Propostas da Comissão do Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça, visando conter a escalada da criminalidade violenta que assola os grandes centros urbanos de São Paulo

 

 

1.       Senhores Procuradores: A impressão é generalizada e os números comprovam: nunca se matou tanto como agora. O latrocínio, ou tentativa de assalto seguida de assassinato, é o crime que mais cresce no país, segundo dados do Ministério da Justiça. Em 1997, 1.335 homens e mulheres foram mortos por ladrões durante assaltos. O último levantamento, feito no ano passado, mostra que esse número triplicou. Quase tão assustadora quanto a notícia é a constatação de que, para expor-se ao perigo de morrer nas mãos de um assaltante, ninguém precisa aventurar-se em situações de risco – basta seguir a própria rotina. Hoje os roubos mais comuns ocorrem em lugares e situações tão corriqueiros quanto inevitáveis para quem vive numa cidade grande: em frente de um semáforo fechado, à saída de um caixa eletrônico, diante da própria casa. A banalidade do crime e suas circunstâncias reforça a sensação de cerco, de impotência, em que vivem muitos brasileiros, em particular a classe média.

         Ser vítima de um assalto é o tipo de crime que mais assusta a classe média - os muito ricos se preocupam especialmente com seqüestros que furem o esquema de carros blindados e guarda-costas; os muito pobres, com quase nada para ser roubado, penam com tiroteios e chacinas. O assalto seguido de morte da vítima, em geral sem nenhuma explicação racional, povoa os pesadelos das grandes cidades. Quando a vítima é mulher, o que só reforça a impressão de absurdo, chega-se ao ponto máximo da escala. O aumento do número de mulheres mortas em assaltos confirma as percepções mais sombrias. Em 1996, elas representavam 16% das vítimas de latrocínio. Em 1998, a porcentagem saltou para 36%, segundo pesquisa realizada em catorze Estados pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos.

         As mulheres estão morrendo mais porque se tornaram o alvo preferido dos assaltantes. Em São Paulo, a polícia calcula que trinta mulheres são assaltadas por hora, uma a cada dois minutos. Também são vítimas freqüentes de seqüestro relâmpago, aquele em que a pessoa, sob a mira de revolver, circula de carro com ladrões, de um a outro caixa eletrônico, fazendo saques com cartão. Dos cerca de 3.000 seqüestros do gênero ocorridos em São Paulo no ano passado, metade foi de mulheres. Os motivos envolvem, simultaneamente, uma novidade relativa e uma realidade imemorial. A novidade é que as mulheres, cada vez mais economicamente independentes, também cada vez mais têm carro, dinheiro na bolsa, cartão do banco. Ou seja, tornam-se presas tão cobiçadas quanto os homens, com a vantagem, para os ladrões, de que têm menos força física e representam uma ameaça de reação em potencial muito menor – essa a realidade vigente desde sempre.

         Se são alvos mais fáceis e não desafiam a integridade de seus assassinos, porque, então, tantas mulheres vêm sendo mortas? O que faz com que o bandido aperte o gatilho? A banalização dos crimes gravíssimos, a impunidade e o clima de bangue-bangue instalados nas cidades brasileiras criam o caldo de cultura. Por causa de fatores como esses, os bandidos sentem-se à vontade para responder à bala uma reação comparativamente comum das mulheres em face do assalto: o pânico. Diante de um ladrão armado, nervoso e impaciente, pisar no acelerador ou sair correndo, reações muitas vezes incontroláveis, é assinar a sentença de morte.

         É certo que houve uma diminuição na criminalidade neste terceiro trimestre de 2000 (-2%) quando comparado com o segundo trimestre, mas ainda é cedo para falarmos de uma tendência: o terceiro trimestre de 1995, por exemplo, também apresentou menos crimes do que o segundo trimestre daquele ano, mas depois houve uma retomada dos ritmos anteriores. A se fiar na tendência dos últimos anos, - e desde que não ocorram modificações radicais na política de segurança - a criminalidade continuará aumentando numa taxa média de 16% ao ano.

         A diminuição dos índices de criminalidade dependerão mais de mudanças outras do que de qualquer mudança que se possa implementar na política de segurança. Não que a polícia prenda poucos marginais: no último trimestre foram efetuadas 29.277 prisões no Estado; destes, cerca de 3.000 acabam engrossando a população prisional. Mas apesar deste esforço, isto não adiantou nada, senão para dar àquela esquerda deliberadamente cega o argumento que ela sempre quis: a prova de que, ao contrário do que a humanidade apreendeu desde antes da Bíblia, o castigo não é resposta para o crime. E como neste país, há tempo perdeu-se o poder de crítica, esta passou a ser mais uma daquelas falsas verdades que explicam porque o Brasil não vai para a frente.

         Para qualquer um que tenha os olhos para ver e não esteja condicionado a fechá-los a cada vez que se depara com a realidade, porém, está claro que o verdadeiro problema não está na quantidade de bandidos que se prende, mas sim na quantidade de bandidos que se solta. Qualquer um que possa fazer as quatro operações poderá constatar isso apenas comparando essa multiplicação por quase três vezes do número de presos por mês com os números da população carcerária de São Paulo, que continuam os mesmos de quando Mário Covas começou a governar, salvo por pouco mais de meia dúzia de presídios novos que ele construiu.

         Os fatos provam que todo o esforço que o governo tem alardeado não passa de mera satisfação política, de mera maquiagem estatística.

         Muito à brasileira, o governador Covas contrata mais e mais policiais e prende cada vez mais gente, respondendo de forma bastante simples a escalada do crime que faz do cotidiano de todos que moram neste Estado, hoje, uma loteria da morte. Resposta, reconheça-se, que é a única que pode dar diretamente, sem precisar do beneplácito de um establishment que, no conforto garantido de seus privilégios, tem horror a mudanças. E, sem mudanças tornam o crime no Brasil, cada vez mais, um negócio próspero e de baixíssimo risco.

         A multiplicação do número de policiais e de seus equipamentos é, sem dúvida, a resposta que o dinheiro pode comprar. Mas está longe de ser a resposta necessária para libertar os brasileiros do estado de sítio em que têm vivido.

         Para uma diminuição efetiva dos atuais níveis de criminalidade no futuro, são necessárias, além de mudanças na área estrita de policiamento, também e principalmente mudanças legislativas e políticas públicas direcionadas especificamente a população com maiores chances de enveredar pelo caminho do crime: emprego, educação e lazer para jovens, do sexo masculino, moradores das periferias dos grandes centros urbanos.

         O problema atual na área de segurança pública se assemelha um pouco ao dilema apresentado por Klauss Offe no início do processo de globalização: os estados nacionais, dizia o politólogo alemão, enfrentam graves crises de legitimidade já não controlam mais muitos dos instrumentos clássicos que outrora dispunham para satisfazer as demandas da população. Questões relativas a emprego, taxas de juros, câmbio, etc., num mundo globalizado, estão parcialmente fora do controle dos governos, na medida em que estas questões são afetadas pelo que ocorre em outros países.

         Os órgãos ligados a segurança passam por uma série crise de legitimidade porque também vivenciam um dilema parecido: a população demanda segurança mas - nos níveis atuais de criminalidade - estes órgãos não mais dispõem dos instrumentos necessários para responder a esta demanda e os instrumentos clássicos são já insuficientes.

         Pessoas lúcidas nas polícias e nas secretarias ligadas a área já se deram conta do dilema. A questão da segurança extrapolou os limites da segurança pública. Outras áreas do governo - e fora dele - precisam ser convocadas para o esforço.

         Shopping centers, caixas de saque automáticas, loja de conveniência abertas 24 horas, são todos considerados espaços semi-públicos e que tem levantado questões problemáticas no que concerne à segurança.

         Todos têm em comum o fato de serem locais privados, mas por onde circulam diariamente centenas ou milhares de pessoas. De quem é a responsabilidade pela segurança nestas áreas? O caso do assassinato no Shopping Morumbi em São Paulo, dos seqüestros relâmpagos nas caixas automáticas e dos assaltos às lojas abertas 24 horas tem reascendido a polêmica. O aumento do contingente de vigilantes particulares e o envolvimento destes em atividades ilegais tem por sua vez trazido a tona a questão da necessidade de fiscalização mais rigorosa do setor.

         Na medida em que se tratam de locais por onde passam muitas pessoas e estas pessoas têm sua segurança afetada que o que ocorre nestes locais, ou de funções públicas exercidas por agentes privados, em boa parte dos países assume-se como legítima a preocupação do Poder Público em regular minimamente a segurança nestes espaços e atividades. Nos Estados Unidos vêm aumentado as exigências de segurança para o funcionamento destes locais semi-públicos, exigências para que os empresários invistam em segurança para os funcionários e usuários destes espaços.

         Assim, por exemplo, o Poder Público vêm exigindo que os estabelecimentos que ficam abertos 24 horas tenham mais de um funcionário no período noturno, que os caixas automáticos sejam instalados em locais apropriados e que possuam câmeras de vídeo, que os shoppings centers criem mecanismos para evitar o roubo de carros nos seus estacionamentos.

         No Brasil, já existem diversas disposições no mesmo sentido, ainda que meramente administrativas, adotadas consensualmente: limitando os saques nos caixas automáticos no período noturno, obrigando os shoppings a se responsabilizarem pelos roubos de automóveis ocorridos em seus estacionamentos, obrigando as agências bancárias a instalarem portas de segurança na entrada, etc.

         O Poder Público também pode influir, através de legislação, na produção de determinados bens muito visados, como, por exemplo, automóveis: do mesmo modo como se estabeleceram equipamentos mínimos para limitar a poluição e reduzir o risco dos passageiros em acidentes automobilísticos, o roubo de carros e motocicletas no Brasil já é grande o suficiente para exigir da indústria automobilística a gravação do número de série do veículos no chassi, vidros e outras partes do veículo, travas de direção ou mesmo sistemas eletrônicos de alarme nos automóveis, como equipamentos de fábrica. Produzidos em série, estes dispositivos custam menos para o consumidor e evitam trabalho posterior para as polícias. Em suma, o modo como casas, apartamentos, bicicletas, carros, armas, máquinas automáticas de saque, telefones celulares e outros bens muito visados são produzidos tem relação com a criminalidade: cuidados simples podem evitar o cometimento de crimes ou ajudar na recuperação posterior do bem. Mudanças arquitetônicas, de design industrial e a regulamentação dos espaços e atividades semi-públicas podem contribuir substancialmente para a redução da criminalidade.

         Estas regras e exigências mínimas de segurança devem aumentar nos próximos anos e a iniciativa privada deve passar a arcar, em conjunto com o Estado, com os custos de implementação destas medidas, cujo ônus tem sido até agora do poder público e dos consumidores.

         O tempo do gatuno, do malandro aplicador de golpes, do bandido habilidoso que furtava suas vítimas com a arte de um prestidigitador e sem violência ficou para trás e deixou saudades. Com a popularização das armas de fogo o assaltante amador e violento tomou o lugar do criminoso habilidoso. Desde os anos 70, os condenados por roubos superaram os condenados por furtos no sistema prisional, evidência de que ou o sistema judicial tornou-se mais seletivo ou que os criminosos tornaram-se mais violentos. Provavelmente ambos os fenômenos são verdadeiros.

         Foi-se também o tempo do ladrão individualista. O ladrão que age sozinho ainda existe mais é o pé de chinelo. O ladrão considerado entre seus pares trabalha em equipe e planeja grandes assaltos, seqüestros, roubo de carga, roubo de carro. Existe uma divisão rudimentar de trabalho no grupo. Desnecessário dizer que os instrumentos de repressão ao crime imaginados para combater um tipo de crime e criminosos já não são adequados para as novas modalidades de crime organizado. Para combater as quadrilhas, a Polícia, o Ministério Público e a Justiça não precisam só de mais armas e viaturas: precisam de legislação adequada, de especialistas em contabilidade, em lavagem de dinheiro, em informática, de um serviço de inteligência que consiga juntar as peças e evidências atualmente separadas numa infinidade de repartições, de uma nova metodologia de pesquisa e investigação que vá além dos exames de balística.

         O ladrão amador, munido de arma de fogo e violento e o ladrão organizado foram os dois tipos de criminosos que emergiram nos anos 70 em substituição ao furtador ou estelionatário individualistas das décadas anteriores. O esgarçamento do tecido social, o aumento da desigualdade na distribuição de renda, o desemprego estrutural em substituição ao conjuntural, a corrupção dos valores e a generalização do consumo e tráfico de drogas contribuíram para as mudanças do perfil do criminoso. O associativismo que emergiu em diversas áreas nas últimas décadas, somado as prisões de militantes partidários nos anos 70, inovações tecnológicas como os telefones celulares, os menores riscos e as maiores oportunidades de ganho em atividades criminosas como tráfico de drogas, roubo de cargas, jogo, seqüestro, contribuíram para a organização dos criminosos. Nada parece indicar que ocorrerão mudanças significativas neste perfil nos próximos anos.

         Para concluir de forma otimista esta série de previsões e também para nos precavermos quando no futuro alguém quiser nos cobrar com relação a elas, gostaríamos de recuperar Maquiavel. O fundador da ciência política moderna acreditava que a fortuna (ou o destino) comandava metade de nossas ações, mas que a virtude nos deixava quase a outra metade. Com isso queremos dizer que temos como alterar nosso destino e nada é inevitável. E a fortuna, como a mulher, dizia o filósofo, cede mais facilmente diante de homens vigorosos.

  

2.       Se o cenário é ruim, é preciso começar a modificá-lo desde agora, aproveitando a virada do milênio como pretexto.

         Essa Comissão está ciente que não existem soluções mágicas ou milagrosas para o problema da segurança pública. Como já antecipamos, mais do que ações emergenciais de efeito necessariamente transitório, a melhora da situação requer um trabalho persistente de fortalecimento e de melhor articulação dos órgãos e autoridades específicas, nas áreas de justiça e segurança pública. Trata-se de um trabalho a ser desenvolvido sem concessões à truculência, mas com firmeza, levando em conta que a segurança é um direito fundamental do cidadão.

         A segurança pública é um serviço que exige a efetiva atuação de organizações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como do Poder Executivo, do Poder Legislativo, da Polícia, do Ministério Público e do Poder Judiciário. Mais, ainda, exige vontade política e integração de estratégias.

         Buscando inspiração no modelo italiano de combate ao crime organizado, todas as instituições envolvidas – Poder Legislativo, Poder Judiciário, Poder Executivo, Ministério Público, Polícia, Ordem dos Advogados do Brasil e ONGs. – devem somar esforços no estabelecimento de um sistema completo, abrangendo aspectos penais, processuais e administrativos, com reformas legislativas, mas também com o aparelhamento adequado, para uma atuação conjunta e coordenada, principalmente entre o Ministério Público e a polícia judiciária.

         Urge que se crie uma articulação entre as várias Instituições envolvidas no combate à criminalidade, pena de se tornarem inócuas as reações estatais para seu controle e eliminação.

         De bom alvitre seria a formação de forças-tarefas, a exemplo das task force existentes nos Estados Unidos, compostas por Promotores de Justiça da Cidadania, do Consumidor, de Menores, do Gaeco, do Gaerpa e Criminais, Delegados e policiais especialmente designados, Fiscais das Receitas Federal, Estadual e Municipal para verificar a ocorrência de ilegalidades no âmbito criminal, administrativo e fiscal.

         Depuradas as instituições, neutralizadas erronias, é na atuação integrada que se atende o reclamo da sociedade.

         No recente Congresso Mundial do Ministério Público, a tônica foi a necessidade de atuação integrada do Ministério Público com a Polícia. Merecendo destaque a presença de Thomas Pickard, do F.B.I. que ilustrando a premissa, ressaltou a importância da atuação conjunta, afirmando ser mais fácil solucionar um fato criminoso do que prová-lo perante um Juiz; a presença do Promotor ao lado da investigação, proporciona maior agilidade na produção das provas com resguardo aos direitos constitucionais e formas indispensáveis para o resultado final que se almeja, a condenação, exemplificando com a elucidação de casos como o bombardeio ao World Trade Center, onde a designação de quatro Promotores de Justiça para atuar ao seu lado e de outros agentes proporcionaram a legalidade e agilidade na produção das provas.

         Disputas institucionais, na verdade, só permitirão que as organizações criminosas se fortaleçam e aperfeiçoem.

         No Brasil, o crime organizado não é mais uma ficção, se torna mais visível nos seguintes campos: roubo de cargas, roubo e furto de veículos, tráfico de drogas e jogo do bicho.

         Pelas revelações recentes da Comissão Parlamentar de Inquérito, que apura o narcotráfico no país, acredita-se que este ramo da criminalidade organizada tenha sido a que mais tenha se imbricado com o aparelho estatal e com a sociedade. Os jornais têm noticiado desde a relação de traficantes com empresários, policiais civis e militares, até juízes de direito.

         Se a criminalidade apresenta-se cada vez mais organizada, disseminada e violenta, seu combate precisa ser aperfeiçoado.

         É inaceitável que as portas do novo milênio, ainda, não disponha, o Ministério Público do Estado mais rico da Federação, de sua própria central de inteligência, para que suas informações possam ser cruzadas com as informações de outras Instituições, que são sua tradicional fonte de dados, e deverão continuar sendo, com o objetivo de possibilitar uma visão mais minuciosa e atenta da evolução da atividade criminosa, um controle das ações policiais, da implementação da política governamental de segurança pública e, por conseqüência, um combate mais efetivo do problema.

         A falta de visão global, de troca de informações entre todos os envolvidos no combate ao crime e a insistência em modelos antigos de atuação é responsável pelo caos em que nos encontramos mergulhados.

         As estatísticas genéricas são de pouca utilidade prática. Saber que ocorrem mais de 400 homicídios por mês ou 15 por dia na Capital, é, em termos policiais, apenas uma curiosidade estatística. A concentração de roubos, nas zonas sul e leste, preocupa as autoridades, mas promover grandes e esporádicas operações é responder de forma desgastante e inócua para reduzir esses crimes. O crime só é reduzido a partir do policiamento inteligente do local onde ele ocorre, ou seja, com diagnóstico preciso e ajuste de recursos e táticas direcionadas para sua redução.

         É igualmente inaceitável não disporem as Promotorias de outros recursos materiais como peritos, agentes e tantos outros profissionais que deveriam integrar a estrutura institucional.

         É inacreditável que continuemos a raciocinar com provas testemunhais quando a tecnologia nos permite o acesso, em larga escala, à inúmeras provas técnicas, que não mentem, não caem em contradição e não são passíveis de confissão forçada.

         Recursos maravilhosos como recentemente testemunhado por toda a nação, no episódio do seqüestro do irmão dos cantores Zezé di Camargo e Luciano, quando componentes da quadrilha de seqüestradores foram localizados e presos na região do Pantanal do Mato Grosso por meio de simples clips destinado a amarrar notas de dinheiro uma nas outras, que seriam o preço da liberdade do seqüestrado, sendo certo que no referido clips havia ponto eletrônico que possibilitou o rastreamento, a localização e a prisão dos marginais. Tão simples, barato, poderoso e fantástico, quando comparado com o arcaico sistema de funcionários burocráticos da Secretaria de Segurança Pública de nosso Estado.

         Já estamos no século XXI, com todos os recursos possíveis e imaginários de uma civilização consideravelmente avançada.

O povo não é cego. Precisamos evoluir.

         A ação do Ministério Público na persecução penal precisa ser vista de modo mais amplo, abarcando todos os assuntos ligados ao crime, começando pela prevenção, política de segurança pública, conhecimento imediato da ocorrência, participação e interferência no trabalho de investigação policial, atuação na instrução judicial e na efetiva realização da prestação jurisdicional, terminando pela execução da pena, preservação dos direitos humanos nas diversas fases da influência do crime na sociedade e dos seus reflexos nos envolvidos, inclusive a reparação dos danos por ele provocado, com o objetivo de melhor proteger a vítima.

         Como bem posto em artigo publicado por Valter Foleto Santin, na Revista da Associação Paulista do Ministério Público, intitulado A Participação do Ministério Público e do Cidadão na Política de Segurança Pública, que desenvolveu crítica justa, merecedora de registro, no intuito de reforçar o coro de vozes que desejam renovar as consciências dos demais.

         Ponderou, então, o ilustre Promotor:

  "São claras as possibilidades de interferência do Ministério Público no assunto, seja administrativamente, por contatos entre órgãos ou pelo inquérito civil, ou judicialmente, por meio de ação civil pública, em virtude da quantidade e qualidade dos serviços de segurança pública relacionarem-se a assuntos de evidente interesse coletivo ou difuso (CF, 129, III). A segurança é direito social (CF, 6º), incluído no rol dos interesses sociais defendidos pelo Ministério Público (CF, 127). Inegavelmente, a segurança pública é qualificada como direito coletivo ou difuso, dizendo respeito a interesses transindividuais, de natureza indivisível, relacionado a número determinável ou indeterminável de pessoas, a justificar a intervenção do Ministério Público. A preservação da incolumidade das pessoas também é direito indisponível.

  O Executivo deve aceitar a intervenção do Ministério Público nessa importante área, sob pena de movimentação da jurisdição para apreciação de ameaça ou lesão de direito (CF, 5º, XXXV).

 O Ministério Público, defensor da sociedade e dos direitos coletivos e difusos, não pode permanecer distante da problemática, devendo intervir no problema, seja em cooperação com o Executivo ou por meio de ação civil pública, se sua interferência não for admitida ou facilitada pelo Executivo.

 A participação na fixação da política de segurança pública deve fazer parte da política institucional do Ministério Público, devendo o órgão de acusação ser ouvido pelo Executivo e cobrar providências e medidas efetivas para diminuir a criminalidade e proporcionar maior segurança à população, mesmo porque há previsão legal permitindo à instituição no mínimo sugerir ao Poder competente a adoção de medidas destinadas à prevenção e controle da criminalidade (Lei Complementar Federal 75/93, 6º, XVIII, b; Lei Federal 8.625/93, 26, VII; e Lei Complementar Estadual 734, 104, VI), sendo evidente que os órgãos públicos devem unir as forças, para o efetivo combate à criminalidade".

 Paralelamente à possível conduta acima, reeditando considerações externadas por Luís Henrique Paccagnella, no artigo Controle da Administração pelo Ministério Público: meio de aprofundamento da democracia, publicado na recentíssima coletânea Ministério Público II, cremos que o recurso à apreciação judiciária deva ser, contudo, a última solução para o problema da má condução da política de segurança pública.

 A atuação Ministerial teria a alternativa de solução do problema em tela através de contatos com entidades da sociedade, na promoção de debates, reuniões, audiências públicas e eventos assemelhados. Tudo na tentativa de persuasão da atuação positiva da administração.

 Nessa linha seria imprescindível o amplo contato com os órgãos da mídia. É que na maioria das vezes autoridades administrativas, desejosas de preservar suas imagens, cedem à possibilidade de repercussão jornalística negativa, por exemplo, com mais facilidade e rapidez do que diante da hipótese de demanda judicial, que muitas vezes se apresentam desrecomendavelmente longas.

 Afinal, a repercussão na imprensa pode afetar votações futuras do administrador/político.

 Nesse sentido de atuação, portanto, recomenda-se o esgotamento de todas as formas de persuasão e de pressão política sobre o administrador e o legislador, antes da busca da solução judicial.

 O Ministério Público possui em suas mãos o poder de solução de problemas, devendo saber utilizá-lo casuisticamente. Reproduzindo imagem criada por Marcelo Pedroso Goulart, o Ministério Público deve caminhar, urgentemente, no sentido de ser Ministério Público Resolutivo em contraponto ao modelo hoje praticado como regra de Ministério Público Demandista.

 Essa participação do Ministério Público no processo de fixação, controle e alteração da política de segurança pública é acentuada em diversos países. Não só nos Estados Unidos da América do Norte, a atuação dos Procuradores Gerais é decisiva na fixação dos seus rumos, o mesmo ocorre em Portugal, na Espanha, no México e no Peru.

 E não estamos, com isso, negando que o Executivo, através do Ministério da Justiça e das Secretarias de Segurança Pública, tenha o poder discricionário de promover as medidas de prevenção do crime. Apenas destacando a possibilidade de questionamento, judicial, político e administrativo, da eficiência, regularidade e adequação dessas medidas.

Esse tipo de competência não se exerce acima ou além da lei, senão, como toda e qualquer atividade executória, com sujeição a ela; não autoriza, adverte Goodnow, "tomar medidas arbitrárias, caprichosas, inquisitoriais ou opressivas" (Les principes du Droit Administratif des États Unis, pág. 383).

Vê-se, pois, que o Ministério Público, por seu Procurador Geral, deve ter participação ativa na fixação, fiscalização e correção de rumos da política de segurança pública e de combate à criminalidade. Apresentando projetos, sugestões e críticas aos órgãos e autoridades competentes, abrindo inquéritos e aparelhando ações civis públicas, ouvindo e estimulando a participação popular, promovendo audiências públicas, em períodos regulares, no mínimo anualmente, com a presença da imprensa, de representantes da sociedade civil e de especialistas. Nunca se esquecendo que a principal resposta ao crime é a certeza do castigo; de um castigo a altura de cada crime. Ou, para quem prefere formas mais delicadas de discurso, a mínima satisfação que a sociedade exige, quando alguém mata seu semelhante, é que não lhe seja dada a oportunidade de matar de novo, tirando-lhe a chance de voltar para as ruas.

Há menos de uma semana, estava em todas as manchetes a oitava fuga de "Batoré", se é que se pode chamar aquilo de fuga. Ele, como bem realçado em corajoso editorial do Jornal da Tarde, "é o típico produto de nossas instituições processuais e penais feitas para encher os bolsos dos advogados e para sustentar teses ideológicas e não para coibir o crime. Batoré mata desde os treze anos de idade porque pode. Nossas leis lhe garantem esse "direito". Graças à polícia aumentada do governador Covas, já foi preso oito vezes. E graças ao Estatuto do Menor e do Adolescente e a esse queijo suíço apodrecido pela corrupção, que é o nosso sistema prisional, voltou oito vezes as ruas, à caça de mais uma vítima. Com quinze mortes nas costas e cinqüenta seqüestros de troco, pode, segundo nossas leis, pegar um máximo de três anos de internação. E quando for liberado, terá a ficha tão limpa quanto a sua ou a minha. Mas nem esse tempo Batoré precisa esperar. Andam com esse infrator por aí - sim, aqui cuidamos mais das palavras do que da vida das pessoas - sem escolta armada. Seu advogado, que faz parte de uma das muitas categorias de inimputáveis desse país, pode tranqüilamente dar o roteiro de seus passeios aos seus comparsas, certo de que nunca será interpelado por isso. E estes menores de idade como ele, não correm nenhum risco, como se viu, para resgatar o seu líder.

Porque Batoré haveria de parar de matar?

A próxima família sem pai; a próxima mãe a ter seu filho arrancado de si pela sede de sangue de um Batoré, que tenha paciência: um programa de renda mínima da vida, um dia, há de amansar esse tipo de fera" ("Por que os Batorés matam", 6.12.00, p. 3A).

Nesse contexto, essa Comissão encampa o Projeto elaborado pelo Promotor Carlos Eduardo Fonseca da Matta, que com mudanças pontuais na legislação penal e processual penal vigente, dá um castigo à altura de cada crime e coloca um freio à essa verdadeira porta giratória em que se transformou nosso sistema prisional.

3.       Tendo em vista tais fatos, propomos:

         a) A ampla e efetiva participação do Ministério Público na política de segurança pública e de combate à criminalidade, desde a sua formulação, fixação e alterações, até a fiscalização, acompanhamento da execução e exigência da sua aplicação pelos organismos estatais, administrativa ou judicialmente;

         b) A encampação, divulgação e defesa do Projeto "Carlos Eduardo Fonseca da Matta", por entendermos ser o mesmo um mecanismo eficiente e necessário para o combate da criminalidade violenta. Solicitando, autorização para que possa seu autor, em audiência extraordinária, detalhá-lo a esse E. Órgão Especial do Colégio de Procuradores;

         c) A tomada de postura mais agressiva e democrática da Procuradoria Geral de Justiça e demais Órgãos da Administração Superior do Ministério Público no enfrentamento da questão, ouvindo e estimulando a participação popular, promovendo audiências públicas, em períodos regulares, no mínimo anualmente, com a presença da imprensa, representantes da sociedade civil e de especialistas;

          d) A criação de uma central única de inteligência, para que as informações de todas as Promotorias possam ser cruzadas com as informações de outras Instituições, que são sua tradicional fonte de dados, e deverão continuar sendo, com o objetivo de possibilitar uma visão mais minuciosa e atenta da evolução da atividade criminosa, um controle das ações policiais, da implementação da política governamental de segurança pública e, por conseqüência, um combate mais efetivo do problema.

         e) A articulação entre várias Promotorias e Instituições envolvidas no combate a criminalidade. Especialmente, através da formação de forças-tarefas, a exemplo das task force existentes nos Estados Unidos, compostas por Promotores de Justiça da Cidadania, do Consumidor, de Menores, do Gaeco, do Gaerpa e Criminais, Delegados e policiais especialmente designados, Fiscais das Receitas Federal, Estadual e Municipal para verificar a ocorrência de ilegalidades no âmbito criminal, administrativo e fiscal.

         f) A alocação nas Promotorias de peritos, agentes e tantos outros profissionais necessários ao eficaz desempenho da acusação;

         g) O estímulo à adoção de modernas técnicas investigativas.

 

         São Paulo, 13 de dezembro de 2000

 

         João Francisco Moreira Viegas

         Procurador de Justiça - Presidente

 

         José Domingos da Silva Marinho

         Procurador de Justiça

 

         Paulo do Amaral Souza

         Procurador de Justiça

 

         Paulo Ortigosa

         Procurador de Justiça

 

         Nelson Lacerda Gertel

         Procurador de Justiça

 

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