento
condicional, é preciso que ¡ o sentenciado cumpra, ao menos, dois terços (2/3) de sua pena,
além, é claro, de se exigir que seja de se prever que ¡ o sentenciado se conduzirá bem em liberdade.
Etenim, reza o
Code Pénal suisse:
"Libération
conditionelle
Art. 38
1. Lorsqu’un
condamné à la réclusion ou à l’emprisonnement aura subi les deux
tiers de sa peine, mais au moins trois mois en cas de condamnation à
l’emprisonnement, l’autorité compétente pourra le libérer
conditionnellement si son comportement pendant l’exécution de la peine ne
s’oppose pas à son élargissement et s’il est à prévoir qu’il se
conduira bien en liberté." (grifo nosso)
A seu turno, em Espanha, exige-se, em regra (novamente, enfatizo, para
todos os crimes, e não apenas para os chamados crimes hediondos, como aqui, nesta
terra de tamanha e injustificável indulgência para com os criminosos violentos,
com os resultados de que toda a sociedade padece, cotidianamente) o cumprimento
de três quartos (3/4 !!) da pena, ao mesmo tempo que se reclama um prognóstico
individualizado e favorável de reinserção social.
Destarte, prescreve o Código Penal de España:
"SECCIÓN 3.
DE LA LIBERTAD CONDICIONAL
Artículo 90.
1. Se establece
la libertad condicional en las penas privativas de libertad para aquellos
sentenciados en quienes concurran las circunstancias siguientes:
1. Que se
encuentren en el tercer grado de tratamiento penitenciario.
2. Que
hayan extinguido las tres cuartas partes de la condena impuesta.
3. Que hayan
observado buena conducta, y exista respecto de los mismos un pronóstico
individualizado y favorable de reinserción social, emitido por los expertos
que el Juez de Vigilancia estime convenientes.
2. El Juez de
Vigilancia, al decretar la libertad condicional de los penados, podrá
imponerles la observancia de una o varias de las reglas de conducta previstas en
el artículo 105 del presente Código." (grifo nosso)
"Artículo
91.
Excepcionalmente,
cumplidas las circunstancias 1. y 3. del apartado 1 del artículo anterior, el
Juez de Vigilancia Penitenciaria podrá conceder la libertad condicional a los
sentenciados a penas privativas de libertad que hayan extinguido las dos
terceras partes de su condena, siempre que merezcan dicho beneficio por haber
desarrollado continuadamente actividades laborales, culturales u ocupacionales."
(grifo nosso)
7.
A meu juízo, muito apropositada também se revela a basilar lição dos
cursos de direito penal nos Estados Unidos, extraída de precedente
jurisprudencial, concernente ao caráter insano da proposição de se colocar em
liberdade um criminoso perigoso e não reabilitado.
Assim é que, em solo intolerante para com a criminalidade violenta e
cioso dos direitos humanos do cidadão, ensina-se que, como até mesmo o
mero bom senso já seria capaz de propor, não pode o Estado permitir-se a
insanidade de autorizar que continue livre e sem amarras quem, pela prática de
infração penal grave, revelou possuir perigosa propensão criminal, assim como
não admitiria que um animal predador selvagem se aventurasse pelas ruas da
cidade.
É o que leciona ARNOLD H. LOEWY, Professor of Law University of
North Carolina, em sua obra Criminal Law in a Nutshell, 2nd edition, St. Paul,
Minn., West Publishing Co., 1987, p. 3-4:
"That some
individuals need to be restrained is hardly a debatable proposition. Even the
staunchest advocate of reformation would not contend that a convicted unreformed
dangerous criminal ought to be without restraints while he is being reformed.
As one court put
it: ‘To permit a man of dangerous criminal tendencies to be in a position
where he can give indulgence to such propensities would be a folly which no
community should suffer itself to commit, any more than it should allow a wild
animal to range at will in the city streets.’ C. v. Ritter, 13 Pa.D & C,
285, 291 (Oyer and Terminer 1930)"
8.
Registro ainda, por fim, que já há milênios integra o conhecimento
humano o preceito de que a impunidade sempre atrai o pior ou, consoante a
precisa máxima, impunitas
semper ad deteriora invitat.
Tal preceito do direito natural não é suscetível de revogação,
conquanto muitos se inclinem a desprezá-lo, com conseqüências que,
lamentavelmente, vão além da pessoa do infrator."
8.
Percebe-se, assim, em verdade, a legislação brasileira já é tão tíbia,
fraca, lânguida (não é à toa que o Brasil goza de reputação internacional
como o paraíso dos criminosos) que apenas para os condenados por crimes aqui
destacados como hediondos é que são aplicadas normas que, no chamado mundo
civilizado, são aplicadas para o autor de qualquer crime.
9.
No que se refere à previsão de pena de 35 a 40 (trinta e cinco a
quarenta) anos de reclusão para alguns crimes (e.g., latrocínio consumado,
extorsão mediante seqüestro seguida de morte, homicídio qualificado pela
condição da vítima), são crimes de máxima reprovabilidade (lá conhecidos
como felony-murders), para os quais a legislação federal e dos vários
Estados americanos prescreve a pena de morte, admitindo apenas a
alternativa da prisão perpétua.
São infrações penais de tamanha gravidade, tão perigosos são seus
autores, que se entende que não devem eles ter nova oportunidade para violar tão
gravemente a ordem pública.
De outro lado, tão intensa é a ofensa perpetrada contra a sociedade que
puni-los com uma pena mais branda seria incompatível com finalidade básica do
direito penal e do Estado, que é a de proteção de seus cidadãos.
10. É
preciso enfatizar, com grande destaque, que a proposta é de aumento real de
penas de modo a garantir que os condenados por tais crimes efetivamente fiquem
segregados por períodos longos para que seja atingido o fim essencial da pena:
o de incapacitação (contenção) do criminoso.
A idéia é a de que, seguramente, ao menos durante o tempo em que
permanecer segregado, não poderá o criminoso praticar novos crimes contra a
sociedade.
Segundo o relatório "The State of Violent Crime in America",
elaborado em 1996, por celebérrima comissão "bipartidária" (isto é,
constituída por republicanos e democratas, ou seja, de maneira a garantir
resultado isento de paixões político-partidárias), o "Council on Crime
in America", de que fizeram parte autoridades de reputação nacional nas
áreas federal, estadual e municipal, dentre eles três ex-Procuradores-Gerais
da República (cargo que, nos EE.UU., cumula as funções de Ministro da Justiça
e de Chefe da Polícia Federal), vários Procuradores-Gerais de Estados e de
Distrito, juízes de Tribunais de Apelação, etc., só há, verdadeiramente,
objetivamente, duas maneiras de controlar a criminalidade violenta:
a) através da imposição de longas penas privativas de liberdade, que
devem ser cumpridas em termos próximos de sua integralidade;
b) mediante o uso de sistemas de gerenciamento efetivo das
disponibilidades policiais a fim de garantir sua maior eficiência.
De nada, todavia, adiantará a segunda medida, melhor eficiência
na atuação da polícia, se não se obstar a "PORTA GIRATÓRIA DA JUSTIÇA"
("revolving-door justice"), sistema através do qual o
condenado por crime sério ou violento permanece por breve tempo (leia-se,
poucos anos) preso para, logo após, voltar às ruas e tornar a delinqüir.
Segundo as palavras do famoso colunista Ben Wattenberg, ao responder àqueles,
que nos Estados Unidos são conhecidos sob o rótulo de "defensores dos
direitos dos criminosos", que teimam em postular curtos períodos de
cumprimento de pena: "a thug in prison can’t shoot your sister";
ou, em tradução verbum pro verbo: um bandido na cadeia não pode atirar
na sua irmã.
Tutum est
destacar que o referido trabalho, possivelmente o mais respeitado e mais citado
a respeito do tema da criminalidade violenta na América, ressalta que, após
gastos de centenas de milhões de dólares ao longo de décadas, não há evidência
científica, objetiva, de que quaisquer gastos tendentes à reabilitação do
criminoso, enquanto segregado, sejam eficientes.
O que não significa, entretanto, por óbvio, que não recomendem medidas
que permitam o trabalho ou o estudo dos sentenciados durante o cumprimento de
suas penas.
Mas, o que é importante, o que é essencial, acentua repetidamente o
mencionado trabalho, é concentrar-se no papel precípuo da pena privativa de
liberdade, que é o de proteção da sociedade, pela segregação do elemento
nocivo do meio social.
11. Penso
que a sociedade brasileira está madura para adotar mudanças significativas em
sua legislação penal para contenção dos crimes violentos, quer sejam
praticados por maiores ou menores de 18 anos.
Manifestações de todos os segmentos sociais dão mostra de que
atingiu-se um nível de esgotamento da tolerância para com este sistema de
impunidade e de lassidão que, experimentado por força das tendências de uma
minoria, revelou-se um fracasso absoluto, como forma de defesa social.
11. O
Ministério Público é o órgão a que compete, por excelência, o papel de
campeão dos interesses sociais e de propor as mudanças legislativas que sejam
necessárias ao aprimoramento da ordem jurídica, especialmente na esfera
criminal.
É mister assumir a tarefa que nos foi atribuída pelo texto
constitucional.
Devemos ousar na defesa dos interesses da sociedade, mesmo que isto
importe em conflito com grupos de poder responsáveis pela tramitação de
anteprojetos de reforma do Código Penal e do Código de Processo Penal, cuja
aprovação, na forma proposta, "nitidamente enfraquece[ria] os
instrumentos legais à disposição do Estado para conter a violência e a
impunidade", como, aliás, já fora apontado pelo Exmo. Sr.
Procurador-Geral de Justiça, Dr. JOSÉ GERALDO BRITO FILOMENO,
em mensagem de 20/setembro/2000.
É momento de invocar o conhecido adágio: "audendo virtus crescit, tardando timor".
12. São
ligeiras linhas oferecidas a título de mero sumário, que se fariam melhor
acompanhar de uma exposição mais detida e aprofundada dos vários temas
envolvidos na proposta.
São Paulo, 11 de dezembro de 2000.
CARLOS EDUARDO FONSECA DA MATTA
Promotor de Justiça