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Tuesday , 13 de december de 2016

Fabíola Sucasas comenta conquistas de programa de prevenção à violência doméstica

Projeto do Gevid foi um dos destaques do Prêmio Innovare
Projeto do Gevid foi um dos destaques do Prêmio Innovare

Fabíola Sucasas - Prêmio InnovareEm sua edição 2016, o Innovare, iniciativa que reconhece e dissemina práticas transformadoras no âmbito jurídico, premiou o projeto “Prevenção da Violência Doméstica com a Estratégia de Saúde da Família”. O programa foi criado pela promotora de Justiça Fabíola Sucasas, integrante do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (Gevid), e prevê a atuação de agentes comunitários de saúde no enfrentamento à violência contra a mulher. Implantado nos distritos paulistas de Cidade Tiradentes e Guaianases e no município de Bragança Paulista, o projeto já abrangeu áreas cuja população chega a 627 mil habitantes, o equivalente a uma capital como Cuiabá.

Na entrevista a seguir, Fabíola Sucasas explica mais sobre o programa, além de apresentar resultados e falar sobre a possibilidade de replicar a proposta em outras localidades.

Como a senhora poderia resumir, em linhas gerais, o programa que acabou de ser premiado pelo Innovare?
Todo esse trabalho foi desenvolvido ao longo de três anos em algumas regiões da zona leste de São Paulo e também no município de Bragança Paulista. A ideia geral vem como confirmação de ditames da Lei Maria da Penha, de um de seus objetivos, que é justamente a prevenção da violência contra a mulher. Um ponto primordial da Maria da Penha é a necessidade do Ministério Público articular com outros serviços para garantir a efetividade da lei. São estes os dois pilares básicos que sustentam o projeto. Logicamente, ao longo de nossa experiência na Promotoria, esses dois pilares se confirmaram, pois nós atuamos numa região muito populosa, que contém alguns bairros considerados de alta vulnerabilidade na questão de garantia dos direitos humanos. O Núcleo II do Gevid tem grande número de procedimentos instaurados. Então, o desafio da prevenção à violência surge como uma forma de potencializar serviços públicos já existentes em determinados locais. O objetivo é de que o enfrentamento seja mais completo, como também permita a proteção às mulheres que se encontram em territórios onde a garantia dos direitos humanos é considerada insatisfatória. Além disso, é preciso que elas sejam informadas sobre seus direitos. A prevenção funciona como uma ferramenta para evitar novos delitos ou o agravamento do quadro da violência mediante a interrupção do ciclo, evitando inclusive os feminicídios. Nós sabemos que nenhum feminicídio ocorre sem que antes a mulher tenha passado por várias situações de violência. Então precisamos atuar nesse momento, na escalada da violência, sem necessariamente judicializar os casos. Eu já havia feito um estudo sobre a situação das estratégias de saúde da família, das agentes comunitárias de saúde, em que propus um trabalho de prevenção à violência, não só doméstica, mas da violência em geral, contando com atuação integral e multidisciplinar em núcleos de prevenção. A partir daí, enxergando a possibilidade de o Ministério Público articular com a área da Saúde no âmbito da violência doméstica, trazendo mecanismos de enfrentamento, de apoio às mulheres em situação de violência, nasceu a necessidade de criar este projeto.

Poderíamos dizer que o projeto se propõe basicamente a disseminar informação?
Ele vai além. A disseminação da informação é um dos pontos. Na verdade, existe aí um “pretexto” para chegar à casa destas mulheres e ouvir essas histórias. Os territórios de São Paulo onde o projeto ocorreu são marcados por diversos fatores em que a violência é rotina, invisibilizada; há muita descrença no atendimento dos serviços, ou eles são desconhecidos, precários, ou mesmo a população não compreende a dinâmica da violência de gênero. Geralmente os distritos policiais são procurados naquelas situações muito críticas de violência. Porque entrar na casa, deflagrar uma situação de violência e desvelar o silêncio, tudo isso é um grande desafio nestes locais. A disseminação da informação é uma das ferramentas de prevenção, mas aliada à capacitação e monitoramento, a proposta ganha contorno de maior potencialidade.   E como pensar em estratégias para interromper o ciclo de violência? Por isso, os profissionais passam por uma capacitação e por um treinamento.

Eles são treinados pelo MPSP?
Sim. A metodologia foi toda criada pelo MPSP. Mas nós temos parceiros que auxiliam nesse processo de capacitação: que são os serviços de assistência social do território. Existe aí um protagonismo de cada parceiro ao longo do processo da metodologia do trabalho. Existe o protagonismo do MPSP não só na capacitação, mas no apoio técnico. Há o protagonismo dos agentes comunitários de saúde, que é permanente. E contamos ainda com o protagonismo da assistência social, daí a necessidade de ampliar, de forma que em Guaianases foi incluído um novo módulo com uma experiência de atuação dos Centros de Defesa e Convivência da Mulher em todas as unidades básicas de saúde com estratégias de saúde da família, cujas equipes aprofundaram a discussão sobre violência de gênero e algumas especificidades do território.

É a famosa atuação em rede. E o fato de o projeto contar com a atuação dos agentes comunitários de saúde, que já são pessoas conhecidas na região, auxilia no projeto? É mais fácil que a agente de saúde entre na casa dessas mulheres e conversem com elas, do que uma pessoa que não tem um contato diário?
Sim, é uma das características que levam a reconhecer que as agentes de saúde se encontram numa situação realmente estratégica no enfrentamento desta violência. Mas se por um lado isso é algo que pode facilitar o diálogo, por outro existe um grande receio da exposição ao perigo. Há um temor de que aquela agente comunitária seja vista como uma delatora, alguém que fará com que o agressor seja investigado pela polícia, e tudo mais. E aí vem uma nova forma de encarar o enfrentamento à violência contra a mulher. Uma nova forma no sentido prático, pois já é uma forma que já foi proposta pela Lei Maria da Penha, que é desvincular o caráter criminal do enfrentamento. Uma pesquisa do Data Popular perguntou qual o serviço de atendimento às mulheres em situação de violência as pessoas mais conheciam. Quem ganha disparado é a delegacia de polícia. Sendo assim, nosso trabalho é justamente desmistificar isso. Como, na violência doméstica, existem perfis específicos de vítima e de agressor num ambiente familiar, existe muito temor de delatar ou chamar a polícia. Geralmente, a polícia vem para “apagar o fogo”, num momento de tensão máxima. Mas como o projeto privilegia a prevenção, devemos atuar também no empoderamento da mulher, fazendo com que ela saiba exatamente qual a situação em que se encontra. Ela precisa ter consciência se aquela é uma situação de risco, se esse risco é tão grande a ponto de transformá-la numa potencial vítima de feminicídio, além de saber que tipos de direitos teria numa hipótese de separação. Ou ainda, após ter se separado do agressor, esta mulher precisa ter mente a existências de medidas protetivas, quem são os profissionais que podem auxilia-la na concessão dessas medidas, quais são os requisitos para isso, que provas ela pode apresentar, qual a dinâmica de um processo criminal, etc. A mulher precisa saber que pode encontrar, no próprio serviço de saúde, agora potencializado, uma ferramenta apropriada.

Então o projeto trabalha mais com o recorte social do que propriamente penal.
Na verdade, nós sabemos que a esfera penal tem limites. Assim como é limitado aquilo que o Estado oferece em termos de serviços sociais. O que não podemos é encontrar nesses limites um obstáculo impossível de ser superado. É um caminho que precisa ser construído em conjunto. Sim, existe o aspecto da justiça criminal, que é extremamente importante, sobretudo em situações nas quais os limites sobre o aspecto social são muito engessados. Na verdade, eu não posso privilegiar um em detrimento do outro. A prevenção precisa se antecipar ao crime ou ao agravamento da violência.

Que resultados o projeto apresenta efetivamente nas regiões em que ele foi implantado?
Nós ainda não temos um levantamento que aponte se houve uma redução no número de procedimentos instaurados. Mas o objetivo do projeto não está diretamente ligado ao número específico de criminalidade. Quando pensamos em prevenção, para avaliar se houve uma diminuição de criminalidade, é preciso fazer um levantamento prévio de quanto aquela criminalidade representa no território, de quanto aquilo tem reflexo nos sistema de justiça criminal. Mas não estamos falando de prevenção do crime, e sim da violência. A violência contra a mulher não está retratada fielmente nas estatísticas, ela é subnotificada. Um dos resultados que nós tivemos foi o aumento no número de notificações e incremento na procura do serviço de assistência social especializado.

O que indica que o projeto vem funcionando. Se as notificações aumentaram, quer dizer que a mulher está empoderada.
Exatamente. E aumentam também as possibilidades de o próprio Estado construir ferramentas para o enfrentamento daquela realidade. E quando falamos de feminicídio, às vezes a notificação dos delitos que o antecedem já é uma ferramenta de prevenção. Porque em muitos dos crimes deste tipo, a escalada de violência enfrentada pela mulher não é levada em conta. Vamos imaginar uma situação em que houve uma tentativa de feminicídio, e que por mais que o homem tenha agredido, ameaçado e cometido uma série de delitos contra aquela mulher, nunca tenha sido feito nenhum registro a seu respeito. Então, no âmbito da Justiça, ele vai ser visto como um homem trabalhador, primário e com bons antecedentes, ao passo em que, ao longo dos anos, não foi esse o retrato que ele demonstrou na convivência familiar.

Este projeto é replicável em outras localidades?

Sim, o projeto tem uma metodologia de aplicabilidade em qualquer município, pois todos eles têm um sistema de atenção básica no âmbito da saúde. Existem as unidades básicas de saúde e os agentes comunitários, então há uma estrutura para isso. O mesmo no tocante ao Ministério Público, pois todo município tem um promotor de Justiça responsável por atender os casos. Da mesma forma em relação à assistência social, onde temos os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) ou os Centros de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS). Então sim, é possível replicar o projeto, até porque existe essa metodologia de capacitação, de articulação com serviços.

E essa metodologia está documentada, para quem tiver interesse?
Sim, está tudo documentado e disponível. O Gevid está à disposição para dar todo o apoio logístico caso exista o interesse em replicar a prática. E eu gostaria de ressaltar a potencialidade deste projeto, pois cada agente comunitário atende entre 200 e 250 casas por mês, o que significa que nós chegamos a quase 400 mil pessoas. E é claro que o programa deve continuar a ser trabalhado mesmo após o término de sua metodologia. Quero destacar também que a autoridade utilizada para a valorização daqueles que compõem uma comunidade é exercida pela própria comunidade, através da construção de lideranças. E essas lideranças precisam ser valorizadas pelo Ministério Público e pelo Estado. Afinal, é essa autoridade que faz a diferença e causa uma transformação social.

Para assistir a um documentário sobre o programa, clique aqui.


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