Fonte: Folha de S.Paulo, por Lílian Christofoletti, em 20/1/08.

Ministério Público do Estado pediu apuração por ter indícios de contas ilegais no exterior

Eduardo Bittencourt diz que suspeitas surgiram porque sua ex-mulher, com quem trava disputa judicial, lhe atribui "renda imaginária"

A pedido do governo brasileiro, a Justiça dos Estados Unidos iniciou uma investigação para apurar eventuais contas bancárias ilegais atribuídas ao presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Eduardo Bittencourt Carvalho, 65, naquele país.

A solicitação foi feita em dezembro, após o Ministério Público do Estado de São Paulo receber denúncia envolvendo o presidente do tribunal em suposta cobrança de propina e remessa ilegal de até US$ 15 milhões para o Lloyds TSB Bank de Miami (EUA).

O salário de conselheiro do TCE paulista é, em média, de R$ 21 mil líquidos por mês. "A investigação internacional foi aberta porque há fortes indícios da existência de contas", afirmou o promotor da Cidadania Sílvio Marques, que pediu a quebra internacional do sigilo bancário para fins de bloqueio por meio do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), órgão do Ministério da Justiça de combate à lavagem de dinheiro.

Em e-mail enviado na noite de sexta-feira à Folha, Bittencourt relaciona as suspeitas ao contencioso judicial que trava com sua ex-mulher, que, segundo ele, lhe atribui "patrimônio e rendas imaginários".

À época do início das investigações, em dezembro, Bittencourt não era presidente do TCE. Foi alçado ao posto no dia 9 deste mês, 20 dias antes da data prevista. Com isso, o caso foi transferido ao procurador-geral de Justiça, Rodrigo Pinho, que será o responsável pela condução do inquérito cível. Pinho afirmou que a primeira providência será ouvir a ex-mulher de Bittencourt. Cópia dos documentos foi enviada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para eventual apuração criminal.

Responsável pela fiscalização e transparência de contas públicas, Bittencourt manteve sociedade com uma empresa "offshore" sediada num paraíso fiscal do Caribe.

Segundo documentos da Junta Comercial de São Paulo, entre junho e dezembro de 2002, a "offshore" Justinian Investment Holdings Limited foi sócia do conselheiro na Agropecuária Pedra do Sol, fundada por Bittencourt em 1994 e com capital social declarado de R$ 10 milhões.

O nome do verdadeiro proprietário da Justinian, aberta em Trident Chambers, PO Box 146, Road Town, nas Ilhas Virgens Britânicas, é desconhecido pelas autoridades brasileiras. O sigilo é uma garantida assegurada pelo paraíso fiscal.

A Justinian e o conselheiro foram sócios da fazenda Anhumas, em Corumbá (MS), adquirida em 1998 por Bittencourt por aproximadamente R$ 1 milhão em valor atualizado. O Ministério Público apura se a sociedade serviu para eventuais atividades ilícitas, como reintegração de dinheiro depositado ilegalmente no exterior.

O representante no Brasil da "offshore" Justinian era o hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Eros Grau, que atuou como advogado até ser nomeado para a corte em 2004. Procurado pela Folha, a assessoria informou que o ministro está em viagem internacional. A reportagem enviou e-mail, que não foi respondido.

Segundo o presidente da Comissão Nacional de Relações Internacionais da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Roberto Busato, todo advogado pode atuar como procurador de empresa estrangeira. "Ser procurador de uma "offshore", qualquer pessoa pode. Isso é totalmente legal", afirmou.

Testemunhas

Uma das testemunhas ouvidas pela Promotoria trabalhou durante anos para Bittencourt. Em depoimento gravado no dia 19 de dezembro, ela narrou ter visto o conselheiro receber propina. Em troca, disse, ele conseguia a aprovação de determinados contratos públicos.

A testemunha afirmou ainda que, ao contrário do que Bittencourt diz, os pais do conselheiro nunca foram ricos. O pai, afirmou, era funcionário público, recebia aposentadoria e tinha dois imóveis no Estado.

Há 17 anos Bittencourt foi indicado conselheiro vitalício do TCE, órgão de apoio da Assembléia Legislativa e que tem como função fazer fiscalização financeira, operacional e patrimonial do Estado de São Paulo e municípios, exceto a capital.

Presidente do TCE diz que "suposições são absurdas e ofensivas"

Eduardo Bittencourt afirma que as acusações são fruto da contenda judicial travada entre ele e a ex-mulher Aparecida

O presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Eduardo Bittencourt Carvalho, disse que as acusações são fruto da contenda judicial travada entre ele e a ex-mulher Aparecida B. Carvalho. Segundo ele, são "suposições totalmente absurdas e até mesmo ofensivas".

"Esses processos, como é natural, correm em segredo de Justiça na Vara da Família. Nessas disputas, minha ex-mulher e seu companheiro têm procurado identificar e localizar patrimônio e rendas imaginários, que possam ser acrescidos aos montantes cobiçados", disse em e-mail enviado à Folha na noite de sexta-feira.

Ainda na noite de sexta, a reportagem telefonou para o conselheiro para questioná-lo sobre as supostas contas bancárias no exterior.

Depois de ouvir a pergunta, Bittencourt disse que não tinha mais nada a falar, além do que já havia escrito no e-mail dirigido à Redação, e se despediu.

Na carta, o conselheiro afirmou que sua ex-mulher procura receber vultosíssima pensão e a metade dos seus bens, "apesar de termos sido casados com separação total de bens".

"Evidentemente, nos processos em causa, ela tem procurado provar as suas teorias, no que, evidentemente, não tem sido bem sucedida pela dificuldade que tem de separar o real do imaginário", afirmou.

O presidente do tribunal disse também que as questões suscitadas pela reportagem não têm interesse público.

"Manifesto a minha estranheza quanto ao fato de um jornal dessa projeção se prestar a atuar como linha auxiliar de estratégias processuais, em litígio judicial de partes privadas", afirmou o conselheiro.

Segundo ele, para justificar um "inexistente" interesse jornalístico, as questões da reportagem "são entremeadas de outras que supostamente diriam respeito a políticos, empresas e atividades do Tribunal de Contas do Estado, em suposições totalmente absurdas e até mesmo ofensivas".

"Ademais, entendo que não estou obrigado a responder questões que possam afetar as minhas próprias defesas processuais, especialmente as que possam corrigir os rumos equivocados em que a outra parte está se perdendo nos processos", disse Bittencourt. Aparecida, ex-mulher do conselheiro, não aceitou conversar com a reportagem. Por meio de amigos, informou estar em litígio com o ex-marido e não ter interesse em atrapalhar o processo de separação. (LC)

Testemunha envolve 2 ex-governadores

Investigação de contas de conselheiro pode chegar a Quércia e Fleury, afirma procurador-geral de Justiça

Os nomes dos ex-governadores paulistas Orestes Quércia e Luiz Antonio Fleury Filho foram citados no ofício enviado pelo governo brasileiro aos EUA como supostos envolvidos no pagamento de propina ao presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Eduardo Bittencourt Carvalho.

Quércia e Fleury afirmam que a acusação é absurda e totalmente sem sentido. "Estamos investigando todas as denúncias envolvendo os fatos e vamos chegar às últimas conseqüências. Existe a possibilidade de eles serem investigados também", afirmou o procurador-geral de Justiça do Estado de SP, Rodrigo Pinho.

Bittencourt foi indicado para a vaga da Assembléia Legislativa no TCE durante a gestão Quércia (1987 a março de 1991).

Os ex-governadores foram citados em depoimento gravado pelo promotor Sílvio Marques. A testemunha, que tem o nome mantido em sigilo, é considerada a principal informante no caso. Ela trabalhou durante anos com o conselheiro.

No depoimento, a testemunha afirmou que Quércia e Fleury pagaram para que o conselheiro conseguisse a aprovação de suas contas de governo. Afirmou ainda que, com o suposto dinheiro dado por Quércia, por volta de 1990, Bittencourt comprou uma fazenda na região de Nhecolândia, em Corumbá (MS).

Segundo a Folha apurou, Bittencourt registrou a aquisição de uma fazenda em Corumbá em 22 de dezembro de 1998. A compra, de acordo com documentos obtidos pela reportagem, foi de R$ 1 milhão, em valor atualizado.

O ex-funcionário relatou ainda ter presenciado encontro sigiloso entre o conselheiro e Fleury, que governou o Estado entre março de 1991 e 1994.

Disse que, no último ano de gestão, Fleury foi ao apartamento de Bittencourt. Segundo ele, o encontro foi precedido de minucioso rastreamento de linhas telefônicas e cômodos do apartamento, para verificar se havia escutas telefônicas ou aparelhos de gravação.

A fazenda Anhumas, em Corumbá, foi comprada da Chalet Agropecuária Ltda, de Botucatu (SP), que pertence ao criador de gados Luiz Eduardo Batalha, amigo de faculdade de Fleury. Em reportagem da revista "Veja", de agosto de 2006, Batalha foi citado como suposto testa-de-ferro de Fleury. Ele configuraria como proprietário de fazendas do ex-governador.

Batalha negou as acusações e Fleury ingressou com um processo contra a revista. Segundo a Folha apurou, a fazenda Anhumas tem hoje cerca de 32 mil hectares, com 24 mil cabeças de gado, sendo 12 mil matrizes. O terreno cresceu entre 2000 e 2001, quando Bittencourt adquiriu outras quatro propriedades vizinhas à fazenda, segundo documento obtido pela reportagem.

No ano passado, Bittencourt e duas filhas montaram sociedade com o responsável pela contabilidade da fazenda, José de Jesus Afonso, e investiram no ramo educacional. Fundaram o instituto de ensino Educa, que tem capital social de R$ 100 mil. O instituto, voltado ao curso jurídico, deve começar a funcionar neste ano. (LC)