“Temos um problema grave de atitude: há um divórcio absoluto entre a consciência individual e a prática coletiva” (Sérgio Abranches)

Não adianta calar. Se os habitantes deste planeta não se posicionarem em favor do meio ambiente, a situação só tende a piorar. O Ministério Público paulista está fazendo a sua parte...

O "11º Congresso de Meio Ambiente e o 5º Congresso de Habitação e Urbanismo do Ministério Público de São Paulo", com o tema "O Clima, a Habitação e as Águas: Conflitos e Soluções", realizado pelo Centro de Apoio Operacional de Urbanismo e Meio Ambiente – CAO-UMA – entre os dias 25 a 28 de outubro no Hotel Villa Rossa, em São Roque, que contou com conferencistas de renome, foi marcado pela busca incessante na solução dos conflitos que estão à nossa volta e dos que vamos encontrar nas próximas décadas.

E qual razão leva o Ministério Público colocar em pauta discussões que assustam (ao mesmo tempo!) os esclarecidos e os menos informados? As palavras do procurador-geral de Justiça Rodrigo César Rebello Pinho, durante a abertura do congresso, resumem os motivos. “O Ministério Público é uma instituição que se renova ano a ano. Apesar de ser uma instituição jovem, sente a necessidade de mudanças e seus integrantes têm a consciência universal da necessidade de proteção do planeta terra. Por isso, estamos a discutir temas fundamentais que interessam aos procuradores e promotores e à sociedade como um todo.”

Na solenidade de abertura, além do PGJ, participaram o ministro do Superior Tribunal de Justiça Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, o integrante do Conselho Nacional de Justiça Felipe Locke Cavalcanti, o procurador de Justiça e secretário do Conselho Superior do Ministério Público José Benedito Tarifa, o procurador de Justiça Antonio Viconti, representando o Movimento do Ministério Público Democrático, o sociólogo e diretor de “O Risco Político” e do site “O Eco” Sérgio Abranches, o diretor-presidente do Instituo Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (Inpev) João César Meneghel Rando, a chefe de gabinete da Imprensa Oficial Vera Lúcia Way, representando o diretor-presidente e o diretor-presidente da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) Fernando Rei.

O ministro Herman Benjamin, uma das maiores autoridades no assunto, elogiou a realização do congresso anual de Meio Ambiente e Urbanismo e o Poder Judiciário pela Câmara Ambiental, mas (já na abertura) se mostrou irritado com o Projeto de Lei de Parcelamento do Solo nº 3057/00 (leia a íntegra) prestes a ser aprovado pela Câmara dos Deputados. “Foram necessários 20 anos para o STJ pacificar a reserva legal e áreas de preservação permanente que hoje são vistas como a pele que protege o planeta. Se o projeto for aprovado, 20 anos de trabalho irão para a lata do lixo.” O ministro, estarrecido, citou algumas das barbaridades, segundo ele, contidas no PL que vão desde áreas de preservação muradas ao retorno do chamado ‘lote motel’. “Esse projeto é uma resposta ingrata ao trabalho do Poder Judiciário e do Ministério Público. É a sentença de morte do Código Florestal Brasileiro”, disse Herman Benjamin, que submeteu o texto à análise detalhada de um grupo de congressistas.

Diante disso, o CAO-UMA encaminhou manifestação (leia a íntegra) à entidades ambientalistas, aos Ministérios Públicos dos demais Estados da Federação, ao Ministério Público Federal, ao Conselho Nacional de Justiça, ao Conselho Nacional do Ministério Público e aos deputados que pediram vista do PL (veja quais). Tal a preocupação do ministro e dos integrantes do MP com a possível aprovação do texto, que o CAO-UMA elaborou mensagem (clique aqui) a ser dirigida aos deputados. 

 

VOZES QUE NÃO QUEREM CALAR

Na primeira conferência, Sérgio Abranches falou sobre o desafio da mudança climática no Brasil e começou taxativo. “No Brasil não há problema de governo e sim problema de falta de governança. Se você é daqueles que têm pena de pagar por um bom vinho não deixe de tomá-lo, daqui a 100 anos as pessoas terão à mesa comida e bebida sintéticas e os vinhos não terão o mesmo gosto dos de hoje.” Segundo o jornalista, até 2020, com nova revolução tecnológica a caminho, os eletrodomésticos (refrigeradores, por exemplo) evitarão a utilização dos gases que hoje os compõem. “As mudanças vão ocorrer antes do tempo que imaginamos.”

Abranches comparou os efeitos dos furacões Katrina (Nova Orleans) e Catarina (nosso primeiro). “O Catarina aconteceu 30 anos antes das expectativas dos cientistas porque as águas do Atlântico estão se aquecendo muito rapidamente.“ Ele citou os efeitos dos ventos de 130 km/h que destruíram escolas em Santa Bárbara D’Oeste, episódio tratado pela imprensa como tornado porque “o brasileiro se gaba de dizer que aqui não tem essas coisas”. Abranches explicou sobre o efeito estufa, o aumento na intensidade dos furacões, as dificuldades que envolvem o acordo entre os grandes poluidores (China, Índia e Brasil), os problemas dos países que mais percebem o aquecimento global (Estados Unidos, Canadá, Austrália e Brasil), as implicações do desmatamento e o nosso problema de uso de combustível. Segundo ele, a diminuição do Brasil formal e a expansão do Brasil informal e ilegal contribuem para os problemas que enfrentamos. “Não é só um problema ambiental, é uma questão de responsabilidade pública e privada.” E sentenciou: “desenvolvemos uma complacência doentia em torno do desmando brasileiro”.

A arquiteta e professora da Faculdade de Arquitetura da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Raquel Rolnik falou obre a crise habitacional e as ocupações irregulares. Ela expôs alguns mitos como o planejamento para o habitat popular e irregularidades por conta da falta de moradias. “Historicamente nenhum espaço da cidade foi planejado para a habitação popular. “O planejamento, regulação e controle do uso do solo dialoga somente com os mercados da cidade formal e exclui o mercado popular. Opera no sentido de concentrar renda e oportunidade nas mãos de quem já tem (30% da população).” Por isso a arquiteta atribui a irregularidade à expansão. “Quando o filho casa, o restante da população acaba fazendo os ‘puxadinhos’ ou a segunda laje.”

Raquel Rolnik citou como fonte de desequilíbrio ambiental em São Paulo a construção de conjuntos habitacionais na periferia. “Nos últimos anos os bairros centrais de São Paulo perderam mais de 100 mil moradores”, disse referindo-se a essas moradias como ‘depósito de gente’.

O secretário de estado da Habitação Lair Krähenbühl falou sobre as medidas mitigadoras dos impactos ao meio ambiente decorrentes de ocupação. Expôs as dificuldades de se regularizar os conjuntos habitacionais das cidades. “Você tira o homem da favela, mas nem sempre consegue tirar a favela do homem.” Krähenbühl explicou também a grande novidade de sua secretaria: o acompanhamento da pós-ocupação, segundo o secretário procedimento inédito no Estado de São Paulo. Falou sobre o equívoco da política de construção de residências com dois dormitórios porque com o terceiro há, além de mais espaço, fixação da família por mais tempo no local. Entre outros empreendimentos de sua pasta Krähenbühl citou o programa de construção de residências para os servidores e o programa Cidade Legal. “Quem trabalha na Zona Leste terá que obrigatoriamente se fixar na Zona Leste. É a lógica para se evitar o transporte.”

O promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital e professor da Faculdade de Direito da Universidade São Paulo Carlos Alberto de Salles destacou os elementos, envolvidos na problemática urbana, que devem ser levados em conta para avaliar e orientar a atuação do MP em relação ao meio ambiente das cidades. Nesse sentido, buscou demonstrar como o "fazer" da cidade –permanentemente em transformação – se orienta por marcos legais e  insituições. Entre as instituições, destacou o Estado e o mercado, como as principais. “Nesse contexto, ao MP incumbe zelar por fazer valer os marcos legais e intervir para que as instituições operem adequadamente quanto à questão urbana”, disse o promotor.

Ao falar sobre a ocupação de área ambientalmente protegidas, o ministro do Superior Tribunal de Justiça João Otávio de Noronha disse que “em termos de meio ambiente a magistratura tem muito a aprender com o Ministério Público” e reconheceu, também, que só pôde constatar a dimensão do problema ambiental quando chegou ao STJ. “A população brasileira, mesmo os mais esclarecidos, não está informada da gravidade da situação.“ O ministro Noronha defende que o homem deve olhar para sua sobrevivência e isso passa pela recuperação ambiental.

Segundo ele, o STJ tem ainda não tem sedimentada jurisprudência de preservação e recuperação do meio ambiente. Por isso citou decisões que vão de invasão de áreas à áreas degradadas pelo carvão. Entre os casos expostos, o ministro citou uma invasão de área em terras particulares (30 mil pessoas) incentivada pelo próprio governo porque no local havia muitos eleitores. “Não podemos confundir interesse da Fazenda Pública com interesse público.”

Em algumas das decisões, João Otávio de Noronha sentiu que poderia até causar polêmica na Corte ao responsabilizar também o alienante do imóvel quando esse compra sabendo que a pretensão do loteador é ilegal ou quando determina que 30 mil pessoas sejam retiradas de área invadida. Segundo o ministro, a polêmica não aconteceu. E ele utiliza um argumento recorrente: “conjunto habitacional se faz outro; nascente de água, o homem não tem essa capacidade. Devo escolher: cuido de 30 mil pessoas ou mato 10 milhões de sede?”.

Ao citar o exemplo do carvão de Criciúma/SC, o ministro disse ter ficado estarrecido com a degradação da região. Uma ação civil pública do MP teve êxito na primeira instância e no Tribunal Regional Federal. “A União dizia não ter responsabilidade e, por isso, adotei a tese da solidariedade em prol do interesse maior, interesse da sociedade. Diante de lacunas temos que decidir sempre em favor da sociedade”, disse o ministro que está mudando de área no STF: deixa o direito público para atuar no direito privado.

Na palestra sobre aquecimento global e mudanças climáticas o pesquisador Tércio Ambrizzi, do Grupo de Estudos Climáticos GrEC do Departamento de Ciências Atmosféricas (IAG/USP) apresentou uma abordagem científica do tema, valendo-se, inclusive, de dados do IPCC, expondo os diferentes pontos de vista sobre o assunto, com destaque para os questionamentos levantados pela comunidade científica. Tércio Ambrizzi reafirmou a ocorrência do aquecimento global como conseqüência  dos gases que contribuem para o efeito estufa.

 
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O ecologista, professor titular da Universidade Federal de São Carlos, professor titular da Universidade de São Paulo José Galizia Tundisi falou sobre os
impactos aos recursos hídricos: em áreas urbana e rural. Segundo ele, as pessoas têm que se atentar para a disponibilidade da água e não somente para a quantidade. Não há registro correto da quantidade de água do planeta porque muitos países, alegando questões estratégicas, não disponibilizam o número. “Por isso, o cálculo da demanda fica prejudicado.”

Galizia Tundisi falou sobre sustentabilidade, clima, produção de energia, produção de alimentos, biodiversidade, mudanças globais e sistema de inovação. “Não há solução exitosa para a produção de energia. Estamos em um beco sem saída. Temos que ficar atentos aos recursos hídricos e para o sistema de sustentabilidade do planeta.” O ecologista citou um número assustador: “dois bilhões de pessoas no mundo não têm acesso à água e ao saneamento básico”. E adverte: “água tem valor estratégico e é fundamental que isso seja implantado dentro das políticas públicas federal, estadual e municipal”.

TESES

Quatro teses foram apresentadas no "11º Congresso de Meio Ambiente e o 5º Congresso de Habitação e Urbanismo do Ministério Público de São Paulo":

• O Ministério Público autor nas áreas criminal e extracriminal – Antonio Visconti (procurador de Justiça / 3ª Procuradoria de Justiça – Habeas Corpus e Mandados de Segurança criminais)

• Projeto Garden – Fernando César Bolque (promotor de Justiça Regional do Meio Ambiente do Pontal do Paranapanema / professor universitário especialista em Interesses Difusos e Coletivos pela Escola Superior do Ministério Público / mestre em Direito das Relações Socais, sub-área Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP)

• Promotoria de Defesa Animal – Laerte Fernando Levai (promotor de Justiça em São José dos Campos)

• Destino dos instrumentos de crimes contra o ambiente – Pedro Abi-Eçab (promotor de Justiça de Rondônia / bacharel em Direito pela USP / mestrando em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP)

FRASES

“... Apesar de ser uma instituição jovem, (o MP) sente a necessidade de mudanças e seus integrantes têm a consciência universal da necessidade de proteção do planeta terra.” (Rodrigo Pinho)

“Foram necessários 20 anos para o STJ pacificar a reserva legal e áreas de preservação permanente... Se o projeto for aprovado, 20 anos de trabalho irão para a lata do lixo.” (Herman Benjamin)

“Se você é daqueles que têm pena de pagar por um bom vinho não deixe de tomá-lo. Daqui a 100 anos as pessoas terão à mesa somente comida e bebida sintéticas.” (Sérgio Abranches)

“Não podemos confundir interesse da Fazenda Pública com interesse público.” (João Otávio de Noronha)

“Você tira o homem da favela, mas nem sempre consegue tirar a favela do homem.” (Lair Krähenbühl)

“São decisões históricas e que, por coincidência, têm a participação do MP. O meio ambiente deve tudo à luta do MP.” (Gilberto Passos de Freitas)

HOMENAGEM - No sábado (27/10) o grande homenageado foi o desembargador Gilberto Passos de Freitas, atual corregedor-geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Os integrantes da mesa (procurador-geral de Justiça Rodrigo César Rebello Pinho, ministro do Superior Tribunal de Justiça Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, procurador de Justiça Antonio Visconti e o juiz de Direito Sergio Antonio Ribas não escondiam a alegria em prestar essa homenagem e a emoção atingiu de cheio o homenageado.

Ao saudar Gilberto Passos de Freitas, Herman Benjamin sintetizou: “o MP não homenageia o ex-colega que levou seus conhecimentos a outra instituição, não homenageia o doutrinador puro, não homenageia o magistrado que consegue ver na lei não mais que uma simples ferramenta para fazer Justiça, não homenageia Gilberto Passos de Freitas pela defesa intransigente no que acredita. A homenagem é para o ser humano, filho de José Maria (funcionário público) e Celeste (farmacêutica). Certamente a genética juntou as qualidades de ambos em nosso homenageado”.

“Leve o reconhecimento da casa que foi sua por mais de 20 anos”, disse o procurador de Justiça Antonio Visconti, também acometido pela emoção da homenagem. Já que o homenageado era o ser humano, Gilberto Passos de Freitas não teve que fazer esforço algum para disfarçar a emoção ao agradecer à coordenadora do CAO-UMA procuradora de Justiça Marisa Rocha Teixeira Dissinger.

Gilberto Passos de Freitas informou que está coletando as decisões ambientais de ordem cível e criminal. “São decisões históricas e que, por coincidência, têm a participação do MP. O meio ambiente deve tudo à luta do MP”.