Nesta quarta-feira (18/12), as famílias do operário e sindicalista Virgílio Gomes da Silva e do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino receberam, em solenidade repleta de autoridades e militantes em defesa dos direitos humanos na sede do MPSP, certidões de óbito retificadas, documentos que esclarecem de que modo as mortes de ambos ocorreram. Virgílio e Merlino morreram durante a ditadura militar, após terem sido capturados e torturados pelas forças de segurança do regime.
"Hoje é um dia memorável para o Ministério Público, a casa da cidadania. Demoramos muito para chegar nisso", afirmou o subprocurador-geral de Justiça de Políticas Criminais e Institucionais, Mário Sarrubbo. "Eu queria dar um abraço fraterno aos familiares simbolizando um pedido de desculpas (em nome do Estado brasileiro)", completou Sarrubbo, que ficou bastante sensibilizado ao ouvir a leitura das notas biográficas dos homenageados e conhecer detalhes da luta das famílias pelo restabelecimento da verdade em relação às circunstâncias que levaram às mortes dos dois.
"É um grande passo para as famílias, mas é um gigantesco passo para história do Brasil", disse, emocionado, Gregório Gomes da Silva, filho de Virgílio. Ele tinha apenas dois anos quando o pai foi preso. "Nós também somos procuradores de Justiça. Somos colegas dos senhores", brincou Gregório, lembrando que sua família busca a verdade desde o dia em que o sindicalista foi capturado.
Ângela de Almeida, viúva de Merlino, classificou a retificação da certidão de óbito do jornalista como uma vitória. "A tortura desumaniza a sociedade", advertiu Ângela.
A cerimônia foi conduzida pelo promotor de Justiça de Direitos Humanos Eduardo Valério, que pediu ao público um minuto de silêncio pela memória de Virgílio e Melino. De acordo com Valério, a entrega dos documentos representa um capítulo do que se chama Justiça de transição, fundamental para a "consolidação de Estados Democráticos que passaram por experiências autoritárias". Ainda segundo Valério, um dos pilares da Justiça de transição é a reparação. "Para que não se esqueça nunca. Para que nunca mais se repita", enfatizou o promotor, que agradeceu o trabalho da promotora de Justiça Patrícia Audi, da área de registros públicos.
Somente em 2017, a lei definiu que as famílias podem solicitar a "retificação administrativa" dos atestados de óbito, que começaram a ser expedidos em 1995, conforme relatou a procuradora regional da República Eugênia Gonzaga. Ela presidia a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, mas foi retirada do cargo por decisão do presidente da República, Jair Bolsonaro. Apesar do comando legal, o cartório havia se recusado a atender ao pedido das famílias de Virgílio e Merlino, levando o MPSP a apresentar recursos administrativos junto à Corregedoria-Geral de Justiça para reverter a decisão. "Foi graças à atuação do Ministério Público que a Corregedoria se atentou para esses casos", afirmou Eugênia.
A advogada Ana Amélia Mascarenhas, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP, relatou que a entidade fez ofícios ao Tribunal de Justiça, apontando o descumprimento da lei nos casos de Virgílio e Merlino. "Estamos conseguindo atuar em defesa dos direitos humanos e garantir a democracia nesta país, democracia tão ameaçada", comentou Ana Amélia.
O subprocurador-geral de Justiça Jurídico, Wallace Paiva Martins Júnior, também alertou para o risco de retrocessos. "Eu sou neto de preso político. Esse país viveu períodos da mais completa arbitrariedade", observou o subprocurador, destacando o papel do Ministério Público na defesa dos direitos humanos e do regime democrático.