TJ confirma liminar dada ao MP que impede “porta dupla” nos hospitais de SP


O Tribunal de Justiça manteve a liminar concedida em primeira instância no dia 30 de agosto que suspendeu os efeitos no Decreto Estadual nº 57.108/2011, impedindo que o Estado de São Paulo disponibilize 25% dos leitos de hospitais públicos estaduais, gerenciados por organizações sociais, para particulares e planos de saúde. A liminar foi concedida em ação civil pública movida pela Promotoria de Justiça de Direitos Humanos – área da Saúde Pública, da Capital, e confirmada por decisão proferida nesta sexta-feira (29) pela 2ª Câmara de Direito Público do TJ.

O Decreto Estadual nº 57.108/2011 regulamentou a Lei estadual nº 1.131/10, de 27 de dezembro de 2010, que instituiu a possibilidade de que estabelecimentos públicos de saúde reservem até 25% de sua capacidade operacional para atender pacientes usuários do sistema privado e conveniado. No dia 9 de agosto, os promotores de Justiça Arthur Pinto Filho e Luiz Roberto Cicogna Faggioni ajuizaram ação civil pública argumentando que a lei e seu regulamento “agridem frontalmente inúmeras normas constitucionais e infraconstitucionais”. Além disso, segundo a ação, “se a medida for implementada haverá uma situação aflitiva na saúde pública do Estado, uma vez que os dependentes do SUS perderão 25% dos leitos públicos dos Hospitais estaduais de alta complexidade, que já são, notoriamente, insuficientes para o atendimento da demanda de nossa população”.

No dia 30, o juiz Marcos de Lima Porte, da 5ª Vara da Fazenda Pública concedeu a liminar pedida pelo MP proibindo que o Estado celebre contratos de gestão, alterações ou aditamentos de contrato de gestão com organizações sociais e suspendendo os efeitos do decreto, sob pena de multa diária de 10 mil “a ser arcada pessoalmente pelos agentes públicos que descumprirem as obrigações da decisão judicial”.

Na liminar, o juiz fundamentou que os documentos juntados pelo MP revelam que “o efeito pretendido pelo mencionado Decreto favorece ‘a prática de “dupla porta” de entrada, selecionando beneficiários de planos de saúde privados para atendimento nos hospitais públicos geridos por Organizações Sociais, promovendo, assim, a institucionalização da atenção diferenciada com: preferência na marcação e no agendamento de consultas, exames e internação; melhor conforto de hotelaria, como já acontece em alguns hospitais universitários no Estado de São Paulo. Nesse contexto, portanto, vê-se evidente afronta ao Estado de Direito e ao interesse público primário da coletividade”.

O Estado, então, impetrou agravo de instrumento tentando reverter a decisão de primeira instância, mas o relator, desembargador José Luiz Germano, entendeu que “não há nenhuma urgência para o Estado em implantar tamanha e perigosa mudança na saúde pública”. Segundo o relator, “não há urgência para as pessoas que não podem pagar pelos planos, pois não se crê que no curto tempo de tramitação que se espera para a ação principal e seu recurso a situação desses pacientes fique sensivelmente pior do que já está. Não há urgência para os pacientes que têm planos de saúde, pois estes já têm o seu atendimento diferenciado na rede credenciada e igualmente estão sendo atendidos gratuitamente pelo sistema público, independente de qualquer proporção.”

No acórdão, o relator lembra que a liminar concedida em primeira instância “impediu a pressa na produção de efeitos maiores de um decreto que já tinha gerado a qualificação de pelo menos duas organizações sociais para contratação com planos de saúde e particulares”.

Para o relator, “a institucionalização do atendimento aos clientes dos planos particulares, com reserva máxima de 25% das vagas, nos serviços públicos ou sustentados com os recursos públicos, cria uma anomalia que é a incompatibilização e o conflito entre o público e o privado, com as evidentes dificuldades de controle”.

O acórdão destaca, ainda, que a criação de reserva de vagas no serviço público para os pacientes dos planos de saúde “aparentemente só serviria para dar aos clientes dos planos a única coisa que eles não têm nos serviços públicos de saúde: distinção, privilégio, prioridade, facilidade, conforto adicional, mordomias ou outras coisas do gênero”.  Sustenta, ainda, o relator: “Não é preciso dizer que tudo isso é muito bom, mas custa muito dinheiro. Quando o dinheiro é público, tudo bem. Mas quando se trata de dinheiro público e com risco de ser feito em prejuízo de quem não tem como pagar por tais serviços, aí o direito se considera lesado em princípios como igualdade, dignidade da pessoa humana, saúde, moralidade pública, legalidade, impessoalidade e vários outros”.

Quinta-Feira , 29 de Setembro de 2011