Contra o índex da OAB

Fonte: Folha de S.Paulo, em 23/2/08 - TENDÊNCIAS/DEBATES

A OAB-SP pode elaborar lista com nomes de supostos violadores de direitos dos advogados?

NÃO

RODRIGO CÉSAR REBELLO PINHO

EM NOVEMBRO de 2006, a seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil publicou, em sua página eletrônica, "uma lista com os nomes de 173 pessoas consideradas inimigas da categoria, como juízes, policiais, promotores e jornalistas" -entre as quais, inclusive, um articulista deste jornal, Elio Gaspari. A listagem foi preparada pela Comissão de Direitos e Prerrogativas da entidade, cujo presidente à época declarou que a medida foi tomada para que "a pessoa nomeada [fique] exposta", podendo "resultar, no futuro, na negativa ao pedido de carteira da OAB para atuar como advogado". Segundo ele, o cadastro também inclui jornalistas para evitar que "pessoas extrapolem o limite da crítica".

Na quarta-feira da semana passada, três dos promotores que integravam essa "lista de inimigos", dois de São Paulo e um de Minas Gerais, foram desagravados em sessão pública ocorrida no Ministério Público paulista.

Entendeu o MP que a inclusão deles na lista não se deu em decorrência de um processo legal, presidido por autoridade competente, em que tenham predominado o contraditório e a ampla defesa. O MP considerou ainda que os três agiram no estrito cumprimento de dever legal, ao acompanharem diligência da polícia que, de posse de mandado judicial expedido por um juiz de Minas, prendeu duas pessoas que se encontravam em um escritório de advocacia em Piracicaba.

Na sessão de desagravo, afirmei que "essa lista de "inimigos dos advogados" e procedimentos semelhantes visam a inibir a atuação dos promotores", sendo, ademais, "iniciativas fascistas, que têm o nosso repúdio". Foi o quanto bastou para que vários dirigentes da OAB viessem a público manifestar-se indignados.

Afirmo que a "lista de inimigos" é absolutamente ilegal e inconstitucional. Acredito que a OAB pode muito bem desagravar o advogado que imagine ter sido ofendido no exercício da profissão, mas não cabe à entidade o julgamento administrativo de quem não seja nela inscrito: as leis e a Constituição não lhe dão esse direito. Mais que isso, não lhe é permitido, sob o pretexto de tornar público o desagravo, inculpar qualquer pessoa estranha a seus quadros, rotulando-a de "inimiga da advocacia". Sob essa perspectiva, reafirmo que a "lista de inimigos" é, de fato, produto de ação discriminatória e autoritária e lembra, tanto em forma quanto em conteúdo, políticas análogas que vicejaram sob o macarthismo nos Estados Unidos do pós-guerra e nos pogrons -de que os triângulos rosa impostos aos homossexuais e as estrelas de Davi pespegadas aos judeus são exemplos pictóricos de tristíssima memória.
Tenho a maior admiração pela OAB, órgão a quem o país deve incontáveis manifestações em prol das liberdades públicas ao longo das últimas décadas. Muitos bacharéis foram protagonistas de episódios marcantes da história brasileira, como os juristas Raymundo Faoro e Sobral Pinto, e a entidade deve ser tida como uma das grandes responsáveis pela consolidação do regime democrático no país.

Igualmente, expresso de público meu respeito pelo honrado presidente da seccional estadual, Luiz Flávio Borges D'Urso, profissional de talento. Entretanto, não pode a entidade arvorar-se em um verdadeiro tribunal de exceção e achar-se no direito de aplicar sanções a quem não a integre. Para isso, ainda há juízes no Brasil, autoridades a quem a Constituição, expressão da vontade popular, outorga o dever de julgar -como, aliás, fizeram-no duas decisões judiciais, que reconheceram a flagrante e patente inconstitucionalidade da lista e determinaram a exclusão dela de nomes de juízes e promotores paulistas.

As entidades públicas devem ter sempre a humildade e a coragem para o exercício da autocrítica e a correção de rumos equivocados. Espero, assim, que o "index prohibitorum" da OAB tenha o mesmo destino de outros de seus antecedentes históricos, por sua inexorável incompatibilidade com o regime democrático em vigor no país.
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RODRIGO CÉSAR REBELLO PINHO, 51, é o procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo.