O Dia Internacional de Combate à Corrupção, celebrado nesta quarta-feira (9/12), foi marcado pela manifestação de apoio de diversas autoridades à campanha "Juntos contra o PL da Impunidade", idealizada pelo MPSP e veiculada nas redes sociais da instituição. Realizado em parceria com a Escola Superior do Ministério Público, o encontro virtual foi aberto pelo procurador-Geral de Justiça, Mario Sarrubbo, que alertou para o potencial negativo da possível aprovação do Projeto de Lei 10887/2018, atualmente em tramitação com o escopo de modificar a Lei da Improbidade Administrativa. "Entendemos que a sociedade brasileira está diante de algo que pode trazer grandes prejuízos". O PGJ acrescentou que a corrupção aprofunda desigualdades, reforça privilégios e causa impactos sociais, ambientais, políticos e econômicos.
De acordo com Sarrubbo, a campanha levada à internet pelo Ministério Público mostra à sociedade, por exemplo, que fraudes em concursos públicos deixarão de ser configuradas como atos de improbidade, assim como assédio moral, nepotismo e assinatura de contratos sem licitação. "A sociedade precisa acordar para este tema", afirmou. Para o procurador-geral de Justiça, o engajamento da população na campanha será crucial para sensibilizar o Congresso Nacional quanto à necessidade de se derrubar o projeto. "Este é o grande anseio do Ministério Público brasileiro, em especial dos promotores do MPSP, que combatem diuturnamente a corrupção", disse, aproveitando para exaltar o trabalho desenvolvido pelas Promotorias de Justiça do Patrimônio Público e Social e pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). "As instituições precisam ser fortalecidas para a luta contra a corrupção. Se fizermos isso, tenho certeza de que, em pouco tempo, diminuiremos esse problema a níveis insignificantes", completou.
Em sua fala, o diretor da ESMP, Paulo Sergio de Oliveira e Costa, lembrou o quanto as práticas de corrupção vitimam a sociedade, afetando notadamente o acesso a direitos como à educação, saúde e às políticas públicas voltadas aos mais necessitados. Segundo ele, a ESMP e o MPSP assumiram a missão de conscientizar e capacitar não apenas integrantes do Ministério Público, mas a sociedade como um todo, sobre as consequências da ação de agentes públicos corruptos. "Só a atuação coletiva, em rede, com conteúdos pedagógicos que sejam inseridos também nas redes municipal e estadual de ensino em qualquer nível, para que todos, desde a tenra idade, aprendam aspectos de integridade e ética", opinou.
O secretário do Conselho Superior do MPSP, José Carlos Cosenzo, lembrou que, diante de tentativas de enfraquecer as ferramentas necessárias para a atuação do Ministério Público em favor da coletividade, a instituição mantém o foco nos riscos de fragilização da sociedade brasileira. "Precisamos todos combater não somente os fatos que se concretizam nas iniciativas parlamentares, e sim de forma corajosa, enfrentar qualquer movimento que venha fragilizar os controles da democracia", disse. Cosenzo fez questão de destacar o trabalho desenvolvido nesse sentido por parceiros do Ministério Público, a exemplo da polícia e do Poder Judiciário.
Também formando parte da mesa de abertura do evento, a deputada estadual Janaina Paschoal alertou para a importância de se falar não apenas da corrupção tratada na esfera penal, mas também das práticas sistêmicas enraizadas na sociedade, a exemplo do compadrio. "Essa é uma cultura que precisamos quebrar".
O papel do Ministério Público na defesa de direitos e na luta contra a corrupção mereceu atenção por parte da procuradora regional da República da 3ª Região, Maria Cristiana Simões Amorim Ziouva. De acordo com ela, o protagonismo assumido pela instituição em casos dessa natureza faz com que se conquiste cada vez mais o respeito da sociedade. "Os brasileiros confiam no Ministério Público, depositando em nós a esperança e a certeza de dias melhores. Não podemos esmorecer".
Presidente do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG), Fabiano Dallazen lembrou dos diversos casos de corrupção identificados durante a pandemia de covid-19 e pontuou que existe um longo caminho a ser trilhado com o objetivo de se coibir atos de improbidade. Para ele, o evento desta quarta-feira é necessário para marcar posição contrária à possibilidade de retrocesso representado pela eventual aprovação do Projeto de Lei 10887/2018. Dallazen acrescentou: "Precisamos manter o que foi conquistado até aqui, os avanços que tivemos, para que possamos incorporar uma cultura de transparência e combate à improbidade".
A abertura do evento contou ainda com participação do secretário de Estado da Segurança Pública de São Paulo, general João Camilo Pires Campos, que listou iniciativas governamentais para coibir casos de corrupção e lavagem de dinheiro, ressaltando que, só com a soma de esforços empreendidos por instituições como o Ministério Público, é possível aplicar punições apropriadas aos responsáveis pelos malfeitos.
Os obstáculos surgidos no dia a dia dos agentes públicos comprometidos com a luta contra a corrupção foi um dos aspectos destacados pelo delegado regional executivo da Polícia Federal em São Paulo, Luiz Roberto Ungaretti de Godoy. "Mesmo assim, temos conseguido chegar aos altos patamares de criminosos que precisam ser combatidos no campo político e empresarial, desempenhando nossa função em busca de uma sociedade melhor". Na opinião do delegado, campanhas como a do Ministério Público em defesa da Lei de Improbidade são exemplos da busca por justiça e por uma sociedade mais igualitária.
Abrindo o Painel Criminal do evento, o secretário de Políticas Criminais do MPSP, Arthur Lemos, começou citando órgãos como a Receita Federal, Secretaria de Estado da Segurança Pública e Procuradoria-Geral do Estado como exemplos de aliados do MPSP no enfrentamento à corrupção. Ele foi seguido pelo secretário executivo do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), Amauri Silveira Filho, que também ressaltou a importância da articulação em rede para o sucesso do combate condutas irregulares na gestão da coisa pública. "Nenhuma instituição consegue combater sozinha o crime organizado ou à corrupção". Após fazer uma retrospectiva do surgimento do Gaeco, Silveira Filho detalhou o esquema de tríplice vertente característico da atuação do MPSP, que vem enfrentando o crime organizado a partir dos eixos organização criminosa, corrupção e lavagem de dinheiro. "Assim como ocorre com a lavagem de dinheiro, toda organização criminosa conta, no seu nascedouro ou em algum momento de sua existência, com contato com algum agente público corrupto", explica.
Em seguida, o coordenador do Núcleo de Inteligência e Gestão do Conhecimento (NIGC), Leonardo Romanelli, mostrou como as inovações tecnológicas e as ciências de dados vêm permitindo a coleta e o cruzamento de informações atualmente disponíveis para uso em investigações de casos de corrupção. Durante sua exposição, ele ainda classificou como fundamental para o mesmo objetivo a integração entre as esfera cível-administrativa e a criminal. Ferramentas de análises de dados também foram objeto da exposição de Romanelli: o WikiMPSP, por exemplo, conta com informações disponibilizadas por setores como Gaeco e Centros de Apoio Operacional Criminal e de Patrimônio Público, capazes de servir como embasamento para atuação contra crimes do colarinho branco. Ainda de acordo com Romanelli, funcionalidades como essa possibilitaram, notadamente durante a pandemia de covid-19, não apenas um reforço contra a corrupção, mas uma maior transparência quanto ao trabalho do próprio MPSP. "Construímos um painel disponibilizado à toda a população mostrando todos os dados de atuação da instituição em resposta à pandemia, mostrando inclusive os valores bloqueados para serem revertidos ao combate à crise do coronavírus".
Durante o Painel Cível do evento, mediado pela assessora da Subprocuradoria-Geral de Justiça Jurídica do MPSP, Beatriz Lopes de Oliveira, o subprocurador-geral de Justiça Jurídico, Wallace Paiva Martins Junior, abordou pontos que considera cruciais para que o enfrentamento à corrupção seja bem-sucedido, como a necessidade de não personalizar o processo de identificação e punição dos envolvidos. "A luta contra os corruptos é algo inerente à opção de Estado que o Brasil fez em 1988", disse, fazendo referência à promulgação da Constituição Federal. Sobre o Projeto de Lei 10887/2018, Martins Junior classificou a iniciativa como uma tática perniciosa que pode acabar abrindo espaço para que o ilícito cometido caia no esquecimento. "A alteração legislativa visa a eliminar os ganhos de certos institutos consagrados pela jurisprudência, notadamente quanto à prescrição e à indisponibilidade de bens, por exemplo".
A assessora do Centro de Apoio Operacional Cível, Camila Moura e Silva, também teceu comentários a respeito do substitutivo da Lei de Improbidade, considerando importante conclamar toda a sociedade para discussão sobre o tema, envolvendo instituições como os Ministérios Públicos de outros Estados e organizações de terceiro setor para dar conhecimento quanto a tudo de negativo que a aprovação do "PL da Impunidade" representaria. "Se aprovado, o PL trará um grande retrocesso no combate à corrupção, tanto no campo civel quanto no criminal", opinou, fazendo coro aos colegas ao apontar como indispensável a integração entre ambas as áreas para o sucesso do enfrentamento aos ilícitos.
O promotor de Justiça do Mato Grosso Renee Souza ressaltou a necessidade de o Ministério Público acompanhar o contexto em que o país se encontra no combate à corrupção. Para ele, é primordial que a instituição preserve sua força constitucional e não atue de maneira isolada. Ele classificou como "brilhante" a apresentação feita por membros do MPSP atuantes no campo penal a respeito da utilização das ferramentas de big data para identificar e responsabilizar os envolvidos com atos de improbidade.
Para Roberto Livianu, procurador de Justiça criminal e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, o investimento em educação é o caminho para a construção de uma sociedade que não tolera o mau uso dos recursos públicos. Ele deu o exemplo da Coreia do Sul como nação que estava em situação similar à do Brasil há alguns anos e que hoje vive um momento de mais avanços graças ao fato de ter voltado as atenções, de maneira maciça, à educação. Outro ponto citado por Livianu diz respeito à transparência na gestão pública. "A transparência é crucial para o combate à corrupção. Infelizmente, no Brasil, temos vivido tempos sombrios de ataques sistemáticos à transparência", disse, citando como exemplo a recente edição da Medida Provisório 924. Para ele, o texto representou um ataque ao direito constitucional à informação.
Encerrando o evento, o promotor de Justiça Silvio Marques, que atua na esfera de improbidade administrativa, também comentou a legislação atualmente em voga no Brasil para lutar contra a corrupção. Apesar do arcabouço jurídico brasileiro voltado a coibir atos de improbidade, Marques listou dificuldades na aplicação concreta da legislação. Uma delas diz respeito às investigações que envolvem altas autoridades públicas. "Não são raras as tentativas de coibir a investigação do Ministério Público por meio de demandas judiciais ou mesmo de ataques políticos". Ele tratou ainda da Lei do Abuso de Autoridade, classificando-a como uma tentativa de evitar a atuação do Ministério Público, assim como o próprio PL 10887/2018. Por outro lado, Marques apontou a Lei Anticrime como um avanço para proteção das prerrogativas constitucionais da instituição. "Ainda precisamos avançar em nossa legislação para que mais desses instrumentos sejam criados e possamos combater com mais força a corrupção que assola o Brasil".