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Monday , 04 de june de 2018

Gaema consegue suspensão da aprovação de empreendimento em Jarinu

Loteamento fica em área rural transformada em urbana
Loteamento fica em área rural transformada em urbana

Na última quinta-feira (31/5), a Justiça concedeu, a pedido do núcleo de Campinas do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema) e da Promotoria de Jarinu, liminar que suspende empreendimento que geraria um acréscimo correspondente a 25% da população de Jarinu em uma área isolada. Ou seja, a área que era rural foi transformada em urbana pelo Plano Diretor de 2006, e correspondeu exatamente à área do empreendimento posteriormente proposto. Trata-se de uma área isolada da área urbana consolidada do município e que está situada na cabeceira do Rio Jundiaí-Mirim, principal manancial de abastecimento do município de Jundiaí.

Na ação, os promotores de Justiça Rodrigo Sanches Garcia e Aline Morgado da Rocha sustentam que o Plano Diretor do município foi instituído por meio de Lei Complementar Municipal n.º 97, de 22/11/2006. Referida lei originou-se do Projeto de Lei Complementar n.º 107, de 26/09/2006, apresentado pelo Poder Executivo à Câmara Municipal. Os promotores descrevem os percalços do processo legislativo, desde a elaboração do Projeto de Lei Complementar 107/06 até a aprovação da LC 97/2006. Eles demonstram que houve alterações posteriores no Plano Diretor, por meio de leis municipais. Destacam falhas no procedimento, relativas a aspectos formais (ausência de juntada de documentos) até a falta de tempo necessário para que a população pudesse tomar conhecimento do teor da documentação antes da audiência pública realizada, enfraquecendo a higidez da participação popular.

Sobre o macrozoneamento, foram identificadas "diversas inconsistências entre o mapa originalmente proposto no estudo do Plano Diretor Participativo, o mapa constante do PLC 107/06, o mapa do autógrafo n.º 622/06 e o mapa final integrante do Plano Diretor (LC97/06)", com acréscimo de áreas consideradas como núcleos urbanos. Asseveram os promotores que o Poder Executivo municipal "claramente desconsiderou o estudo realizado por equipe especializada", procedendo a uma alteração "de modo pontual e casuístico, sem absolutamente nenhuma justificativa técnica e novos estudos que permitissem a análise das consequências da criação de tais núcleos urbanos, especialmente da área localizada a sudoeste, mais distante e isolada do perímetro central da cidade".

Pontuam que, conforme análise de fotos extraídas do programa "Google Earth" em agosto de 2005, as áreas indicadas possuíam características predominantemente rurais, com  ocupação insignificante de construções, não parecendo ser razoável, portanto, que tais áreas fossem delimitadas como urbanas no Plano Diretor. Citando o quadro evolutivo do processo legislativo, asseveram que "essas alterações se contrapõem à lógica da Emenda 17, que solicitou a manutenção de uma área dentro da macrozona de uso multifuncional rural, mesmo sendo esta área contígua ao perímetro central da cidade, a fim de que fosse mantida como 'um cinturão verde de proteção à área central da cidade”.

De acordo com a ação, a justificativa para que essa área não fosse definida como urbana no Plano Diretor foi a necessidade de se proceder à expansão urbana de forma cautelosa e ordenada, razão pela qual a delimitação das áreas apontadas como sendo urbanas é incoerente com o proposto e aprovado na Emenda 17, dadas as características rurais de todo seu entorno e a distância do perímetro central da cidade. Os promotores citam o artigo 42 do Plano Diretor, que define a macrozona de uso multifuncional rural, e dispõe sobre a necessidade de proteção e recuperação de nascentes e corpos d'água.

Garcia e Aline aduzem que a análise do processo legislativo do Plano Diretor permitiu a constatação de diversas falhas, em especial na delimitação das zonas rural e urbana do município. De acordo com o Ministério Público, "o uso e ocupação do solo inadequados dessas áreas, desconsiderando-se suas características e vocações quando da elaboração do Plano, expõem a risco a preservação dos recursos naturais e o crescimento ordenado da cidade". Afirmam ainda que, no dia 29 de outubro de 2015, foi instaurado um inquérito civil para apurar e prevenir danos ambientais e urbanísticos relacionados ao loteamento Campo Verde, que se encontrava em fase de elaboração do estudo e relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA).

Os promotores argumentam que havia uma preocupação com os impactos negativos da implantação do loteamento sobre o meio ambiente, sobretudo sobre os recursos hídricos, visto que o empreendimento situa-se na bacia do rio Jundiaí-Mirim. Em junho de 2017, o Gaema recebeu da Promotoria de Justiça de Jarinu os autos do Inquérito Civil n.º 5671/15 para acompanhamento, em razão de eventuais danos em escala regional com a implantação do empreendimento. Afirmam que o Loteamento Campo Verde situa-se na porção oeste do município e faz parte da bacia do rio Jundiaí-Mirim, integrando a Área de Proteção Ambiental (APA) Jundiaí, que compreende os municípios de Jundiaí, Jarinu, Campo Limpo Paulista e Itupeva.

O loteamento situa-se, mais especificamente, nas microbacias do córrego Tanque e do Ribeirão do Perdão, onde se localizam as nascentes do rio Jundiaí-Mirim, que é responsável pelo abastecimento de 95% do município de Jundiaí. Os remanescentes florestais fazem parte do bioma Mata Atlântica. De acordo com o MPSP, o loteamento ocupará uma área composta por três glebas, que somam aproximadamente 387 hectares. Inicialmente estavam previstos 1.572 lotes, dos quais 1.533 seriam residenciais, com área mínima de 500m², além de 18 lotes de uso misto e uma área comercial. A população estimada é de aproximadamente 9.500 pessoas, entre moradores e funcionários.

Após avaliação do EIA/RIMA e considerações feitas pela Cetesb, o projeto foi reformulado, contando atualmente com 1.673 lotes, sendo 1.653 residenciais, 9 comerciais e 11 de uso misto, com uma população máxima prevista de 7.500 pessoas. No projeto, está prevista a supressão de 15,7 hectares de vegetação nativa, dos quais 1,5 hectare está em estágio avançado de regeneração, 2,8 hectares, em estágio médio e 11,4 hectares, em estágio inicial. Cerca de 10% dessa intervenção ocorrerá em Área de Preservação Permanente.

 

Segundo consta, a área já havia sido objeto de pedido de licenciamento ambiental em 2002, mas o processo foi arquivado em 2005 por desistência do empreendedor. Em setembro de 2007 o Tribunal de Justiça de São Paulo, em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) julgou inconstitucional a Lei Municipal n.º 1.542, de 25 de março de 2002, que havia alterado de rural para urbana área onde seria construído o loteamento.  Essa área "surgiu" novamente como urbana no Projeto de Lei, sendo mantida no autógrafo e no mapa que acompanhou a Lei Complementar 97/06, muito embora o estudo que embasou o projeto do Plano Diretor tenha proposto ser ela considerada rural.

Em 2013 iniciou-se novo processo de licenciamento da primeira fase do loteamento, sob responsabilidade da empresa Lote 5 Desenvolvimento Urbano S/A. Vários órgãos manifestaram-se à Promotoria de Justiça, indicando potenciais danos a serem causados com a implantação do empreendimento. Os principais problemas apontados foram, contudo, sanados pelo empreendedor. Atualmente, o empreendimento encontra-se na fase de aprovação no GRAPROHAB. De acordo com o MPSP, apesar de os principais problemas apontados terem sido sanados, chama a atenção o fato de que a área do loteamento está localizada em uma zona urbana isolada, que foi delimitada dentro de uma região predominantemente rural, de acordo com o Plano Diretor de Jarinu.

Houve proposição, em abril de 2017, de projeto de lei para exclusão do município de Jarinu da APA de Jundiaí, sem fundamentação técnico-científica, o que foi objeto de análise pelo Gaema, que indicou a necessidade de alteração da proposta, com manutenção do município de Jarinu dentro da APA. Segundo os promotores, de acordo com a regulamentação da APA de Jundiaí (na qual está inserido o município de Jarinu), há a proibição de supressão da vegetação para a área indicada, sendo vedada, ainda, a implantação de loteamentos habitacionais cujos lotes sejam inferiores a 20.000 mil metros quadrados na Zona de Conservação da Vida Silvestre.

De acordo com os promotores de Justiça, a transformação da área indicada de rural para urbana é incoerente com o art. 41 do próprio Plano Diretor. Para o MPSP, trata-se de alteração inconstitucional (como reconhecido pelo Tribunal de Justiça nos autos da ADIN 146.526-0/6-00). No entendimento do Ministério Público, estabelecer o crescimento de um município com base em uma determinada propriedade isolada fere o princípio da impessoalidade. Na ação, os promotores relatam impactos que a implantação do loteamento pode trazer ao município sob o ponto de vista ambiental. E asseveram que o artigo 182 da Constituição Federal, bem como os artigos 180 e 181 da Constituição Estadual estabelecem parâmetros para a política de desenvolvimento urbanístico municipal.

Na ação, Garcia e Aline mencionam os parâmetros estabelecidos no Plano Diretor e na Lei de Uso e Ocupação do Solo. Invocam os princípios da precaução e da proibição do retrocesso na proteção do meio ambiente, bem como a tutela jurídica estabelecida pela Lei n.º 11.428/2006 (Lei da Mata Atlântica).

Por esses motivos, os promotores de Justiça solicitaram a concessão de tutela de urgência para evitar a aprovação e o início das obras do empreendimento citado. Para eles, estão presentes a probabilidade do direito e o perigo de dano. Ademais, no entendimento de Garcia e Aline, a concessão da medida evitaria prejuízos a terceiros de boa-fé que venham a adquirir lotes no local indicado, bem como eventual consolidação de situação de fato irreversível.

Além de conceder a liminar, a Justiça considerou também que há indicativos de irregularidades na classificação da área apontada como zona urbana, em prejuízo do meio ambiente e em desacordo com os parâmetros estabelecidos pelo Estatuto da Cidade. “Evidente o perigo de dano, diante de possível implementação do loteamento indicado, consolidando-se situação fática em eventual prejuízo ao meio ambiente. No particular, deve-se registrar que alterações decorrentes de atividade antrópica no meio ambiente natural são, por vezes, irreversíveis, de modo que, pelo princípio da precaução, faz-se necessário sustar, por ora, o início da implementação do loteamento, ao menos até que sejam analisados, sob o crivo do contraditório, os estudos, relatórios e demais documentos que ensejaram a aprovação do EIA/RIMA e a licença prévia emitida pela Cetesb e, de resto, todo o processo legislativo que lhe deu suporte. Evita-se, ainda, prejuízo a terceiros de boa-fé que eventualmente venham a adquirir lotes, caso, ao final, seja a demanda julgada procedente”, salienta a decisão judicial.


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