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Friday , 12 de september de 2014

Encontro Nacional põe em pauta pensamento crítico e práticas transformadoras do MP

Especialistas, Procuradores e Promotores de Justiça de todo o País debatem em São Paulo
Especialistas, Procuradores e Promotores de Justiça de todo o País debatem em São Paulo

Da sustentabilidade na relação campo-cidade à descriminalização das drogas, passando pelo papel da escola na formação do agente político, democracia e pelo controle externo da atividade policial. Tudo isso foi debatido nesta quinta-feira (11/09), no primeiro dia do I Encontro Nacional do Ministério Público, com tema central “Pensamento Crítico e Práticas Transformadoras”, que começou na noite de quarta-feira e termina neste sábado (13), na sede da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo (ESMP). O evento reúne membros do MP de todo o País e especialistas em diversas áreas.
 
Ao falar sobre "Sustentabilidade na relação campo-cidade", Robertson Fonseca de Azevedo, Promotor de Justiça do Paraná, fez uma exposição baseada em números do IBGE que demonstram que 84% da população do País moram em cidades, mas que, por outro lado, entre 70% a 75% da produção de alimentos que chegam às grandes cidades são produzidas em pequenas propriedades agrícolas. Ele traçou ainda um panorama sobre como a força humana migrou da agricultura para a área energética.

Outra questão destacada foi como as barragens construídas para gerar energia afetam as pequenas propriedades agrícolas produtivas. Para enfrentar essa problemática, o Promotor de Justiça disse que o grande desafio do Ministério Público é ter acesso ao conteúdo produzido nessas áreas pelas universidades. "Precisamos traduzir esse conhecimento para pautar a nossa atuação, para nos instrumentalizar para que possamos ter melhor eficácia no combate a essas questões", frisou.

Segundo o Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo de São Paulo, Mauricio Antonio ibeiro Lopes, que apresentou no painel a visão de um promotor de justiça sob a ótica urbanista, estudos recentes demonstram que 15,64% da população brasileira moram em áreas rurais, o que representa 30 milhões de pessoas. "Algumas pesquisas indicam que esse número pode ser o dobro, o que multiplica a complexidade desse tema", ressaltou.

Uma dessas complexidades, de acordo com Lopes, são as áreas rurais coladas a áreas metropolitanas das grandes cidades. No município de São Paulo, 15% da área são rurais e 5,3% da população moram nesses locais em ocupações horizontais. De acordo com o Promotor de Justiça, a política habitacional adotada em São Paulo é voltada para a transferência dessas pessoas para conjuntos verticais.

Na opinião de Ribeiro Lopes, o êxodo rural deve ser enfrentado pelo MP. Ele também acredita que o tema não deveria ser visto com antagonismo entre as áreas de Habitação e Urbanismo e Meio Ambiente. "Creio que temos de repensar a redução da desigualdade social sem deixar de considerar o desenvolvimento econômico. Esse deveria ser um olhar atento e contemporâneo do Ministério Público", frisou.

Procuradores e Promotores de Justiça disuctem políticas de segurança pública

O primeiro dia do Encontro Nacional do MP também discutiu o controle externo policial.  No painel “Controle Externo da Polícia e Políticas de Segurança Pública", o Promotor de Justiça Eduardo Valério, Coordenador do Núcleo de Políticas Públicas (NPP) do MP-SP, afirmou que essa atividade pode ser aprimorada com a criação de Promotorias regionais e especializadas.  “A ideia é que essa atuação regionalizada coincida com a divisão por base territorial das Polícias", explicou. "Precisamos romper com a divisão cível e criminal". Ele também defendeu um modelo de atuação policial alinhada com a garantia dos direitos individuais. Na opinião dele, o que precisa ser discutido é uma atuação policial alinhada com os princípios da Constituição. "Nessa situação o Ministério Público será o primeiro aliado das Polícias", afirmou.

"Não consigo conceber um promotor criminal que não seja também promotor de direitos humanos", disse o Promotor de Justiça de Direitos Humanos de Recife, Westei Conde. "Quem faz uma denúncia de abuso policial procura a Promotoria de Direitos Humanos que não tem atribuição criminal", justificou.

Para o Subprocurador-Geral de Justiça de Relações Externas do MP-SP, Arnaldo Hossepian Salles Lima Junior, que já foi Secretário-Adjunto da Segurança Pública de São Paulo, a segurança pública tem que assegurar garantias não só para os menos favorecidos, mas para todos os cidadãos.

Como exercer o controle externo das Polícias por uma instituição que privilegia a independência funcional foi outro tema de discussão no evento. Para o Promotor de Justiça Chefe de Gabinete da Procuradoria-Geral de Justiça do MP do Mato Grosso do Sul, Paulo Cezar dos Passos, esse é um desafio institucional. "Equilibrar unidade e independência funcional. Somos unos, mas qualquer um faz o que quer", afirmou.

A EFETIVIDADE DO MP

O Promotor de Justiça Marcelo Pedroso Goulart, diretor da Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, fez a abertura do painel que abordou o tema "A efetividade do Ministério Público e a construção de novas espacialidades - Promotorias de Justiça Estaduais, Regionais, Locais e Comunitárias”.

“O processo de autonomia do Ministério Público é consequência do processo de democratização da sociedade brasileira”, afirmou Goulart, para quem a atuação institucional foi mudando de acordo com o avanço da cidadania.

De atuação meramente processual no passado, o promotor passou a ser um agente político após a Constituição de 1988, observou. “Antes, o que acontecia no caminho do promotor para casa não importava; O que importava era a verdade dos autos. A partir dessa mudança, tudo o que acontece no trajeto da casa do promotor até a Promotoria importa. A realidade social em que ele vive importa porque o promotor é o agente fiscalizador dos poderes públicos e indutor de políticas públicas. Para esse promotor, não bastam mais apenas a verdade dos autos e o conhecimento jurídico”.

Marcelo Goulart acentuou que, atualmente, o promotor deve ter conhecimento transdisciplinar e não pode trabalhar em escala única de divisões territoriais por comarca “porque esse método já se mostrou insuficiente”.

Para ele, é necessário superar o que chamou de contradição entre o novo conteúdo e a velha estrutura que amarra a atuação dos promotores e não garante a efetividade do trabalho. O caminho, aponta, é um projeto de regionalização que já está tramitando no MP paulista. “Trata-se de unidades de atuação permanente, promotorias, com cargo e atribuições naturais e independência funcional.”

O PAPEL DAS ESCOLAS

Nicolao Dino, Procurador da República Secretário das Relações Institucionais da Procuradoria-Geral da República; Luciano Luz Badini Martins, Procurador de Justiça e Diretor do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do MP de Minas Gerais; e Eduardo Diniz Neto, Promotor de Justiça do MP-PR e Presidente do Colégio de Diretores de Escolas e Centros de Estudos (CDEMP) debateram "O Papel das Escolas do Ministério Público na Formação do Agente Político”, na mesa presidida pelo membro do Conselho Superior do MP-SP Mário Luiz  Sarrubbo.

Para Luciano Badini “há necessidade de qualificação quanto a instauração de inquéritos civis que devem servir de suporte para uma eventual propositura de ação civil pública”.

"O Papel das Escolas do Ministério Público na Formação do Agente Político”, tema debatido no I Encontro Nacional do MP

Já o Procurador Nicolao Dino acha que “as escolas têm que desenvolver estratégias para formação de um membro engajado, antenado com os problemas sociais e, acima de tudo, sensibilidade para agir com os demais atores sociais e políticos”.  Segundo ele, todas essas características devem ser observadas para se buscar um perfil do Promotor de Justiça “que deve ser percebido pela escola para efeito de definição do projeto político-pedagógico”, frisou.

A formação deve ser crítica, estruturada e incentivar a adoção de mecanismos de resolução de conflitos que não precisam, necessariamente, passar pelo Poder Judiciário. Dessa forma, se inicia o caminha na busca de um MP mais resolutivo.

DEMOCRACIA

No painel “A democracia que queremos para o Brasil”, o sociólogo Marco Aurélio Nogueira afirmou que o Brasil estava trabalhando para romper com seu passado, mas hoje está mergulhado num futuro meio às cegas. E questionou: "o que dificulta a formação de projetos compartilhados de futuro?". Para ele, a mudança na estrutura econômica da sociedade dificulta a interação entre os indivíduos, o que produz uma fragmentação social e uma consequente falta de identidade. "As pessoas não sabem mais qual é o seu lugar no mundo". Segundo Nogueira, a repercussão deste fenômeno na política é imediata. "Os partidos políticos também estão embaralhados. É difícil saber o que é direita e o que é esquerda".

Apesar dessas dificuldades, Nogueira acredita que há consensos  - como forma de construção coletiva de um senso político – na sociedade, eles apenas não estão sendo processados. "é preciso dar voz aos atores que produzam mudanças na sociedade".
Neste mesmo sentido, o historiador Marco Antonio Mondaine de Souza defendeu a ideia de democracia em que há socialização do poder. Para ele, percebe-se se um país é democrático ou não observando-se os níveis de distribuição de renda, a relação entre negros e brancos, a relação entre homens e mulheres, observando o nível de concentração do poder da mídia. E provocou: "nós vivemos numa democracia restringida".

Mondaine acredita que é fundamental repensar os mecanismos de participação política e em uma reforma política que aponte na separação entre os poderes político e econômico do país. "Mas é impossível esses debates com tal nível de concentração midiática existente na sociedade", lamentou.

Sílvio Caccia-Bava, sociólogo e diretor e editor-chefe do “Le Monde Diplomatique”, foi além, pois acredita que a universalização dos direitos é impossível no capitalismo. Apesar disso, ele é otimista ao defender o poder da sociedade civil em se organizar. "Se temos essa rede de cidadania forte, é preciso criar condições para que ela própria elabore saídas para o seu desenvolvimento".

Caccia-Bava acredita que existem propostas que vão no sentido da democratização. "Nós temos propostas; não temos é capacidade política para colocá-las em prática", defende o sociólogo. E esta é uma questão estratégica: capacitar a sociedade para realizar a "grande mãe" das reformas, a reforma política.

Outros temas debatidos no Encontro Nacional foram a descriminalização das drogas, o aumento do Estado de polícia dentro do Estado de direito e o papel do Ministério Público diante da realidade brasileira de combate as drogas foram alguns dos pontos debatidos no painel "Política Criminal de Drogas e estratégias para Redução de Danos".

Para explicitar a posição da possibilidade da descriminalização das drogas  e, principalmente, da legalização da maconha para uso terapêutico, a Procuradora Regional da República Luiza Cristina Fonseca Frisheisen apresentou o panorama legislativo brasileiro sobre o tema; lembrou de casos internacionais, como Holanda, alguns estados dos Estados Unidos e da recente legalização da maconha no Uruguai; e chamou atenção para a realidade nacional. "Somos produtor, somos corredor (para o tráfico) e somos um país usuário", destacou.

Frisheisen acredita ser necessário debater o impacto da criminalização das drogas também no sistema carcerário. "Temos que melhorar muito o nosso sistema de penas alternativas". Mas, apontou condições, e para ela, este aprimoramento será impossível sem um acompanhamento, sem uma boa equipe para fiscalizar.

O Promotor de Justiça de Penas e Medidas Alternativas de Curitiba, Jacson Luiz Zilio, acredita que falta no Ministério Público um programa de política criminal. "Não é de uma hora para outra que vamos mudar, mas é preciso ter propostas para pequeno, médio e longo prazo".

Para Zilio, a política oficial de drogas tem um impacto forte no sistema penal: desde o aumento da população carcerária, aumento de mortes, aumento da corrupção e enfraquece a dogmática do direito penal. "é uma política que vem para proteger um bem jurídico e causa um dano ainda maior", concluiu.

Diante dessa realidade, qual o papel do MP? Para o Promotor de Justiça do MP-SP, Fauzi Hassan Choukr, o aumento do Estado policial significa o enfraquecimento do Estado judicial. "Cada vez que nós, na nossa prática, canonizamos depoimentos policiais sem questioná-los, se nós não entendermos que o processo penal nessa nova configuração tutela amplamente direitos fundamentais, nós vamos continuar abençoando essas práticas policiais que
incrementam a violência, expandem o poder policial para além de algo que é
controlável".

No caso das drogas, ele diz que é "incomensurável" o quanto esse modelo jurídico "é reprodutor de danos e não redutor" de danos para o usuário. Para Choukr, é necessário transformar a prática, "ou nós vamos continuar repetindo congressos iguais a estes nos próximos 50 anos".

A palestra inaugural do I Encontro foi proferida por Leonardo Avritzer, cientista político e Professor Titular do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A mesa foi presidida por Gianpaolo Poggio Smanio, Subprocurador-Geral de Justiça Institucional tendo como relatores os Promotores de Justiça do MP-SP Paulo Henrique de Oliveira Arantes e Felipe Duarte Gonçalves Ventura de Paula.

O cientista político analisou cronologicamente a evolução dos direitos sociais do Brasil com ênfase naqueles conquistados após a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Para ele “cada geração tem sua pauta de direitos, cada geração tem uma concepção diferente de sua cidadania, o Brasil de hoje pensa diferente e suas reivindicações que vão construir a cidadania do Brasil no futuro”.


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