Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Autos nº. 0198861-15.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Catanduva

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 632, de 14 de agosto de 2012, do Município de Catanduva, de iniciativa parlamentar, que “Dá nova redação aos artigos 60 da seção II (Do Conselho Fiscal) e 61 da Seção III (Do Conselho Municipal de Previdência), da Lei Complementar nº 127, de 24 de setembro de 1.999, e dá outras providências”.

2)      Ato normativo que altera a composição do Conselho Fiscal e do Conselho Municipal de Previdência do Instituto de Previdência dos Municipários de Catanduva. Matéria tipicamente administrativa. Iniciativa parlamentar. Invasão da esfera da gestão administrativa, reservada ao Poder Executivo Municipal. Violação ao princípio da separação de poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição do Estado). Parecer pela procedência do pedido.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal, tendo por objeto a Lei Complementar nº 632, de 14 de agosto de 2012, do Município de Catanduva que “Dá nova redação aos artigos 60 da seção II (Do Conselho Fiscal) e 61 da Seção III (Do Conselho Municipal de Previdência), da Lei Complementar nº 127, de 24 de setembro de 1.999, e dá outras providências”.

Sustenta o autor que cabe ao Chefe do Executivo dispor sobre a composição de conselhos de previdência, razão pela qual o ato normativo impugnado seria inconstitucional por conter vício de iniciativa e violar os princípios da tripartição dos poderes e da impessoalidade. Aponta, assim, contrariedade aos arts. 5º, 111 e 144, da Constituição Estadual.     

O pedido de medida liminar foi deferido (fls. 53/54).

Notificado (fl. 62), o Presidente da Câmara Municipal prestou informações sobre o processo legislativo (fls. 64/67).

Citada regularmente (fl. 61), a Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 104/106).

É a síntese do que consta dos autos.

O pedido deve ser julgado procedente.

O ato normativo ora impugnado viola o princípio da separação de poderes, previsto no art. 5º e no art. 47, II e XIV, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista.

A Lei Complementar nº 632, de 14 de agosto de 2012, do Município de Catanduva, que deu nova redação aos arts. 60 e 61, da Lei Complementar nº 127/1.999, alterando a composição do Conselho Fiscal e do Conselho Municipal de Previdência do Instituto de Previdência dos Municipários de Catanduva, tem a seguinte redação:

“Art. 1º - O artigo 60 da Lei Complementar nº 127, de 24 de setembro de 1999, passa a vigorar com a seguinte redação:

‘Art. 60 - O Conselho Fiscal do Instituto de Previdência das Municipiários de Catanduva - IPMC, será constituído de 7 (sete) membros efetivo, com no mínimo 3 (três) anos de contribuição junto ao Instituto de Previdência das Municipiários de Catanduva, sendo no mínimo 1 (um) representante dos inativas e pensionistas, escolhida entre os servidores efetivos inativos e pensionistas que se candidatarem e obtiver a melhor classificação. Senda que os candidatos efetivos ativos serão escolhidos pelos funcionários efetivos ativos"’

Art. 2º - O artigo 61, da Lei Complementar nº 127, de 24 de setembro de 1999, passa a vigorar com a seguinte redação:

‘Art. 6l - O Conselho Municipal de Previdência do Instituto de Previdência dos Municipiários de Catanduva IPMC, será constituído de 7 (sete) membros efetivos, com no mínima 3 (três) anos de contribuição junto ao Instituto de Previdência dos Municipiários de Catanduva, sendo no mínimo 1 (um) representante dos inativos e pensionistas, escolhido entre os servidores efetivos inativos e pensionistas, que se candidatarem e obtiver a melhor classificação e 1 (um) representante da Câmara Municipal, escolhido através de eleição interna, entre os Funcionários da Câmara Municipal, sendo que os candidatos efetivos ativos serão escolhidos pelos funcionários efetivos ativos.’

Art. 3º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogando as disposições em contrário.

A estrutura e composição de Conselho Fiscal de entidade autárquica e de seu Conselho Municipal tratam-se, evidentemente, de matérias referentes à Administração Pública, cuja gestão é de competência exclusiva do Prefeito.

Nos termos do art. 47 da Constituição do Estado de São Paulo:

“Art. 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição (...)

II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

(...)

XIV - praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;

(...)”

O Instituto de Previdência dos Municipários de Catanduva é uma autarquia municipal, órgão da administração pública indireta, que presta serviço público de previdência e assistência social.

Segundo nos ensina Hely Lopes Meirelles: “A autarquia é forma de descentralização administrativa, através da personificação de um serviço retirado da Administração centralizada”(Direito Administrativo Brasileiro, 33ª ed., São Paulo: Malheiros, 2007, pag. 344).

Por desempenhar serviço público típico, a iniciativa para a criação de uma autarquia ou alteração dos seus órgãos de gestão cabe ao Chefe Poder Executivo, a quem a Constituição Estadual atribui o exercício da direção superior da administração e a prática de atos de administração (CE, art. 47, II e XIV).

Ensina ainda a doutrina que os conselhos são organismos públicos destinados a assessoramento de alto nível e de orientação e até de deliberação em determinado campo de atuação governamental.         

A inconstitucionalidade, portanto, decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144).

É pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público.

De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

O diploma impugnado invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, pois envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo, no caso em análise representados pela composição de órgão de gestão e de consultoria de autarquia municipal. A atuação legislativa impugnada, equivale à prática de ato de administração, de sorte a violar a garantia constitucional da separação dos poderes.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

Em realidade, a administração da cidade incumbe ao que, modernamente, atribui-se a denominação de “Governo”, e que tem na lei seu mais relevante instrumento, participando sempre o Poder Legislativo na função de aprovar-desaprovar os atos. Na hipótese de administração ordinária, cabe ao Legislativo o estabelecimento de normas gerais, diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos.

Sobre isso, ensinou Hely Lopes Meirelles que:

“A atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no prefeito. Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração  (...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções. Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. Em sua função normal e predominante sobre as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua função específica, bem diferenciada da do Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração. Já dissemos - e convém se repita - que o Legislativo provê 'in genere', o Executivo 'in specie', a Câmara edita normas gerais, o prefeito as aplica aos casos particulares ocorrentes. Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente  nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em  atos ou medidas  de execução  governamental  (...)  Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa privativamente, à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, § I, c/c 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal. São, pois, de iniciativa exclusiva do prefeito, como chefe do Executivo local, os projetos de leis que disponham sobre a criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública Municipal; matéria de organização administrativa e planejamento de execução de obras e serviços públicos; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime jurídico e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de sua remuneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais.  Os demais projetos competem concorrentemente ao prefeito e à Câmara, na forma regimental” (Direito Municipal Brasileiro, 16ª ed., São Paulo: 2008, p. 748, Malheiros). 

Percebe-se que a lei em questão tem irregularidades constitucionais, eis que disciplina a estrutura de órgão de gestão de autarquia e de órgão consultivo de assessoramento à atividade da administração.

Em situação análoga, esse Egrégio Tribunal de Justiça já decidiu (Processo n. 225.365-63.2009.8.26.0000, Relator: Laerte Sampaio, Data do julgamento: 10/03/2010):

“Ação declaratória de Inconstitucionalidade. Conselho Municipal. Composição. Inclusão de representantes do legislativo. Inconstitucionalidade. 1. Viola o art. 5º, §2°, da CE o art. 4º da Lei Municipal n° 1.595/2005, com a redação dada pela Lei Municipal n° 1629 de 09.06.2006, que inclui dois membros do Poder Legislativo na composição do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência. Ação procedente”.

Diante do exposto, o pedido deve ser julgado procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 632, de 14 de agosto de 2012, do Município de Catanduva.

São Paulo, 26 de novembro de 2012.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

aca