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Criminal

Maus-tratos a animais está relacionado à violência doméstica, apontam estudos

Tema foi exposto em workshop para polícia de proteção animal no MPSP

Em uma casa em que é constatada a prática de maus-tratos contra animais pode estar ocorrendo também violência doméstica. É o que apontam estudos recentes dentro e fora do país, como um questionário aplicado em 2000 a 43 mulheres em abrigos. Quarenta e seis e meio por cento delas relataram que o parceiro tinha ameaçado ou ferido animais de estimação.

Essa ligação também foi apontada no Brasil no estudo 'Crueldade com animais versus violência doméstica contra mulheres: uma conexão real', da pesquisadora Maria José Sales Padilha. Das 453 mulheres entrevistadas que buscaram atendimento na Delegacia da Mulher e registraram boletim de ocorrência, metade declarou que seus agressores já haviam sido violentos com animais.

Workshop Proteção Animal

Em São Paulo, o policial militar Marcelo Robis demonstrou no livro 'Maus-tratos aos animais e violência contra pessoas' que, 32% das pessoas autuadas por maus-tratos a animais possuíam registros por lesão corporal, furto, homicídio e ameaça.

'Muitas vezes os animais são cruelmente violentados para intimidar, coagir e controlar as demais pessoas da família. Um ponto comum entre a violência doméstica e maus-tratos aos animais é a vulnerabilidade das vítimas', afirma a médica veterinária Luciana Vargas SantAna, assistente técnica do Grupo Especial de Combate aos Crimes Ambientais e de Parcelamento do solo (Gecap), do Ministério Público de São Paulo. Ela participou na manhã desta sexta-feira (7/4) do Workshop para Polícia de Proteção Animal, na sede do MPSP, no centro da capital.

Para ilustrar essa situação a promotora de Justiça Fabíola Sucassas contou um fato real de violência doméstica que aconteceu quando ela atuava na zona leste da capital. 'Eles eram casados há 10 anos e o relacionamento era conturbado porque o marido era ciumento e controlador. Ele havia cismado que ela o traía. Para obter uma suposta confissão, ele a espancou e a feriu com uma arma branca, além de tê-la agredido e estuprado', disse. Não contente, ainda de acordo com o relato da promotora, o homem sequestrou a esposa, cortou os cabelos dela e ficou mostrando a ela uma foto do gato que ela possuía. A moça conseguiu fugiu e procurou o MPSP. 'Ela me procurou na Promotoria não para pedir maior proteção, mas porque queria o gato de volta uma vez que era a única fonte de carinho que ela tinha'.

Não há dados oficiais sobre violência praticada contra animais no Brasil, mas estima-se que o número seja relevante levando-se em consideração a subnotificação. Na capital paulista, em 2016 a Prefeitura de São Paulo recebeu mensalmente cerca de 600 notícias de crimes de maus-tratos aos animais por intermédio do portal de atendimento 156, extinto este ano por falta de estrutura para atender a demanda. No Estado, a polícia registra 21 casos de maus-tratos a animais por dia. Boletins de ocorrência registrados entre 2011 e 2016 revelam casos de agressão física aos bichos por donos em casa até prisões em cativeiros sem condições de higiene ou alimentação e brigas de galo.

Um importante instrumento legal que começou a mudar o cenário da subnotificação de denúncias de maus-tratos aos animais foi entregue à população em setembro do ano passado quando passou a funcionar na capital paulista a Delegacia Eletrônica de Proteção Animal, projeto de autoria do deputado estadual Feliciano Filho. 'O objetivo foi dar voz aos animais. Com o aumento das denúncias o sofrimento dos bichos diminui', afirmou ele. Qualquer pessoa que tenha celular com acesso à internet pode fazer um boletim eletrônico e ainda anexar fotos e vídeos que demonstram as crueldades praticadas. 'Com essa facilidade as pessoas viraram praticamente escrivães de polícia', observou o parlamentar, lembrando que em casos de risco iminente de morte de animais é necessário procurar a Polícia Militar imediatamente.

A criação de leis estaduais de proteção animal foi lembrada no seminário pela promotora de Justiça Eloisa Balizardo, do Gecap, que falou sobre o papel do MPSP no crime de maus-tratos a animais e a legislação estadual relacionada a esses casos. Segundo ela, apesar dos avanços, a luta ainda é árdua e muitas representam um marco no tratamento legal dessa questão como a mais recente lei aprovada no mês passado que estabeleceu que a política de controle de natalidade de cães e gatos e a castração como único método de controle de natalidade de animais errantes (de rua) é obrigação do poder público. 'Esse projeto tramitou durante 14 anos. Agora aprovado vai facilitar muito a conversa entre os operadores de Direito e as prefeituras', disse. Workshop Proteção Animal

A advogada socioambientalista e autora do livro 'O Direito & os Animais' Danielle Tetu Rodrigues afirmou que apesar dos avanços, os crimes contra animais ainda são vistos pelo Direito como de menor potencial ofensivo e punidos, geralmente, com pagamento de cestas básicas ou prestações de serviços à comunidade, muito embora o artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais estabeleça que maltratar animais é crime com pena de detenção de três meses a um ano. A especialista lembrou, porém, de uma sentença que fugiu a esse tipo de entendimento quando a juíza Patrícia Álvarez Cruz condenou Dalva Lina da Silva, conhecida como 'monstro da Mantiqueira' a 12 anos, seis meses e 14 dias de prisão, além do pagamento de multa no valor de R$ 19, 5 mil pelo assassinato de 33 gatos e quatro cachorros. Ela também teve a prisão decretada, mas a medida foi revogada em recurso de segundo grau.

A abertura do evento teve a participação do subprocurador-geral de Justiça de Políticas Criminais e Institucionais, Mário Sarrubbo, e do coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal (Caocrim), Levy Emmanuel Magno. O workshop foi destinado a policiais civis, militares, federais, ambientais e Guardas Civis Metropolitanos (GCM). O evento foi organizado pelo MPSP, por meio do Gecap e do Caocrim, em parceria com o Projeto Fauna Legal e Associação Brasileira de Medicina Veterinária Legal (ABMVL). O objetivo foi capacitar profissionais que atuam no atendimento de denúncias para o correto e preciso reconhecimento de situações em que há risco iminente para a saúde dos animais e dos humanos envolvidos.